Obrador a Trump: nada pela força, mas pela razão e o direito

O presidente do México divulga uma carta a Donald Trump onde propõe aprofundar o diálogo sobre a migração

Por José Carlos Ruy

rr

No ano em que se lembram os 140 anos de nascimento do revolucionário Emiliano Zapata, e o centenário de sua morte (respectivamente 1879 e 1919), o presidente do México, Andrés Manuel Lopez Obrador, dirige a seu colega dos EUA, Donald Trump uma carta notável pela firmeza política e pela orgulhosa afirmação da soberania de seu país.

A carta trata do problema migratório e das ameaças feitas recentemente por Trump contra o México — ele afirmou que vai enviar tropas para a fronteira e tratar mais duramente os migrantes que se dirigem aos EUA. São correntes migratórias que atravessam o México, vindas sobretudo de países centro-americanos como Guatemala e El-Salvador. Pessoas que, em busca de trabalho e melhores condições de vida, se submetem à desumana exploração pelos traficantes que controlam o fluxo através da fronteira do México com os EUA.

Para lembrar a fraternal acolhida aos migrantes nos EUA, Obrador lembra, na carta, que a "Estatua da Liberdade não é um símbolo vazio".

Obrador parte de um ponto de vista democrático e humanitário, oposto ao do mandatário dos EUA. Defende o direito e a justiça. Lembra a tradição democrática dos EUA, expressa por chefes de Estado como Abraham Lincoln (1861-1865) e Franklin D. Roosevelt (1933-1945), e recorda o respeito do governo dos EUA pela decisão soberana do presidente Lázaro Cardenas (1934-1940) de nacionalizar a indústria do petróleo no México, na década de 1930.

Obrador termina a carta reafirmando a opção pela paz, e propõe que seja aprofundado o diálogo e a negociação em busca de uma solução que beneficiem aos dois países.

_______

Leia a íntegra da carta:

Cidade do México, 30 de maio de 2019

Presidente Donald Trump

Estou informado de sua última postura em relação ao México. Expresso, de antemão, que não quero o confronto. Os povos e as nações que representamos merecem, diante de qualquer conflito em nossas relações, por graves que sejam, que se recorra ao diálogo e que atuemos com prudência e responsabilidade.

O melhor presidente do México, Benito Juárez, manteve excelentes relações com o prócer republicano Abraham Lincoln. Posteriormente, quando a expropriação petroleira, o presidente democrata Franklin D. Roosevelt entendeu as profundas razões que levaram o presidente patriota Lazaro Cárdenas a atuar em favor de nossa soberania. Certamente o presidente
Roosevelt foi um titã das liberdades. Proclamou, antes que ninguém, os quatro direitos fundamentais do homem: o direito à liberdade de palavra, o direito à liberdade de culto, o direito de viver livre de temores, e o direito de viver livre de misérias.

Neste pensamento fincamos nossa política sobre o tema migratório. Os seres humanos não abandonam seus lugares de origem por gosto mas por necessidade. É por isso que, desde o início de meu governo, lhe propus optar pela cooperação para o desenvolvimento e ajudar aos países centro-americanos com investimentos produtivos para criar empregos e resolver a fundo este penoso problema.

Você sabe também que estamos cumprindo com nossa responsabilidade de evitar, na medida do possível e sem violentar os direitos humanos, a passagem por nosso país. Não há mais que recordar que, em pouco tempo, os mexicanos não terão necessidade de ir aos Estados Unidos e que a migração será opcional e não forçada. Isso porque estamos combatendo como nunca a corrupção, o principal problema do México. E desta maneira, nosso país se converterá em uma potência de dimensão social. Nossos cidadãos poderão trabalhar e ser felizes onde nasceram, onde estão seus familiares, seus costumes e suas culturas.

Presidente Trump, os problemas sociais não se resolvem com imposições ou medidas coercitivas. Como tornar, da noite para o dia, o país da fraternidade para com os migrantes do mundo, em um gueto, um espaço fechado, onde se estigmatiza, se maltrata, se persegue, se expulsa e se cancela o direito à justiça a quem procura, com esforço e trabalho, viver livre da miséria? A Estatua da Liberdade não é um símbolo vazio.

Com todo respeito, embora tenha o direito soberano de expressá-lo, o slogan "Estados Unidos primeiro" é uma falácia porque até o fim dos tempos, e sobre as fronteiras nacionais, prevalecerão a justiça e a fraternidade universais.

Desta forma específica, cidadão Presidente: proponho aprofundar o diálogo, buscar alternativas de fundo para o problema migratório e, por favor, lembre-se que não me falta valor, que não sou covarde nem medroso, mas que atuo por princípios; creio na política que, entre outras coisas, foi inventada para evitar a confronto e a guerra. Não acredito na Lei de Talião, no "dente por dente", nem no "olho por olho" porque, se vamos por esse caminho, todos seremos prejudicados. Creio que os homens de Estado e, mais ainda, os de Nação, somos obrigados a encontrar soluções pacíficas para as controvérsias, e a levar à prática, sempre, o belo ideal da não-violência.

Por fim, proponho que os funcionários sejam instruídos, se não for inconveniente, a atender aos representantes do nosso governo, tendo à frente o Secretário de Relações Exteriores do México, que a partir de amanhã se mudará para Washington, para chegar a um acordo em benefício das duas nações.

Nada pela força, tudo pela razão e pelo Direito!

Seu amigo

Andrés Manuel López Obrador, presidente do México.