Anísio Teixeira e o Delegado

Área das mais atingidas até agora pelas investidas demolidoras do governo Bolsonaro foi a educação.

Por Haroldo Lima*

Anísio Teixeira

Seu ministério virou um centro donde pipocam aos borbotões idéias desatinadas. Universidade só para a elite intelectual, escola sem partido, leitura obrigatória nas escolas de texto com slogan da campanha de Bolsonaro, mudanças nos livros para que não mais falem em golpe de 1964, nem na ditadura que a ele se seguiu, são alguns dos pensamentos idiotizados originários do Ministério que seria da Educação.

Um delírio persecutório derrubou em três meses gente que não era, ou não parecia ser da grei disposta a prestar vassalagem às patacoadas do Ministro Vélez Rodriguez. Treze ocupantes de cargos importantes foram defenestrados. O Ministério parava, a educação sucumbia.

No início de abril, o Ministro trevoso foi afastado. Sua incapacidade ficou patenteada para todos, inclusive para o presidente. Mas, por que o indicou?

De qualquer maneira, surgia a hipótese de que, enfim, seria indicado para ministro da Educação um educador. Mas não, essa esperança foi logo sepultada, pois Bolsonaro, de pronto, indicou para novo ministro um economista, Abraham Weintraub, ligado à área financeira, um ex-diretor demitido do Banco Votorantim.

O novo ministro tinha uma “qualidade”, era discípulo do perturbado astrólogo que dos Estados Unidos comporta-se como se estivesse comandando um espetáculo no Brasil. Adepto da cruzada contra o “marxismo cultural”, o despreparo do novo ministro é tal que especialistas começaram a dizer que o MEC passará da “anomia”, ausência de rumo, ao “caos”, ausência de nexo.

Mas, “tudo que está ruim, pode piorar”, diz uma das assertivas da Lei de Murph. E eis que no MEC é feita outra mudança espantosa, só que desta vez carregada de simbolismo: para chefiar o Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos Anísio Teixeira (Inep) foi indicado um delegado da Polícia Federal.
Nada contra o senhor Elmer Vicenzi, que desconheço, e que pode ser um competente delegado de polícia, já que foi chefe do Serviço de Repressão a Crimes Cibernéticos na Diretoria de Investigação e Combate ao Crime Organizado. Mas o Inep não é delegacia de polícia. Era o núcleo pensante do MEC, o lugar de onde, por doze anos seguidos, Anísio Teixeira iluminou a educação de nosso país.

A educação no Brasil tem uma história sofrida. Só passou a ser tratada em nível ministerial a partir da Revolução de 1930. Sob o influxo das ideias renovadoras que aí proliferaram, alguns dos mais proeminentes educadores da época lançaram, em 1932, o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, que iria influenciar profundamente a educação no Brasil. Anísio Teixeira, Fernando de Azevedo, Lourenço Filho, Afrânio Peixoto, Roquete Pinto, Hermes Lima e Cecília Meireles foram alguns dos seus mais ilustres signatários.

Cinco anos depois, em 1937, surge o Ministério de Educação e Saúde, de onde vem o Ministério da Educação e Cultura em 1953 e o Ministério da Educação em 1985, quando foi criado o Ministério da Cultura.

O Inep aparece nesse mesmo ano de 1937. Seu primeiro diretor-geral foi o educador Lourenço Filho (SP) um dos que subscrevem o Manifesto referido. Em seguida foi dirigido por outro educador, Murilo Braga (PI), até 1952, quando seu titular faleceu em um desastre aéreo. E é então que assume a sua direção Anísio Teixeira. O MEC e a educação no Brasil entram em novo patamar.

Já em seu discurso de posse, Anísio descortina horizonte novo para a educação no Brasil e para o Inep. Hermes Lima, em sua biografia do educador, diz que que os cargos que Anísio assumia “cresciam de significação, de autoridade e de capacidade realizadora”. E acrescenta: “Anísio sabia pensar e sabia fazer”.

E, de fato. Estudo feito pelas professoras Ana Waleska Mendonça (PUC/Rio) e Libânia Xavier (UFRJ) mostra que “durante a gestão de Anísio Teixeira…o Inep foi transformado numa espécie de mini-ministério, no interior do próprio Ministério”. (“O Inep no contexto das políticas do MEC- 1950/1960”, PUC-RJ). Sua estrutura alargou-se.

Em 1955, Anísio cria, no Rio de Janeiro, o Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais, com verbas da Unesco. O trabalho, acima citado, das duas professoras, observa que é a partir daí que “Anísio Teixeira transforma o Inep em uma espécie de cérebro pensante do Ministério, um verdadeiro ministério dentro do Ministério”. Cinco Centros de Pesquisa Educacional são criados a seguir, em capitais estrategicamente distribuídas, Porto Alegre, Belo Horizonte, Salvador, Recife e São Paulo.
Anísio Teixeira tinha fama de saber escolher bem seus auxiliares e de acercar-se de gente preparada e de talento. E foi assim que indicou para coordenar o Centro de Porto Alegre, uma pesquisadora de grande prestígio, Elooch Kunz. Para o de Belo Horizonte, o ex-ministro da Educação Abgar Renault. Para o de Salvador Luis Ribeiro de Sena e Carmen Teixeira, que dirigia a famosa Escola Parque. Para o de Recife, Gilberto Freyre, o sociólogo que escreveu “Casa Grande e Senzala”. E para o de São Paulo, Fernando de Azevedo, redator do Manifesto dos Pioneiros e autor do anteprojeto de criação da USP. Anísio supervisionava e dirigia tudo, do Inep.

Em 1957, o Inep produziu o plano do sistema escolar público de Brasília e o projeto de lei orgânica de educação da nova capital. Convidado por JK, Anísio elaborou o projeto da Universidade de Brasília, à luz do que foi a Universidade do Distrito Federal, que ele havia criado no Rio de Janeiro, em abril de 1935.

Essa fase áurea do Inep, digamos, passou. Também as novas condições da educação no Brasil, ao colocar novos problemas, teriam que suscitar novas respostas. Mas essas novas respostas deveriam vir no desdobramento evolutivo dos princípios plantados na fase áurea, quando a bandeira da Escola Pública Universal e Gratuita, laica e de qualidade, foi hasteada bem alta entre nós, por Anísio Teixeira, no frontispício do Inep.

O Inep precisa de um educador.