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Jeosafá Gonçalves: O desenho infantil – Um ensaio 

O deslocamento nos salvará
Frequentemente os desenhos das crianças são tomados como manifestações de menor importância, mercê muitas vezes de sua gratuidade e de seu caráter assumidamente lúdico, aparentado dos jogos, das brincadeiras, das expressões verbais inusitadas e das narrativas surpreendentes que elas, as crianças, não se cansam de produzir.

Por Jeosafa Fernandez Gonçalves*

Desenho infantil

Com efeito, acompanhar uma criança a garatujar papéis com grande empenho e em seguida vê-la descartar sem maiores sentimentos a produção com todos os rabiscos induz à ideia de que não se deve atribuir maior valor a essa atividade, vez que a própria criança aparenta não estabelecer com sua realização maiores laços afetivos.

Associar a atividade gráfica da criança àquelas anteriormente mencionadas não constitui erro, já que em todos os casos o que ela faz é exercitar seu corpo e mente extraindo o máximo prazer de cada ato e de cada conjunto de ações, cujas motivações repousam na busca do prazer e da expressão de idéias e emoções, e cuja existência se esgota muitas vezes na própria ação praticada.

O engano reside talvez em se considerar essas atividades – jogos, brincadeiras, experiências com as palavras, produção gráfica etc. – por mais efêmeras que sejam, como desprovidas de significados e valores.

Do momento em que toma contato pela primeira vez com utensílios, suportes, meios e tudo mais que propicia a atividade gráfica, até a adolescência, quando a produção do desenho se aproxima dos procedimentos dos adultos, todo o corpo, mente e espírito mergulham num mar de símbolos que, de um lado, se apresentam como veículos de aquisição de um mundo exterior complexo e desconhecido, e, de outro, como alfabeto de uma subjetividade que se constrói, aprofunda, organiza e expressa em processos contraditórios, plenos de possibilidades e igualmente de riscos.

Tomado individualmente, um exemplar de desenho infantil pode parecer inexpressivo e caótico, já que sua lógica particular desafia a do adulto, que o observa a partir de suas próprias experiências, de seu próprio ponto de vista, de suas próprias convicções, conceitos e preconceitos.

Tanto quanto a criança, o adulto está mergulhado em contextos históricos e culturais que, para o bem e para o mal, influenciam não apenas seu entendimento como ainda mais sua percepção, seus sentimentos e seu gosto. Quem observa, o faz da única condição de que não pode abrir mão: seu corpo e sua própria subjetividade, lentes poderosíssimas, impossíveis de serem anuladas.

Toda criança nasce no âmbito de uma cultura, é evidente, porém, também é seguro que os primeiros anos de vida humana constituem ponto de partida de um progressivo roteiro de imersão cultural, de modo que, comparativamente, uma criança pequena está muito menos penetrada por uma cultura específica de que uma outra de mais idade, e a comparação oferece ainda maior contraste quando é estabelecida com a um adulto.

Para um sujeito posicionado fixamente no quadro estabilizado de uma cultura cientificista que, no Ocidente, enfatiza o racionalismo, a hierarquização social e intelectual, e que subordina a existência emocional à cognitiva, uma produção artística adulta que fuja a lógicas analíticas cartesianas está condenada à paranoia – já que se espera do adulto um comportamento compatível com os modelos da razão, que só se manifestaria completa no indivíduo maduro –, tanto quanto está condenada ao erro a produção gráfica infantil – segundo a mesma perspectiva, impossibilitada de se expressar coerentemente porque privada dos mecanismos da razão.

Não obstante, estudos e pesquisas durante todo o século XX foram demonstrando o quão relativo é o conceito de razão e quão parcial se torna o entendimento do que seja o indivíduo quando sua dimensão cognitiva é apartada de suas dimensões afetiva e biopsíquica.

Para o nosso caso, isso importa em dizer que, sem penetrar na lógica, no afeto e no jeito como é realizado o desenho infantil, o adulto está interditado de compreender esse desenho, essa razão, esse sujeito e esse corpo que se expressa pelos meios de que dispõe, dos quais se apropria no próprio ato da produção, no âmbito desse meio em que está inserido e, no mais das vezes, contra esse meio.

Fixado rigidamente em lógicas e desprezando as da criança, o máximo que o adulto consegue fazer em relação ao desenho infantil é exarar regras e proferir juízos de valor hierarquizantes assumidos acriticamente, que outra coisa não são além de exercício de poder voltado para a incutição ideológica, cujo propósito termina por ser sempre a reprodução de modelos tendentes à esterilidade, à estereotipia e à confirmação de modelos.

O desenho da criança pode muitas vezes assumir naturezas efêmeras, mas qual o problema em ser efêmero? Também pode se apresentar, aos adultos, desprovido de uma lógica mais convencional. Porém, quem afirmaria peremptoriamente hoje que as lógicas a disposição no mercado das idéias correspondem à “verdade”?

A melhor compreensão da produção gráfica das crianças demanda um deslocamento do ponto de vista do adulto para o cerne mesmo do processo do qual se origina a mesma criação, processo artesanal, sim, porém com ainda mais ênfase de produção simbólica que, se tem num dos pólos a obra concreta finalizada, tem em outro uma subjetividade que se estrutura, desestrutura e reestrutura no ato da criação frente às dificuldades interpostas pelos objetos a serem representados, pelos meios e suportes empregados e pela própria subjetividade, que é viva e cede, mas que também resiste, busca, adapta-se e acomoda-se, mas que também se desequilibra, reequilibra e desenvolve incessantemente.

Ter olhos apenas para o desenho acabado é considerar apenas uma parte, a menor, a visível do processo; é abster-se de reconhecer a complexidade e a profundidade das interações que se vão estabelecendo durante o processo de criação entre o sujeito, os meios e os objetos a serem representados, interações que se concretizarão em diversas oportunidades, de diversas maneiras e com ainda mais diversos significados, cujos valores, antes de serem rejeitados como produto de erros, precisam ser acolhidos como discursos eloquentes, fecundados de significações, prenhes de projeções, penetrados de ansiedades, medos, frustrações, como também de alegrias, satisfação e prazer.

Por outro lado, realizar um deslocamento de ponto de vista no sentido de apanhar o processo de produção criativa da criança como um todo, acompanhando esse processo, do sujeito à obra realizada, ponderando-os à luz dos meios empregados e das motivações, torna possível não só que se mergulhe nos significados e sentidos emanados pela obra executada, como também permite que sejam realizadas interferências não coercitivas e dirigistas, mas emuladoras do processo criativo da criança em favor do desenvolvimento de seu pensamento gráfico autônomo.

A generosidade no olhar

Muitos autores dedicaram-se e têm-se dedicado a compreender como se dá o desenvolvimento da produção gráfica dos primeiros anos de vida humana até a idade adulta. Cada qual envolvido por sua cultura e por seu tempo procurou contribuir para a valorização da atividade gráfica e plástica desde a infância, seja observando a produção de crianças e adolescentes de diversas faixas etárias em diversos lugares, seja ensinando e retirando da docência as experiências passíveis de sistematização.

Da leitura de seus trabalhos muitas ilações podem ser feitas e, desde que nem sempre concordaram em seus pontos de vista, nem por isso estamos autorizados a descartar aquilo de apontaram como erro no outro, já que aquilo que rejeitamos no outro é freqüentemente o que não faríamos do nosso ponto de vista.

Porém, sendo o homem suas circunstâncias, seria cômodo demais versar sobre acertos e erros de quem quer que seja, descartadas as condicionantes culturais e temporais, desconsiderado o meio e o tempo, que muitas vezes pesam sobre o indivíduo como verdadeiras maldições.

Os autores que se debruçaram pioneiramente sobre a produção gráfica da criança realizaram uma opção arriscada e desconcertante, porque não sendo certo que suas convicções tinham apoio na realidade, menos ainda havia garantias de que suas pesquisas, estudos e práticas viessem a constituir algum proveito científico e pedagógico.

A tradição até fins do século XIX indicava que, antes de estar apta para reproduzir modelos gráficos e plásticos, a criança era incapaz de realizar algo significativo. Fixado um modelo como padrão a ser alcançado, ficava então estabelecida uma escala estética que objetivamente dava conta de auferir sucesso e fracasso em graus variados, bem como de selecionar aptos e ineptos.

De Luquet e Lowenfeld aos mais contemporâneos o que se observa, no entanto, é uma progressiva relativização do peso atribuído aos fatores externos, tais como a destreza e o treinamento – cujo horizonte é a perfeição técnica a partir de uma estética assumida como desejável – em favor de um olhar amplo que procura apanhar o processo de produção gráfica que abrange o desenhista e sua subjetividade, os meios e a obra finalizada, todos mergulhados num tempo e numa cultura específicos.

Noutras palavras, com suas limitações históricas e culturais, os pesquisadores do desenho infantil foram reconhecendo de um lado as competências e habilidades cognitivas passíveis de serem ensinadas e, de outro, as particularidades do desenvolvimento psíquico humano, que se não é uma rocha monolítica e imutável, tampouco é uma massa amorfa sem vontade própria, que se deixa moldar docilmente a partir do exterior sem oferecer resistência.

Se Luquet recebe hoje críticas por ter fixado o realismo como universal a ser considerado no estudo da produção infantil, por outro lado é reconhecido por sua classificação de estágios de desenvolvimento que tem em conta uma sucessão temporal repousada no desenvolvimento da subjetividade do desenhista.

Obviamente hoje se torna difícil a defesa dos conceitos de “realismo fortuito” e “realismo imperfeito” de Luquet, uma vez que, concordando-se com Piaget, reconhece-se que a produção simbólica da criança não pode ser comparada candidamente com a do adulto, seja por estarem um e outro em estágios diferenciados de maturação cognitiva, seja porque no primeiro caso a ênfase da criação recairia sobre a expressão comunicativa, enquanto que, no segundo, sobre a atividade simbólica assumidamente representativa.

Luquet, certamente, ao privilegiar o critério estético, consciente ou inconscientemente, não é esta a questão, ignorou as particularidades do desenvolvimento cognitivo inerentes às faixas etárias, de sorte que, nessa perspectiva, se uma criança não conseguisse realizar a contento uma consigna, ela só poderia estar em um estágio de desenvolvimento inferior, em relação ao modelo eleito como referência de escala de valor.

Muitas consequências daí decorrem: a normatização da atividade gráfica, a hierarquização das produções infantis pelo critério técnico, o dirigismo do processo pedagógico etc. Porém, se considerarmos sem preconceito as noções de Luquet de “realismo intelectual” e “realismo visual”, veremos nele surpreendente coerência e eficácia analítica, já que o primeiro procura explicar as produções esquemáticas – com variados graus de estereotipia – e o segundo uma maior felicidade do desenhista em criar algo a partir do que seus olhos, vêem, o que o vai distando da expressão comunicativa e aproximando da representação simbólica, tida como característica da produção adulta.

Além disso, três de seus conceitos, estes relativos ao “realismo intelectual”, são ainda hoje bastante considerado na leitura dos desenhos da crianças a saber: a exemplaridade, a transparência e o rebatimento.

A classificação de estágios de Luquet, em que pese a eleição do realismo e o estabelecimento de uma evolução linear do início ao fim da infância, traz implicitamente o reconhecimento de que o desenho enquanto obra concreta evoca uma subjetividade, que se expressa por meio de habilidades passíveis de serem desenvolvidas a partir de estímulos exteriores, porém sedimentadas nessa mesma subjetividade. O fortuito, o imperfeito, o intelectual e o visual mais não seriam de que manifestações dessa atividade de produção egocentrada, que resiste, se acomoda, se equilibra e desequilibra simultaneamente durante processo de criação, tornado também processo de aquisição de repertório e pensamento gráfico ou plástico.

A generosidade no pensar

Não é de todo incorreto afirmar que, enquanto Luquet põe ênfase no ensino, Lowenfeld desloca sua preocupação para a forma de aquisição do ensino pelo sujeito que desenha, ou seja, para a aprendizagem. E se perspectiva se altera, igualmente a classificação dos estágios de desenvolvimento da atividade gráfica se alterará.

Para Lowenfeld os estágios de desenvolvimento do desenho infantil, repousados no sujeito, elegem como critério a percepção do mundo pelo sujeito desenhista:

Os estágios são definidos pelo modo de apreensão que o sujeito tem da realidade. Os períodos sucessivos são: a garatuja e o rabisco, o pré-esquematismo (4 a 6 anos), o esquematismo (7 a 9 anos), o realismo nascente (9 a 11 anos), o pseudo-realismo (11 a 13 anos), e, na adolescência, a diversificação [do realismo] em tipo hábil ou visual.

A classificação de Lowenfeld, em relação à de Luquet avança, como se nota, até a adolescência, mas também, ao enfatizar a “apreensão que o sujeito tem da realidade”, intensifica a adesão à idéia de que há uma subjetividade ativa já na apreensão do mundo, a qual tem sua dinâmica própria de desenvolvimento, diversa da do adulto, e que se expressa, coerentemente, de modo igualmente específico, segundo leis e lógicas próprias.

O que está em questão, assim, é a complexa relação entre sujeito, meios e objetos de expressão: não apenas “como” se representa, mas “o que” e “como” se percebe, “o que” e “como” se sente o percebido, “o que”, “como” e “por que” se desenha.

Em um certo sentido, poder-se-ia dizer que Lowenfeld tem em mente não só o ensino como também a instituição de uma pedagogia do desenho, mais do que auxiliadora, estimuladora do desenvolvimento do pensamento gráfico da criança. E se aqui não se está já no âmbito do desenvolvimento das estruturas cognitivas propostas por Piaget, não se está, no entanto, longe disso.

Se os estágios piagetianos e os propostos por Lowenfeld distam entre si em muitos aspectos, mais ainda se aproximam noutros, e uma analogia inevitavelmente se apresenta ao nos determos em sua noção de esquema, que não se trata de procedimento técnico ou artifício gráfico, mas forma desenvolvida de pensar:

Para Lowenfeld o papel do esquema não pode ser compreendido a não ser que se considere que esse esquema é fruto de uma longa busca individual, intimamente ligada à personalidade da criança.

Aquisição e desenvolvimento de esquemas que se vão ampliando e aumentando as capacidades de o indivíduo perceber, sentir, interpretar e expressar o mundo soam, desse modo, bastante semelhantes às formulações piagetianas, para as quais há um inequívoco desenvolvimento de estruturas cognitivas que buscam constante de equilibração, mas para as quais as situações-problema constituem elementos desestabilizadores impulsionadores do desenvolvimento.

Ao tratar do realismo intelectual de Luquet, no texto “As relações espaciais elementares e o desenho: o espaço gráfico” Piaget disserta sobre o desenvolvimento complexo de estruturas cognitivas a partir da especificidade da linguagem gráfica:

Sem querer forçar as coisas, nem emprestar à criança desse segundo estádio um geometria propriamente dita, que ela poderia formular e desenvolver, pode-se ‘todavia’ constatar que o “realismo intelectual” constitui um modo de representação espacial no qual as relações euclidianas e projetivas apenas começam e de uma forma ainda incoerente em suas conexões, ao passo que as relações topológicas esboçadas no estádio precedente encontram sua aplicação geral em todas as figuras e triunfam, em caso de conflito, sobre as novas.

As reflexões de Piaget sobre o estágio em questão acolhem o entendimento de que se há evolução no desenho é porque há desenvolvimento do pensamento que lhe dá origem, sendo esse desenvolvimento um processo complexo que, ao buscar equilibração, se desequilibra, e, ao buscar adaptar-se a novas situações-problema, não está por isso nem condenado à estagnação, nem menos livre de conflitos entre elementos de estágios anteriores às situações-problema, potencialmente instabilizadoras, e outros posteriores a elas .

As relações entre linguagem e pensamento ensejaram e ensejam infinitas discussões entre intelectuais, uns situados no campo da linguagem a projetar suas miradas curiosas para os lados da filosofia, da sociologia, ou ainda da psicologia; outros, a partir das fronteiras dos saberes científicos a lançarem seus anzóis perscrutadores para as águas muitas vezes turvas e agitadas das artes.

Se essas mútuas invasões simbólicas, já por se realizarem, assumem a constatação freqüentemente angustiante de que linguagem e pensamento não são as mesmas coisas, por outro reconhecem que ambos – ainda que sob o risco de incompreensões e rejeições de maior ou menor intensidade, a depender do empedernimento dos pontos de vista – não podem ser compreendidos isoladamente.

Ao tratar desse assunto em «A noção do pensamento», Piaget discorre sobre esse particular, pondo relevo na ambivalência entre o interno e o externo, entre o conceito e o signo, entre o pensamento e linguagem:

"Até os sete ou oito anos, aproximadamente, os nomes emanam das coisas, eles são descobertos na observação delas, eles estão nelas. Esta primeira e simplificadora forma da confusão entre o signo e a coisa desaparece até sete, oito anos, enquanto que a confusão entre o interno e o externo desaparece por volta dos nove, dez anos (…)".

Tudo acontece, assim, como se a criança descobrisse primeiro que os signos são distintos das coisas, e como se essa descoberta o levasse a interiorizar cada vez mais o pensamento. Desse modo, tudo acontece como se essa diferenciação contínua e progressiva dos signos e das coisas, aliada à interiorização do pensamento, levasse a criança a conceber pouco a pouco o pensamento como imaterial.

A que fatores psicológicos convém atribuir a distinção progressiva entre os signos e as coisas? Muito provavelmente à aquisição pela criança da consciência de seu próprio pensamento.

Sendo a linguagem gráfica uma linguagem, e sendo o pensamento gráfico um pensamento, seria lícito estender para o pensamento e para a atividade gráfica o que se considera acerca da linguagem verbal? A resposta só pode ser afirmativa, se isolarmos nos respectivos campos simbólicos suas especificidades e se focalizarmos o que há de comum entre eles: o conceito e o signo.

Se, numa perspectiva piagetiana, a aquisição de conceitos e signos, noutras palavras, de pensamento e linguagem, se realiza no seio de um desarmônico processo de desenvolvimento, a evolução da execução da atividade gráfica só pode ser entendida à luz do desenvolvimento de estruturas cognitivas que se desenvolvem mais satisfatoriamente sempre a depender das características do próprio indivíduo, mas também e, em grande medida, do contexto cultural, que pode ou não ser estimulante, a depender das situações-problema que oferece ou nega. Nesse particular é interessante comparar o que diz Piaget e o que dizem a esse respeito estudos mais recentes sobre a produção gráfica da criança. Não deixa de ser significativa a proximidade dos pontos de vista.

Diz Piaget, mais adiante no mesmo estudo aqui há pouco citado:

"Esta aquisição de consciência tem lugar precisamente a partir dos sete ou oito anos de idade. Temos estudado suas modalidades em outra obra (…). Segundo esse estudo, essa aquisição de consciência está sob a dependência de fatores sociais como tencionamos demonstrar: o contato com o outro e a pratica da discussão forçam o espírito a adquirir consciência de sua subjetividade e a notar deste modo os processos do próprio pensamento."

Da sua parte, Anne Cambier assim aborda a questão, dando destaque ao processo de desenvolvimento da atividade gráfica pela criança:

"A falta de técnica será a freqüentemente obstáculo e contribuirá para a insatisfação do desenhista frente ao resultado obtido, atitude reforçada pelo pouco interesse do adulto em relação à produção do futuro adolescente: desenhar é um pouco brincar, é infantil, não é absolutamente sério, não pode ser mais que uma atividade recreativa./ Acompanhar a atividade gráfica é uma longa história que se confunde com a história da pessoa e de sua cultura. O esgotamento da produção gráfica a partir da adolescência parece-nos um engodo: o que nos parece certamente é que a produção do adolescente não responde mais que muito parcialmente à demanda social e coletiva."

O entendimento da produção gráfica na infância e na adolescência passa, assim, antes de tudo, pelo reconhecimento das particularidades inerentes ao desenvolvimento cognitivo durante esse período. Porém, esse entendimento é inalcançável sem que o adulto realize permanentes deslocamentos de seu ponto de vista para o do sujeito desenhante, que se exteriormente se concretiza num desenho específico, visível e observável, interiormente abrange um modo de expressar, um modo de perceber, um modo de pensar e, mais profundamente, um modo de sentir, todos em permanente desequilibração e reequilibração, impulsionando um processo mais amplo e geral de desenvolvimento cognitivo.

* Jeosafá Fernandez Gonçalves, escritor, é doutor em Letras e pesquisador colaborador do Departamento de História da USP

BIBLIOGRAFIA
– Cambier, Anne. Le dessin de l’enfant. Paris, Paideia-Press Universitaire de France, 1990.
– Piaget, Jean; Inhelder, Bärbel. A representação do espaço na criança. Trad. Bernardina Machado de Albuquerque. Porto Alegre, Artes Médicas, 1993.