Brasil: a cura ou a aspirina?

A frase, na afirmativa de que o Brasil precisa encontrar uma saída, tá no texto de abertura do livro que é uma autobiografia do Hélio Oiticica e se refere ao “Brasil-diarréia”, um conceito estético que aborda a outra face do Brasil, a “borda”, o que fica oculto e não é tratado de maneira correta pelos meandros da política nacional.

Vale do Ribeira Amazonas - Foto: acervo do LMF/Inpa

No caso, a face da fome, das desigualdades regionais, sociais, raciais, da perda de direitos fundamentais, trabalhistas, indígenas, da natureza e das futuras gerações. Os famosos cem dias de retrocesso da política do governo atual, já feriram de morte os programas de conservação dos principais biomas brasileiros, e vem mascarando os programas sociais, sem uma proposta clara de inclusão social. O ataque frontal ao Acampamento Terra Livre (ATL) – um grande movimento pacífico, democrático e participativo, no qual as principais lideranças vão aos ministérios, ao Supremo Tribunal Federal e ao Parlamento discutir a pauta indígena – evidencia isto e é mais um entre outros fenômenos de exclusão social, acentuados pelo estado de exceção com o qual o Brasil está sendo governado.

Não há no horizonte nenhuma perspectiva de abertura de um diálogo intercultural, que vislumbre a troca de diferentes saberes, e a inserção social das diferentes culturas que compõem o Brasil, país multietnico e pluralista. E, sendo este um dos maiores tesouros do Brasil, a pergunta é: onde nós estamos? Em nosso próprio quintal é que não é.

Nesse sentido, o quadro atual da política nacional não foge à regra, a prática é do canibalismo cultural, secular na terra brasilis, o que é muito problemático, na área dos direitos humanos e da dignidade humana, mas o pior é perdermos o horizonte da mobilização de apoio social para as possibilidades e exigências emancipatórias.

Estamos em plenas comemorações dos 30 anos da Assembléia Nacional Constituinte, precisando reformular os paradigmas políticos que nos conduziram aos caos social e seguem reproduzindo a lógica da razão indolente, das monoculturas nada ecológicas e dos bloqueios emancipatórios. Mas, como afirma Boaventura Santos, “o novo constrói-se a partir do velho, que não é só um campo de bloqueios, mas um campo de oportunidades”.

Sigamos. O destino é o da formulação de uma nova política de direitos e a construção de uma concepção intercultural de direitos humanos é a principal tarefa. O Brasil precisa encontrar uma saída. Um tribunal dos povos é uma via e o ATL não deixa de cumprir este papel. O que não podemos é continuar de costas pra outra face do Brasil, a do aumento da pobreza, dos barrancos desassistidos na beira do rio, sem uma política clara de comunicação para romper o isolamento, sem coleta de lixo para que não se poluam os rios, sem transporte fluvial eficiente e barato, sem fiscalização sobre as invasões nos lagos de reprodução nas terras indígenas. E não podemos destruir sem conhecer o conhecimento tradicional, em prol das lógicas liberais.