Luis Fernando Veríssimo: os nazistas, as armas e a cultura

Em sua crônica intitulada "A frase que sobrevive ao autor" no jornal O Globo, Luiz Fernando Veríssimo usa como gancho a frase famosa “sempre que ouço falar em cultura, pego o meu revólver”, atribuída aos nazistas Joseph Goebbels e Hermann Goering — ora a um, ora a outro —, para uma brilhante conclusão sobre o culto às armas do presidente Jair Bolsonaro e seu séquito. Leia:

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“Há frases que sobrevivem aos seus autores — em muitos casos porque são atribuídas a autores errados. Nem o Humphrey Bogart nem a Ingrid Bergman pediram ao pianista Sam que tocasse ‘As time goes by’ outra vez, no ‘Casablanca’, o que não impediu que fosse a música mais lembrada do filme.

Joseph Goebbels, ministro da Propaganda de Hitler, deixou uma penca de frases para a posteridade. Estranhamente, a autenticidade das suas citações está só agora sendo debatida. O verdadeiro autor da tirada ‘sempre que ouço falar em cultura, pego o meu revólver’ seria não o magro Goebbels, mas o gordo Hermann Goering, que disputava com Goebbels um lugar no coração do Führer. E agora surge outra revelação: a frase faria parte de uma peça intitulada “Schlageter”, lançada em Berlim em 1933. Enfim, o autor.

Goebbels nunca reivindicou a autoria da frase famosa porque, decerto, achava que merecia todas as glórias de uma boa sacada, mesmo as emprestadas. Também, como intelectual do regime e atento a tudo que desmoronava à sua volta, inclusive o sacrifício dos seus próprios filhos e o seu suicídio no bunker de Hitler, Goebbels deve ter visto seu final como um misto de castigo pelos seus crimes e triunfalismo trágico pela sua fidelidade. Se todas as vezes em que ouvisse falar em cultura tivesse sido mais rápido no gatilho, talvez o delírio nazista tivesse durado mais um pouco, ou menos. Para as crianças no bunker, não faria diferença.

A frase de Goebbels que não era de Goebbels teve várias versões. Groucho Marx: “Sempre que ouço alguém falar em cultura, pego a minha carteira.” Possível outra versão da frase do Groucho: “Sempre que ouço falar em cultura, escondo minha carteira”. No Brasil do governo Bolsonaro, a escolha cultura/revólver já foi feita.”