Jurista do golpe diz que governo é intelectualmente indigente

Miguel Reale Júnior argumenta que gestão de Bolsonaro é de "obscurantismo rudimentar".

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Em entrevista à revista Época, o ex-ministro da Justiça, o jurista Miguel Reale Jr. foi um dos autores do pedido de impeachment golpista contra a ex-presidenta Dilma Rousseff e diz não se surpreender com o governo de Jair Bolsonaro.

Ele classifica o governo como "tosco", que mira a "violência" e cuja a única associação de ideias possível é em relação a "namoro". "O governo Bolsonaro é, antes de tudo, de um obscurantismo rudimentar". Reale Jr. resvala no discurso ao reafirmar aspectos rasos do antipetismo obscurantista, mas no geral faz uma boa avaliação do governo Bolsonaro. 

Leia trechos:

1 – Como o senhor se posiciona no espectro político — esquerda ou direita?

(Norberto) Bobbio, em um dos seus últimos estudos, enfrentou o desafio da persistência da dicotomia Esquerda/Direita, após a queda do muro de Berlim, optando por fixar, principalmente, a intensidade com a qual se enfrenta a questão da desigualdade como critério definidor da diferenciação. Além deste critério, e Bobbio não descuida tal aspecto, há a importância que se atribui à participação da comunidade no processo decisório. Outra perspectiva está na valorização ou não dos direitos humanos (respeito à liberdade em suas diversas vertentes) e na importância que se concede à proteção do meio ambiente.

Sob estes diversos aspectos posso, com receio diante da fluidez dessa classificação, me considerar de centro-esquerda, pois valorizo a adoção de políticas sociais, especialmente na criação de igualdade de oportunidades, com uma política tributária mais justa, e a adoção de medidas de política criminal de cunho social, preferivelmente à adoção da repressão. A participação da sociedade nos centros de decisão e a transparência são, a meu ver, fundamentais para uma democracia que se possa dizer participativa. A defesa intransigente do meio ambiente é outro ponto essencial. Posso me ver, portanto, como adepto de uma linha social/liberal, ou seja, de centro-esquerda.

2 -Qual sua avaliação do Bolsonaro?

O governo Bolsonaro é, antes de tudo, de um obscurantismo rudimentar. Cuida de liberar a posse e o porte de armas, instala um conservadorismo moralista ao censurar publicidade por reproduzir a diversidade, elimina a participação da comunidade ao suprimir os diversos conselhos. É um governo tosco, tal como seu presidente, que só tem olhos para a violência e cuja única associação de ideias que consegue fazer é com relação a namoro; noivado; casamento; divórcio. Intelectualmente indigente.

3 – O senhor pensava da mesma forma antes de ele se tornar presidente?

Há um ano escrevi artigo no jornal Estado de São Paulo intitulado “A volta da ditadura pelo voto”. Baseava-se o artigo nas manifestações do deputado Bolsonaro ao longo de seus diversos mandatos. O então deputado defendia o fechamento do Congresso; reprovava a ditadura por ter apenas torturado e não matado; homenageava o torturador Coronel Ustra, discriminava os homossexuais e as mulheres. Depois, em entrevista à radio Jovem Pan, eu disse que um democrata não deveria votar em Bolsonaro, e que nem Bolsonaro me levaria a votar no PT contra o qual lutei para afastar do poder por desonestidade e irresponsabilidade. Eu votaria nulo. Bolsonaro jamais teve projeto, a não ser alimentar o factoide de ser um mito por via das redes sociais. É o que tenta continuar a fazer.

4 – Os quatro primeiros meses de governo estão dentro das suas espectativas?

Apenas é coerente: ele nada significava no plano político como candidato, destacando-se apenas sua postura troglodita e contra os direitos humanos. E isso tem se confirmado nos quatro meses de governo do qual se pode unicamente lembrar como ação administrativa a liberação da posse de armas, o desmonte da fiscalização de violações ao meio ambiente, o desprezo pela atividade cultural, cortando incentivos a projetos artísticos e reduzindo bolsas de estudo e pesquisa, além da incompetência absoluta para o tráfego no âmbito político. A política reduziu-se à mesquinha intriga palaciana ou nas redes sociais, sob a égide de um dicionarista de palavrões residente nos Estados Unidos. O governo Bolsonaro não me surpreendeu.