Trump quer pôr fogo no comércio mundial, diz Krugman

Para entender Trump vs. China, olhe Notre-Dame. Felizmente, no combate a incêndios na França, ele não conseguiu transformar essas opiniões em ação. Infelizmente, na política comercial, ele pode

Por Paul Krugman

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Se você estiver tentando entender por que podemos estar à beira de uma guerra comercial em grande escala, com uma enorme ampliação das tarifas dos EUA sobre os produtos chineses e, inevitavelmente, uma retaliação da China, pode ser útil lembrar o que aconteceu há algumas semanas, enquanto a Catedral de Notre-Dame pegava fogo em Paris.

Como você deve se lembrar, Donald Trump decidiu dizer aos bombeiros franceses como fazer o trabalho deles, tuitando que eles deveriam usar “tanques aéreos de água” para apagar as chamas. O departamento francês de Defesa Civil respondeu – em inglês ligeiramente truncado – com um tuíte que não mencionava o sr. Trump, mas que dizia que bombardear a catedral com água poderia causar o desabamento da construção inteira.

O que isso tem a ver com o comércio? O que o incidente do bombardeio de água nos mostra é que o Sr. Trump tem opiniões fortes sobre qualquer coisa, até mesmo quando ele é completamente ignorante sobre o assunto. Felizmente, quando se tratou de combate a incêndios na França, ele não conseguiu transformar essas opiniões em ação. Infelizmente, quando se trata de política comercial, ele pode: A lei comercial dos EUA dá ao presidente uma enorme autoridade arbitrária para impor tarifas.

Os tuítes do Sr. Trump nos últimos dias podem muito bem figurar nos futuros livros de economia como o exemplo perfeito de como as pessoas entendem mal os fundamentos do comércio internacional e da política comercial. Na verdade, posso garantir isso com muita propriedade, já que sou coautor de dois livros didáticos.

Em primeiro lugar, pela primeira vez o Sr. Trump continua dizendo que, como nós temos um déficit comercial de US$ 500 bilhões com a China – na verdade, são US$ 379 bilhões, mas quem está contando? -, isso significa que estamos perdendo US$ 500 bilhões. Como alguns economistas rapidamente apontaram, de acordo com essa lógica todos nós perdemos quando fazemos compras em nossos supermercados locais. Afinal, por acaso os supermercados compram algo de nós em troca? Não!

Em segundo lugar, o sr. Trump continua a afirmar que a China está pagando as tarifas que ele já impôs. Isso poderia ser verdade se as tarifas estivessem botando os preços chineses para baixo; na prática, a ameaça de mais tarifas chinesas sobre as exportações agrícolas dos EUA é uma das razões pelas quais os preços dos grãos recentemente despencaram para uma baixa recorde.

Mas já se passou tempo suficiente para que os economistas analisem os resultados reais da política comercial do Sr. Trump até agora, e os chineses não estão, de fato, pagando as tarifas. Como escrevi alguns meses atrás, “à primeira vista, os estrangeiros não pagaram nada, e as empresas e os consumidores dos EUA pagaram tudo”.

Então, se você estiver tentando entender o que está acontecendo com o comércio, você deve começar com o ponto básico de que o Sr. Trump não tem a menor ideia do que está fazendo e de que não há nenhum objetivo político coerente nos EUA.

Isso ainda deixa em aberto a pergunta de por que o que parecia ser um acordo em construção pode ter desmoronado (ou talvez não: tudo isso podia ser só jogo de cena). Até muito recentemente, parecia que a China amoleceria o Sr. Trump dando a ele algumas “entregas tuitáveis” – promessas de comprar produtos dos EUA que permitiriam a ele cantar vitória sem que isso levasse a uma mudança substancial na política chinesa. Será que os chineses, como afirma o governo, querem mesmo começar a recuar em algumas das promessas deles? Será que alguém mais linha-dura na área comercial ganhou o ouvido do Sr. Trump? Será que o Sr. Trump ouviu que o provável acordo possivelmente seria massacrado pela imprensa? Ninguém sabe.

Uma coisa é certa, porém: se nós nos metermos em uma guerra comercial de grande escala, por qualquer que seja o motivo, será muito difícil acabar com ela, e a economia mundial nunca mais será a mesma.

Fonte: site da Exame