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O artista na luta pela libertação de Angola e a liberdade de expressão

Nascido em Portugal, Luandino Vieira fez-se angolano pela sua participação no Movimento de Libertação Nacional de Angola. Durante a guerra colonial, combateu nas fileiras do MPLA, contribuindo para a criação da República Popular de Angola. Em 1961 foi condenado a 14 anos de prisão, por “atividades subversivas contra a segurança externa do Estado”, e enviado para o “Campo da morte lenta”, no Tarrafal.

Por Helena Pato, no Jornal Tornado

Luandino Vieira

A sua obra, com raízes na terra e na cultura do país, foi precursora da literatura angolana, que constituiu uma importante arma de combate no processo da luta de libertação nacional [foi a partir dos escritos de nacionalistas que muitos angolanos foram sensibilizados e mobilizados para a luta de libertação nacional].

Quando a Sociedade Portuguesa de Escritores, em 1965, lhe atribuiu o Grande Prémio de Novelística, o escritor encontrava-se na sua longa prisão no Tarrafal. Essa circunstância determinou uma campanha repressiva do regime fascista do Estado Novo, então a braços com a guerra colonial, e o nome Luandino Vieira ficou para sempre associado ao movimento que então se gerou em Portugal a favor da liberdade de expressão.

José Vieira Mateus da Graça (com pseudónimo literário Luandino Vieira) nasceu em Lagoa de Furadouro, Vila Nova de Ourém, a 4 de maio de 1935. Passou a juventude em Luanda, onde concluiu os estudos secundários. Já antes do eclodir da guerra estivera detido pela Pide, por se manifestar contra a ditadura. Ligado aos círculos culturais de Angola, tinha sido preso pela primeira vez em 1959. Em 1961 volta a ser preso e, condenado a 14 anos de prisão, acabou por ser enviado para o campo de concentração do Tarrafal, em Cabo Verde, onde passou oito anos.

Era, nesses anos, um nome proscrito pelo salazarismo, cuja citação podia constituir delito de opinião. Em 1965, a simples notícia da atribuição de um prêmio literário a José Luandino Vieira, pela Sociedade Portuguesa de Escritores, desencadeou uma das mais violentas ondas de repressão salazarista.

Luandino Vieira cumpria então a pena no Campo do Tarrafal, em Cabo Verde, de onde iria regressar a Portugal em 1972, em regime de liberdade condicional e com residência vigiada, em Lisboa. Trabalhou com o editor Sá da Costa até à Revolução de Abril. Em 1975, voltou a Angola, mas, na sequência do reinício da guerra civil angolana, veio residir em Portugal. Radicou-se no Minho, em Vila Nova De Cerveira.

Nos anos mais recentes, Luandino Vieira dedica-se, entre outras coisas, a animar uma pequena editora-livraria em Vila Nova de Cerveira, “Nóssomos”, que edita jovens poetas e outros menos jovens.

Em 2006 foi-lhe atribuído o Prêmio Camões, o maior galardão literário da língua portuguesa. Luandino recusou o prémio alegando “motivos íntimos e pessoais”. Em entrevista posterior ao Jornal de Letras, esclareceu que não aceitara o prêmio por se considerar um escritor morto e, como tal, entendia que o mesmo deveria ser entregue a alguém que continuasse a produzir [Contudo, publicou dois novos livros em 2006].

Em maio de 2015, a APE celebrou os 65 anos de Luuuanda, numa cerimónia na Gulbenkian.

Em 1965 a Sociedade Portuguesa de Escritores distinguiu Luandino Vieira com o “Grande Prêmio da Novela” atribuído ao livro Luuanda. A SPE não tardou a ser extinta, a sua sede assaltada, vandalizada e encerrada pela Pide, por despacho do Ministério da Educação. Os escritores Alexandre Pinheiro Torres, Augusto Abelaira e Manuel da Fonseca, membros do júri, foram detidos pela Pide, pela ousadia de premiarem um escritor em choque com a ditadura salazarista.

As três narrativas aqui reunidas retratam a dura realidade dos musseques angolanos – os bairros pobres de Luanda, onde o autor viveu:

"Minha preocupação era ser o mais fiel possível àquela realidade. […] Se a fome, a exploração, o desemprego, surgem com muita evidência […] é porque isso era – digamos assim – o aquário onde meus personagens e eu circulávamos”.

A referência a este acontecimento foi proibida em todos os jornais. O Jornal do Fundão (JF), que divulgara a notícia, foi suspenso por cinco meses e depois submetido a censura especial. Jaime Gama, que escreveu um artigo sobre o assunto no jornal Açores, (depois, Açoriano Oriental), foi detido. Cópias das primeiras provas tipográficas do Luuanda corriam desde 1963 nos musseques de Luanda, enquanto que, em Portugal, a edição que iria circular em 1965, adquirida pelos democratas, havia sido feita por agentes da Pide [numa patifaria de objetivos inomináveis].

Luandino Vieira, que contava então apenas 29 anos, começara a sua atividade literária em O Estudante, órgão dos alunos do Liceu de Luanda. De 1957 a 1960 apareceu integrado numa camada de novos escritores angolanos que elaboraram Cultura, jornal literário da Sociedade Cultural de Angola: poemas, contos, ilustrações com a sua assinatura. Em 1960 publica o seu livro de estreia A Cidade e a Infância, tendo publicado depois Duas Histórias de Pequenos Burgueses (1961) e Luuanda (1964), que lhe valeu o Grande Prêmio.

Na verdade, Luuanda, que traz histórias dos musseques e exibe uma linguagem inovadora, foi escrito (Luandino já preso) e o texto passado pelo escritor para a mulher, que o datilografa para ser editado. E quando o prémio da SPE é atribuído, Luandino continua detido, não sabendo de nada. Desses tempos na prisão, ficaram notas várias, uma espécie de diário.

Alexandre Pinheiro Torres pronunciou-se no jornal Diário de Lisboa da seguinte maneira: “Três histórias que são (…) três obras-primas do nosso conto contemporâneo, e a enorme e imprevista revelação de um escritor de sensibilidade excepcional e de notável capacidade de criação dum estilo… É n’A Estória do Ladrão e do Papagaio, que desde já considero digna de figurar sem desdouro ao lado das melhores de José Cardoso Pires de Jogos de Azar, ou das melhores de Manuel da Fonseca de O Fogo e as Cinzas (e que maior elogio poderia eu fazer-lhe?), é nessa ‘estória’ que Luandino Vieira nos dá prova das suas extraordinárias possibilidades”.

O Jornal do Fundão publicou na edição de 23 de maio de 1965, no Suplemento Literário Argumentos, dirigido por Alexandre Pinheiro Torres, a notícia sobre os Prêmios da Sociedade Portuguesa de Escritores. Tinham sido distinguidos: Isabel da Nóbrega pelo romance Viver com os Outros (Prémio Camilo Castelo Branco – Romance); Luandino Vieira por Luuanda (Grande Prémio da Novela) e Armando Castro com A Evolução Econômica de Portugal (Grande Prémio do Ensaio). A propósito do prêmio atribuído ao escritor angolano Luandino Vieira, a notícia do JF informava que do júri tinham feito parte João Gaspar Simões, Augusto Abelaira, Alexandre Pinheiro Torres, Manuel da Fonseca e Fernanda Botelho.

Em 2009, Fernando Paulouro Neves, diretor do JF, escreveu em artigo nesse jornal: “A verdade, porém, é que as três narrativas de Luuanda eram ‘três obras-primas’. A escrita de Luandino Vieira tinha consigo o futuro. Não só para a afirmação de uma literatura angolana, mas para o enriquecimento da língua portuguesa. À distância do tempo, Luuanda tem a frescura de uma linguagem inovadora, a música de uma oralidade tão próxima do universo africano, uma dimensão poética que faz dos contos de Luandino Vieira uma aventura de leitura estimulante. A obra posterior só veio confirmar o grande escritor. Sempre a condição humana no seu húmus, a batalha pela liberdade e pelo pão elementar, num compromisso que é sempre, por mais voltas que dêem, o essencial da acção criadora”.

Em 2009, numa rara entrevista concedida ao jornal Público, Luandino confidenciou que as notícias do prêmio chegaram tardiamente ao Tarrafal, pois o diretor do campo de detenção retardara a informação. Como o escritor estava impossibilitado de candidatar a obra, bem como o seu editor, foi com surpresa que percebeu que a obra fora, mesmo assim, distinguida, graças à intervenção do crítico literário Alexandre Pinheiro Torres.