Tiffany Cabán, uma socialista rumo à promotoria em Nova York 

Nos EUA, os socialistas prometem avançar eleitoralmente. Desta vez, foi a defensora pública Tiffany Cabán, que venceu, nesta terça-feira (25), as primárias democratas no Queens, distrito de Nova York, e poderá se tornar promotora pública. Ela defende uma plataforma que pretende, entre outras coisas, mudar a política de encarceramento que prejudica sobretudo trabalhadores, pobres, negros e hispânicos.

Por José Carlos Ruy *

Tiffany Cabán

Tiffany Cabán venceu, nesta terça-feira (25), as primárias democratas para a promotoria distrital no Condado de Queens. Com quase 40% dos votos Cabán levou a dianteira em numa disputa acirrada, que teve a participação de seis candidatos – com uma plataforma socialista na maior cidade dos EUA. Sua principal concorrente, Melinda Katz, está no páreo até que os restantes 3.400 boletins de voto sejam apurados. Mas tudo indica que Cabán terminará em vantagem com mais de mil votos à frente.

Com 31 anos de idade, Tiffany Cabán é filha de uma família de trabalhadores de origem porto-riquenha – seu pai é mecânico de elevadores e sua mãe cuida de crianças. Sua vitória iminente poderá ser o terceiro grande êxito eleitoral socialista em Nova York em pouco menos de um ano – a lista inclui as recentes vitórias de Alexandria Ocasio-Cortez e da senadora Julia Salazar.

A campanha de Tiffany Cabán teve a participação intensa de militantes da sessão novaiorquina da DSA (Democratic Socialists of America). Em seu discurso de vitória na noite desta terça-feira (25), Cabán enfatizou seu programa socialista: defendemos, disse, “descriminalizar a pobreza, acabar com o encarceramento em massa, proteger nossas comunidades formadas por imigrantes. Quero ser clara: nada é mais importante para mim do que a segurança de todas as pessoas. Vamos investir na melhoria e estabilidade da vida”.

Para ela, a “segurança de todas as pessoas” significa abordar problemas sistêmicos sem recorrer a medidas policialescas. “Não se pode separar nossa justiça criminal de questões como moradia, saúde e educação. Simplesmente não se pode”, insistiu. Seu plano é usar o orçamento participativo para reinvestir o "valor de US $ 100 milhões em dinheiro de confisco" mantido pelo escritório da promotoria nos bairros de trabalhadores no Queens.

A análise socialista de Cabán sobre a redução do crime vem de sua própria experiência como defensora pública, base de sua campanha focada na justiça antirracista com uma mensagem clara de luta de classes. Cabán defende acabar com o hábito do pagamento de fiança em dinheiro; não aceita a criminalização da pobreza (como o pulo de catracas no metrô de Nova York), quer acabar com a guerra contra as drogas e as profissionais do sexo (parte de seu programa que teve forte repercussão na mídia), e também desmilitarizar a polícia. Quer criar um orçamento participativo para a promotoria pública e atuar em defesa dos trabalhadores vítimas de patrões hiper-exploradores.

A campanha de Cabán elevou a expectativa dos nova-iorquinos ao demonstrar que sua vida poderia ser melhor com mudanças no sistema de justiça criminal; que o despotismo dos proprietários e chefes não precisa ser tolerado; e que as pessoas não deveriam ter de ir para a cadeia por não poder pagar multas judiciais. E acabar com a criminalização da de pobreza e priorizar o processo contra proprietários e patrões abusivos e exploradores. Sua mensagem é simples: a favor dos pobres e contra os abusos dos ricos.

Essa mensagem foi forte na campanha eleitoral. Militantes da DSA (Democratic Socialists of America) treinaram voluntários ressaltando aspectos como o absurdo de acusar quem salta catracas do metrô enquanto proprietários em todo o Queens negam ilegalmente aos inquilinos aquecimento durante o inverno.

Como promotora distrital, Cabán terá o poder de implantar uma visão mais democrática. Sob o capitalismo, as prisões são ferramentas usadas pela classe dominante para impor seu mando. Mais obviamente, o encarceramento é usado para enriquecer empreiteiros privados e empresas prisionais e fornecer mão-de-obra quase escrava ao governo e às grandes companhias. Também servem como locais de detenção para aqueles que a ordem capitalista decidiu que não são importantes e não merecem apoio social.

Nos EUA, o encarceramento tem sido usado para reforçar o apoio a políticos reacionários por meio da disseminação racista do medo e da retórica “dura contra o crime” – sem mencionar que as pessoas encarceradas estão sujeitas a algumas das condições mais desumanas imagináveis. A reforma da justiça criminal e, em última análise, a mudança do sistema prisional, é central para qualquer programa socialista.

Os negros e latinos são 56% dos presos, apesar de serem apenas 28% da população total. Pessoas de cor também são desproporcionalmente vítimas de violência policial e assassinatos, e a polícia rotineiramente aterroriza comunidades de imigrantes de cor. O objetivo dos socialistas, portanto, é a mudança da polícia e das prisões em sua forma atual. Como promotora distrital, Cabán poderá aplicar o poder do Estado contra o encarceramento em massa e a militarização da polícia.

Cabán não só pode trazer mudanças radicais para os mais de 2,3 milhões de moradores do Queens – cuja população tem enorme diversidade étnica –, mas também tem potencial para mudar a política de justiça criminal a nível nacional. A visão de Cabán para a justiça criminal reuniu uma ampla coalizão de grupos comunitários da classe trabalhadora, que reúne ativistas e militantes democráticos e populares, como o Working Families Party (WFP, Partido das Famílias Trabalhadoras), entre outras organizações.

E, sobretudo, os Socialistas Democratas da América (DSA), o primeiro a apoiar Cabán e espinha dorsal de sua campanha. Ela também é apoiada pelo Real Justice PAC (Comitê de Ação Política da Justiça Real), que é ligado a Bernie Sanders e cujo objetivo é eleger promotores reformista comprometidos em combater o racismo estrutural e defender as comunidades contra o abuso do poder do Estado.

Os socialistas não foram os únicos envolvidos na campanha, mas tiveram nela um papel crucial. Os eventos patrocinados pela DSA foram responsáveis por milhares das assinaturas necessárias para levar Cabán à votação. Dezenas de militantes da DSA dedicaram muito tempo à campanha em todo o Queens, principalmente nos últimos dias antes da votação. Visitaram quase 70 mil residências em apenas quatro dias.

Cabán reconheceu esse esforço em seu discurso de vitória, dizendo que "o WFP e a DSA foram o motor desta campanha". Cabán agradeceu: “As pessoas que se organizaram para a nossa campanha são algumas das mais gentis, generosas e trabalhadoras que você poderia encontrar.” Em resposta, a sala explodiu em gritos de “DSA!” durante o discurso de Cabán.

Uma coalizão de ativistas da classe operária e socialistas construiu a campanha de Cabán. É uma coalizão que não venceria há apenas alguns anos – mas que vence em todo o país. "Eles disseram que não poderíamos vencer, mas conseguimos", disse Cabán na noite desta terça-feira (25), após a declaração de sua vitória.

* José Carlos Ruy é jornalista. Parte das informações deste artigo foi extraída do artigo é “Tiffany Cabán, a Socialist in the District Attorney’s Office”, de Oren Schweitzer, publicado no Jacobin