Um brasileiro em Caracas

Num dia como hoje, 27 de maio, aqui em Caracas um cidadão comum sai cedo de casa para o trabalho e vê o que todos veem: uma cidade que se move e que tem as suas particularidades. Seu primeiro passo provavelmente é pegar o metrô, que neste momento está grátis, num esforço do governo bolivariano por atenuar as consequências dos ataques imperiais à economia nacional.

Por Odorico Ribeiro*, especial para o i21

caracas

Bem, esse esforço vai para todo o sistema de transporte do Estado. E quanto aos ataques, há muito tempo que eles deixaram de ser somente à economia. Ou seja, a essas alturas do campeonato, já as máscaras caíram. Enquanto isso, o nosso herói segue para o seu trabalho.

As lojas estão abrindo, os bancos, idem, e, igualmente os escritórios, hotéis, hospitais, e os setores comercial e industrial em geral. Tudo em paz, marmita debaixo do braço, pois também a comida está bem cara. Obviamente, o governo do Presidente Maduro atua decisivamente ali e promove várias alternativas para o povo poder comprar seu alimento.

Essas alternativas não são nada fáceis. As 6 milhões de caixas “CLAP” (1), com uns 12 quilos de vários produtos, por exemplo, formam parte de um trabalho hercúleo que só pode ser conseguido graças a algo invejável, obra do ex-presidente Chávez: a união cívico-militar, que surge do enorme processo de conscientização desenvolvido pelo ex-presidente.

O processo de conscientização é tal que todos compreendem a importância de ir trabalhar. Todos, de uma ou outra maneira, sabem que na realidade estão lutando pela pátria, pela soberania e pela paz. Consciência é o que não falta por estes lados.

Tampouco falta o conhecimento que nesta terra de Bolívar, há de tudo ou quase tudo. É a maior reserva petroleira certificada do mundo; a quarta de gás; quarta de ouro; diamantes de montão, ferro, alumínio, vários minerais de valor estratégico, como as recentes descobertas de coltan (1). Até mesmo sua reserva hidráulica é invejável. E como!

Não é por outra coisa tanto interesse midiático e tantos ataques a esta terra bendita. Só que o venezuelano já sabe disso tudo. E já demonstrou uma e outra vez, que está disposto a defendê-la. Temos aqui um osso bem duro de roer.

A mencionada união cívico-militar incrementou a utilização de militares em labores civis de extrema necessidade, como na produção e distribuição de alimentos.

O processo inverso também existe. Hoje já somam mais de 2 milhões de civis com muito bom treinamento militar. Há inclusive alguns exímios atiradores. São alguns milhares. E há armas. Em caso de alguma invasão, a pergunta que se faz é: poderão entrar no país, mas será que poderão sair?

Como se tudo isso fosse pouco, a Revolução Bolivariana não para e há educação grátis para todos (computador incluído, a partir dos primeiros anos da educação básica); há atenção gratuita à saúde (apesar das enormes dificuldades devido aos bloqueios bancários e das Multinacionais); a habitação é vista como um direito humano (de 2011 até hoje a “Misión Vivienda” já construiu mais de 2.600.000 apartamentos e casas, fora a “Misión Barrio Nuevo Barrio Tricolor” que renovou e deu manutenção a mais de um milhão de casas e apartamentos populares).

São muitas coisas e não posso citar tudo aqui – mais bem, todas elas merecem um estudo particular. E são coisas que com certeza não cai nada bem ao império. Só mais exemplo: aqui não são permitidos transgênicos e, inclusive, a Monsanto teve que ir embora do país.

Pois é, já não há mais lugar para máscaras. Recentemente o próprio Washington Post publicou um artigo sobre as “ações dos EUA na Venezuela”. Até mesmo o Departamento de Estado chegou a confessar que os governos dos EUA tinham adotado fortes pressões contra o governo do Maduro.

E os supermercados, tem comida? Tem, sim, as prateleiras estão cheias. Só que os preços estão muito elevados. Infelizmente, aqui também temos elementos muito negativos. Parte do empresariado é traidor, golpista e entreguista tal como é a FIESP no Brasil. Quem quiser conhecê-lo é só buscar por FEDECAMARAS. Eu, passo.

Ao final do dia, o nosso amigo trabalhador regressa a casa. Oxalá tenha tido mais sorte do que eu que recebi um telefonema de um primo aí do Brasil que é bem direitista. Ele nem me deu boa noite. Foi logo espinafrando o Maduro e a Venezuela. Gritou, xingou e só não me deu uma porrada por motivos óbvios.

Nesses casos tenho uma boa saída que geralmente funciona muito bem. Na primeira oportunidade lhe perguntei:

– Já que você sabe tanto sobre a Venezuela, por favor, diz o nome de três cidades venezuelanas além de Caracas.

Silêncio total e absoluto.

* Odorico Ribeiro, 70 anos, carioca, formado em Física pela PUC-RJ e mestre em Projetos de Integração Econômica pelo Instituto de Estudos Superiores de Administração (Caracas). Mora há 40 anos na Venezuela.

Notas

1. CLAP – Comitê Local de Abastecimento e Produção (N.E.)

2.  Coltan é uma mistura de dois minerais: columbita e tantalita. Em português essa mistura recebe o nome columbita-tantalita. Da columbita se extrai o nióbio e da tantalita, o tântalo (N.E.).