Como os ditadores, Bolsonaro tenta governar por decretos

Ele já emitiu 157 decretos. E se vangloria: tenho mais poder do que você, disse ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia.

Por José Carlos Ruy*

Bolsonaro - Foto: Marcos Corrêa/PR

Aos cinco meses de presença na presidência da República, Bolsonaro se torna vice-campeão da emissão de decretos, superado somente por Fernando Collor de Mello, revela reportagem publicada na terça-feira (4) por O Estado de S. Paulo ("Sem base no Congresso, Bolsonaro bate recorde de decretos desde Collor", por Renato Onofre e Mariana Haubert).

Ele assinou 157 decretos nos cinco primeiros meses de governo. Collor, no mesmo período inicial de seu mandato, em 1990, assinou 486; os demais foram Itamar Franco, 97; Fernando Henrique Cardoso, 147 no primeiro mandato e 151 no segundo; Luís Inácio Lula da Silva, 154 e 112; Dilma Rousseff. 66 e 73; Michel Temer, 94.

O decreto-lei, que dá ao executivo o poder de legislar, é um instrumento originário das ditaduras. No Brasil, surgiu em 1937, com a constituição outorgada do Estado Novo. A ditadura de 1964 o instituiu outra vez, e só foi revogado – parcialmente – pela Constituição de 1988, sendo substituído pelas medidas provisórias, mas mantido para alguns casos especiais como a regulamentação de leis já aprovadas pelo Congresso, mas não para criar novas leis. A Constituição não permite a um presidente criar “nada de novo” por decreto, mas apenas regulamentar uma lei.

Nesse sentido, as ações de Bolsonaro tem encontrado forte resistência no Congresso, no Judiciário (há ações contra alguns decretos no STF) e entre muitos juristas.

A má articulação política de Bolsonaro no Congresso traz dificuldades ao capitão-presidente, que tenta fugir delas abusando dos decretos.

“Com a caneta tenho muito mais poder do que você", disse ele na semana passada ao presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ). "Apesar de você, na verdade, fazer as leis, eu tenho o poder de fazer decreto", concluiu.

E, a exemplo dos ditadores do passado, usa desse poder sem parcimônia.

Mas tem encontrado forte resistência na Câmara, onde tramitam 117 pedidos para sustar 20 dos decretos. No STF é questionada a legalidade de dois decretos de Bolsonaro – entre eles aquele que flexibilizou o porte de armas. Há também, a respeito dessa ação presidencial, duas ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs) no STF. É questionado também o decreto que altera o sistema de nomeações para cargos no governo – os deputados da oposição querem sustar a criação do Sistema Integrado de Nomeações e Consultas, plataforma eletrônica conhecida como “banco de talentos”, vista como uma maneira do governo burlar a autonomia universitária.

Um decreto já foi derrubado no Congresso: aquele que mudava a Lei de Acesso à Informação e aumentava o número de servidores capazes de impor sigilo a documentos do governo.

Contra o abuso das "canetadas" de Bolsonaro, 47 entidades assinaram um manifesto batizado de “Pacto pela democracia” , onde dizem que “governar por decreto” é um “atentado à democracia” e traz “uma lembrança amarga à sociedade brasileira”.