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Jorge de Lima: Mulher proletária 

Há quem diga e pense que a poesia, para ser engajada, precisa ser prosaica; e que o poeta, para não ser alienado, precisa ser materialista. Jorge de Lima (1895-1953), considerado “surrealista”, "místico” e “cristão”, escreve para provar o contrário. Seu poema Mulher proletária traz a força da consciência contra a alienação e transcende o lugar de fala.

Por Adrienne Kátia Savazoni Morelato*

Operárias

Eis um homem – sim, um homem! – que, como poeta, faz de sua voz um grito contra o capitalismo e contra o patriarcado. Nos versos “Mulher proletária / única fábrica que o operário tem”, ele expõe a dura realidade a que são submetidas as mulheres trabalhadoras. A exploração pelo trabalho e pelo marido são transformadas em objetos e propriedades – fábricas de filhos do proletário.

Jorge de Lima escancara a alienação e o último estágio da exploração do ser humano – a mulher proletária que se transforma na válvula de escape do operário, seu único meio de produção. Ela, um corpo inerte, um útero vazio, uma fábrica de filhos para seu “proprietário” (o operário explorado) e para o “senhor burguês”. Fábrica de braços, de outros corpos que serão alienados e explorados, ou que só terão direito a individualidade se partirem cedo para os braços do senhor!

O operário explora sua mulher operária, detém seu corpo e seu útero porque é a única coisa que ele pode possuir. Dentro de sua casa, ele repete, assim, o padrão de violência ao qual é submetido em seu trabalho, tangendo os limites do privado com a forma pública em que é exposto.

O poeta escancara o que a socióloga e feminista Heleieth Saffioti aborda com tanto esmero em seu livro Mulher e Luta de Classes: a opressão da mulher está diretamente ligada à opressão das classes trabalhadoras, ao capitalismo – o último estágio do patriarcado. Mas também sustenta que a luta contra a exploração do trabalhador deve estar ligada diretamente a uma nova concepção de relações entre os gêneros – e vice-versa.

Ao contrário das máquinas burguesas que salvam o seu proprietário, os filhos – produtos da “fábrica mulher” – são novamente alienados e subtraídos pelo patrão. Nas duas estrofes de Mulher proletária, Jorge de Lima lança um manifesto poético pela liberdade de mulheres e homens trabalhadores.

* Adrienne Kátia Savazoni Morelato, mestre e doutora em Estudos Literários pela Unesp, é professora da rede estadual de São Paulo

Leia abaixo o poema:

Mulher proletária
(Jorge de Lima)

Mulher proletária — única fábrica
que o operário tem, (fabrica filhos)
tu
na tua superprodução de máquina humana
forneces anjos para o Senhor Jesus,
forneces braços para o senhor burguês.

Mulher proletária,
o operário, teu proprietário
há de ver, há de ver:
a tua produção,
a tua superprodução,
ao contrário das máquinas burguesas
salvar o teu proprietário.