Maria Motta: Está extinta a escravidão

“Meu Deus, meu Deus, está extinta a escravidão?” Com esta indagação a Escola de Samba Paraíso da Tuiuti apresentou o maravilhoso samba-enredo 2018 no Sambódromo do Rio de Janeiro. Cantada com a alma do povo a Escola entrou triunfante na Avenida, levou o 2º lugar e foi consagrada pelo país afora. E como não se emocionar depois com a magnífica interpretação da cantora negra Grazzy Brasil?

Por Maria Aparecida Dellinghausen Motta*

Desfile na Sapucaí, Paraíso do Tuiuti, Grupo Especial - Foto: Paulo Portilho | Riotur

Neste mês de maio vale lembrar as relações do povo afro e a sua influência na formação do povo brasileiro.

De fato, foi a mão escrava africana que veio exercer o trabalho pesado para a manutenção da Coroa Portuguesa e o enriquecimento do colonizador. É eloquente o testemunho estampado no dia seguinte à Abolição no Jornal O Paiz, dando conta de que, da Colônia ao Império, “mantivemos agrilhoada ao poste nefando da escravidão uma raça condenada ao desespero por todas as condições de desigualdade que o cérebro humano pudesse cogitar de aplicar, não era de acreditar que fossemos um povo livre e por consequência um povo independente, porquanto ainda se achavam conspurcadas as públicas liberdades!” (O Paiz, Rio de Janeiro, Anno V, Segunda-feira, 14 de Maio de 1888).

Vê-se que o peso da escravidão se deu com os mais cruéis métodos de tortura sobre o negro, acontecendo muitas vezes na forma do açoitamento no pelourinho público. A extinção da escravatura só veio acontecer em 13 de maio de 1888, com a Lei Áurea, assinada pela Princesa Isabel¹. Durante três séculos o Brasil se beneficiou com o trabalho escravo do povo africano. Mas a Abolição não significou Liberdade. O negro foi entregue à própria sorte e, sem trabalho, não pode sobreviver com dignidade.

Passados 131 anos da Abolição, acentua-se ainda nitidamente a herança social da escravidão. O povo negro, historicamente excluído, permanece à margem da sociedade. E a exacerbação da exploração dos trabalhadores na atual fase do capitalismo incide ainda mais fortemente sobre a população negra. O que se pode ver hoje é que a classe dominante e a parte da classe média que com ela se identifica não se sentem envergonhadas de expressar seu pensamento e atitudes discriminatórias.

A sociedade brasileira não se libertou do passado da escravidão. Atitudes racistas chegando a ataques físicos e até à morte se manifestaram na campanha eleitoral de 2018 para a presidência da república. O caso mais emblemático da “volta à chibata”, por ex., ocorreu no campus da Universidade Federal de Santa Maria, por si só vergonhoso! Durante a passagem da Caravana pela Democracia com o ex-presidente Lula, um indivíduo em traje gaúcho (seria pertencente ao meio acadêmico?) fez a vil demonstração de que o regime escravista, espelhado na figura do feitor, ou mesmo que o castigo da chibata, aplicado aos marinheiros negros no início do século XX, não acabou. Com licença de sua posição política aquele indivíduo serviu-se do mesmo recurso do açoitamento público no Pelourinho, usando o relho contra um manifestante, ato instigado por declarações que provocaram acirrado debate no Senado Federal. Foi uma cena desprezível! Causou estranheza? Não! E não se tem notícias do desfecho desse caso.

Na defesa da afirmação racial e social das populações oprimidas importa resgatar as heroínas e heróis da luta e resistência contra a opressão como a Aqualtune (princesa africana, avó de Zumbi dos Palmares), Dandara (mulher de Zumbi) e, já no século XX, Laudelina de Campos (causa dos trabalhadores do lar) e Carolina de Jesus (escritora), entre outros.

Não nos esqueçamos de realçar, na luta libertária dos povos, neste caso, da população afrodescendente, sua rica cultura laica ou religiosa seja na sua forma autóctone, seja na forma de sua inclusão na cultura dos colonizadores como é o caso do Catolicismo. A este respeito gostaria de indagar: Por que em São Sepé não se faz mais a bela novena e a festa de Nossa Senhora do Rosário – a Nossa Senhora dos Pretos?

A data simbólica de 13 de maio nos leva a uma série de reflexões a respeito da Liberdade e, consequentemente, à ausência da mesma na atual conjuntura da sociedade brasileira. Lutas e resistência da população negra foram fundamentais para as conquistas democráticas e para a formação de nosso povo. E precisamos ter em mente a superação das mazelas herdadas do Brasil escravocrata. Só poderemos ser um povo LIVRE E SOBERANO quando erradicarmos no espaço deste imenso território todas as práticas de racismo, opressão e injustiça à luz do livre pensar de que se faz uma nação democrática.

Notas

¹Lei Áurea: oficialmente Lei Imperial nº 3.353, sancionada em 13 de maio de 1888. Foi o diploma legal que extinguiu a escravidão no Brasil.