Cristina Kirchner lança livro contra farsa jurídica

Ex-presidenta da Argentina também sofre perseguição política por parte do Judiciário.

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Chegou às livrarias nesta quinta-feira (25) "Sinceramente", o livro de Cristina Kirchner. A obra foi uma surpresa e um golpe no cenário político — a ex-presidenta está à frente do neoliberal Mauricio Macri na corrida pela reeleição, segundo pesquisas de intenção de votos.

Mesmo em um cenário de segundo turno, Cristina está à frente de Macri. "Hoje, quando o país está em completo declínio político, econômico, social e cultural, espero que lendo essas páginas possamos pensar e discutir sem ódio, sem mentiras e sem queixas", diz ela no livro.

A ex-presidenta de 66 anos enfrenta, como o ex-presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva, uma feroz perseguição política por parte do Judiciário. Ela enfrentará seu primeiro julgamento em 21 de maio por “corrupção” e está em Cuba acompanhando sua filha Florencia, sob tratamento médico por obstrução linfática.

Ambas são perseguidas politicamente por setores da Justiça, bem como seu outro filho, Máximo, um deputado. "Eles fizeram e continuam a fazer todo o possível para me destruir. Eles acreditavam que acabariam me derrubando. É claro que eles não me conhecem", afirma no livro. Cristina Kirchner atualmente senadora.

Alguns trechos da obra:

Deixar o poder: “houve uma decisão minha de me retirar, porque sentia que tudo havia sido muito vertiginoso, talvez intenso demais. Todos necessitávamos descansar: eu dos argentinos e os argentinos de mim. Porque, governar este país, mãe do céu…”.

Macri: “se alguém me pedisse para definir a Mauricio Macri em uma só palavra, a única que vem à minha mente é `caos´. Sim, Macri é o caos, e por isso creio fortemente que é preciso voltar a ordenar a Argentina”.

O fracasso do PRO (partido macrista): “Macri poderia ter sido um capitalista bem sucedido, disciplinar o setor agroexportador com taxas escalonadas e diferenciadas, mas preferiu ser o capataz do sistema financeiro”.

Daniel Scioli (ex-candidato presidencial apoiado por sua coalizão em 2015): “quando estávamos prestes a fechar as listas eleitorais, ele foi à residência presidencial de Olivos para me visitar (e pedir que eu fosse candidata ao parlamento). Estivemos a sós, e eu lhe disse `não, Daniel. Eles vão nos atacar dizendo que quero foro privilegiado, ou pior ainda, que serei sua tutora política na Câmara dos Deputados´. Hoje, com o tempo, posso refletir sobre isso enquanto escrevo, e ao ver os números daquela eleição em primeiro e segundo turno, me pergunto: se eu fosse candidata, isso teria ajudado a cobrir a pequena diferença de votos que tivemos no segundo turno?”.

Presságio: “Néstor me disse que `vão perseguir você e os seus filhos´. Não precisou ser eloquente. Estava sério, e quando perguntei porque havia dito aquilo, logo mudou de assunto. Essa conversa aconteceu um dia, em El Calafate. Não recordo se foi durante a última semana que estivemos juntos”.

O amor: “amor é ter vontade de estar com o outro. Para escutá-lo, para falar, para o que seja. Eu adorava estar com ele, e ele comigo. Sempre me dizia: `a única coisa da qual não me canso nunca é de você´”.

Férias em Cariló: “Néstor, com seus jornais empilhados (Clarín, La Nación, Página/12, Crónica, Ámbito Financiero, La Prensa, El Día de La Plata, e todas as revistas que encontrava), ia até uma confeitaria e esperava eu voltar de fazer as minhas compras, tomando um café. Claro que eu me produzia como se fosse a uma festa: chapéu, lentes de sol, maquiagem, etc, etc. Ele ia de camiseta, tênis, meias, sunga e um boné com a aba para trás. Um dia desses, estava sentado na mesa com a pilha de diários e revistas e se aproximou uma senhora pedindo: `me passa o La Nación, por favor?´. Eu vinha entrando naquele exato momento, e Néstor responde: `não, senhora, não posso, são da patroazinha que vem aí´”.

(Ex-presidente Eduardo) Duhalde: “tivemos uma forte discussão vinculada à aliança eleitoral com Duhalde, para enfrentar Carlos Menem nas eleições presidenciais de 2003. Eu não queria; insistia em que era um erro do qual depois não poderíamos nos desfazer. Contudo, Néstor estava convencido de que era uma aliança necessária. Trabalhava em todas as frentes para me convencer, até mesmo na esfera familiar. Muitos anos depois Máximo me contou que um dia, em Río Gallegos, seu pai o convidou a dar uma volta: `me acompanha a ver algumas obras?´, pediu, e quando entraram no carro, com Néstor al volante, perguntou: `você acha que os milicos devem ser presos por tudo o que fizeram?´. Máximo disse que sim, que era óbvio, e então fez outra pergunta: `você acha que este país precisa acabar com a dívida externa crônica e ter outra política econômica, que gere mais trabalho?´. Máximo voltou a responder que sim, claro que sim, e então Néstor disse: `bom, então me ajude a convencer a sua velha, porque temos que fechar com o Duhalde. Se não, não ganhamos´”.

Patrimônio: “nunca chegaram pobres a nenhum cargo na função pública. E menos à Presidência da nação”.

Obras públicas: “não posso deixar de observar que as duas principais obras da província (patagônica de Santa Cruz), o aeroporto internacional de El Calafate e o porto de águas profundas de Caleta Olivia, foram realizadas por duas importantes empresas construtoras com bastante atuação na República Argentina. Benito Roggio e Filhos começou como empresa construtora no ano de 1908, e a ESUCO, de Carlos Wagner (ex-presidente da Câmara da Construção), em 1948. Por isso, me parece indignante e ofensivo à inteligência essa linha levantada pelo que se conhece (na Argentina) como o `Caso das Fotocópias dos Cadernos´, de que os donos dessas empreiteiras, uma com mais de 110 anos e outra com 70 anos, dizem `entre muitas outras coisas´, que somente a partir de 2004 houve cartelização, exatamente quando chega o ministro do Planejamento Julio de Vido, que teria praticamente ensinado esses empresários, como se fossem crianças do jardim infantil, a agir de forma mafiosa. É uma versão ridícula”.

Pinguim ou pinguina: “me lembro de que em 2007, ele (Néstor) me disse: `posso sair novamente (como candidato presidencial) e depois você´. `Nem louca´, respondi. Porque se eu era candidata depois de dois mandatos consecutivos de Néstor, certamente diriam que `ele coloca a mulher porque não pode ser reeleito´”.

A CGT (Confederação Geral dos Trabalhadores da Argentina): “quando recordo as cinco greves gerais que fizeram durante o meu último mandato não posso deixar de pensar que também houve um forte componente de gênero. Digamos com todas as letras: a CGT é uma confederação onde não há mulheres na liderança”.

Néstor e Bergoglio: “no primeiro almoço, lembro que conversamos sobre Néstor, e eu perguntei: `sabe o que eu acho que ocorreu entre vocês, Jorge?´ (porque quando conversamos, eu o chamo de Jorge, e não de Sua Santidade, e ele obviamente me chama de Cristina). `No fundo, creio que a Argentina era um país pequeno demais para vocês dois juntos´”.

O Papa Francisco e o Bairro Norte: “naqueles dias, muitos habitantes do Bairro Norte e de Recoleta, os mais ricos da cidade de Buenos Aires, penduraram em suas varandas bandeiras do Vaticano, amarelas e brancas, para festejar a escolha de Bergoglio. Tenho certeza que, no primeiro momento, acreditavam ter encontrado um novo líder para lutar contra `a égua´. Quando foi difundida minha felicitação e minha decisão de viajar a Roma, os festejos da oposição acabaram. Foi incrível: lentamente, foram desaparecendo as bandeiras, e estava claro que, apesar de que houve tensões, eles nunca entenderam nem a mim nem ao Néstor, e talvez menos ainda a Bergoglio. Guardavam a secreta esperança de que Francisco – o nome que ele escolheu para seu papado e que fazia alusão ao nome de San Francisco de Assis, o santo dos pobres – fosse um tenaz opositor ao nosso governo”.

Memorando com o Irã: “a ilusão de assinar o memorando e imaginar a fotografia do juiz argentino responsável pela causa (do atentando contra a AMIA) podendo ir a Teerã para tomar a declaração dos acusados iranianos, foi uma verdadeira ingenuidade da nossa parte, que nos fez ignorar os interesses geopolíticos em pugna, e hoje posso confirmar isso”.

Grupo Clarín: “recordo o dia que, após terminar a sobremesa, nós caminhávamos na direção da saída do restaurante, e Magnetto (Héctor, presidente do grupo econômico e comunicacional) se aproximou e disse: `(vocês) não podem fazer as reformas, a gente não concorda, as ruas não concordam, há muita crítica e opinião negativa´. Então, eu respondi: `ah, Héctor (naquele então, não o chamava de Magnetto, o chamava de Héctor), as ruas? Você está falando sério? Você acredita que a rua sabe o que estamos discutindo no Senado? A rua nem sabe o que é o Conselho da Magistratura. São só vocês que estão contra, não as ruas. Olha, podem continuar publicando vinte mil editoriais e artigos contra mim que vou continuar opinando o mesmo, e votando igual´”.

Héctor Magnetto (dono do Grupo Clarín): “Ele tem um forte interesse pela política, e não se trata somente de um tema de lobby, para defender ou promover seus interesses econômicos. Isso seria minimizá-lo. Seu apreço é pelo poder que emana da política, o poder do sistema de decisões, ou seja, o poder no sentido específico e completo”.

A informação é da Agence France-Presse e do site Desacato