O STF e a defesa da democracia

É preciso separar alhos de bugalhos para não confundir as reais intenções dos contumazes violadores da liberdade de expressão com a sua defesa efetiva.

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A revogação do ato de censura pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, que havia determinado ao site O Antagonista e à revista Crusoé a retirada de uma matéria envolvendo o presidente da Corte Dias Toffoli, é mais um capítulo do embate entre os poderes da República. No fundo da contenda está o Estado Democrático de Direito, sistematicamente atacado pelo espectro da Operação Lava Jato e defendido por setores do Supremo.

Conforme este Portal Vermelho analisou, os ataques a ministros do STF e à própria instituição se enquadram numa ofensiva dos setores que se organizaram para burlar pontos essenciais da Constituição. Quando uma parte dos ministros do Supremo começou a se pronunciar contra essa ofensiva, com posições claras a favor da restauração da ordem democrática para coibir as agressões da Lava Jato à Constituição com suas medidas de exceção, a onda de ataques a eles se levantou com força.

Os impropérios surgiram do submundo das redes sociais, foram para as tribunas do Congresso Nacional, ganharam setores da mídia e acabaram respaldados até por perfis oficias de autoridades — como alguns parlamentares e membros do Ministério Público Federal. Houve uma espécie de ordem unida do espectro lavajatista para tentar emparedar os ministros que ousaram brandir a Constituição e outros códigos institucionais como garantia de vigência do Estado Democrático de Direito.

Na distinção entre esses dois campos, fica nítido que a razão democrática está com os ministros alvos do espectro da Lava Jato. Eles e o STF como instituição são atores protagonistas na luta em defesa da democracia e pela restauração do Estado Democrático de Direito. Como Rui Barbosa deixou escrito, a Constituição não é roupa que se recorte para ajustá-la às medidas deste ou daquele interesse. Quem faz isso está afrontando abertamente o mandato delegado pelo povo aos constituintes que escreveram a Carta máxima da nação. São golpistas, sem margem para outra denominação.

Terreno minado

É preciso registrar, todavia, que o ato do ministro Alexandre de Moraes de censurar esses veículos umbilicalmente ligados à Lava Jato foi um equívoco. Em primeiro lugar porque feriu um preceito básico da ordem democrática, uma conquista sagrada para todos os que verdadeiramente defendem a liberdade de imprensa e a livre expressão de pensamentos. Esse direito deve ser garantido inclusive para quem o afronta.

Óbvio, ele não é absoluto — na Constituição está no mesmo patamar o direito à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem das pessoas. Todos igualmente invioláveis e indispensáveis. É preciso haver equilíbrio entre eles. A defesa da liberdade de expressão exige protegê-la contra abusos. Na democracia, são tarefas conciliáveis. Fora disso, a “liberdade de imprensa” não passa de proclamação vazia.

Em segundo lugar, porque, ao censurar esses veículos, Alexandre de Moraes fez ecoar o grito dos seus alvos que, a pretexto de defender a “liberdade de imprensa”, dispararam mais munição para atingir o Estado Democrático de Direito. O ministro entrou num terreno minado pela ação da força-tarefa do golpismo, aparentemente sem medir devidamente o poderio de arregimentação de vozes que se uniram na defesa do direito à liberdade de expressão. Em nome dessa causa, a direita e a extrema direita se uniram e, em uníssono, tendo os monopólios midiáticos como advogados e porta-vozes, se arvoraram em defensores desse direito democrático.

Aqui é preciso separar alhos de bugalhos para não confundir as reais intenções desses contumazes violadores da liberdade de expressão com a sua defesa efetiva, que não tem outro meio para ser garantida a não ser com a restauração plena do Estado Democrático de Direito e o total respeito à Constituição. Essa contenda prosseguirá. A extrema direita seguirá atacando os ministros que defendem o Estado Democrático de Direito. Cabe às forças democráticas defender o STF como guardião da Constituição e da democracia.