25 anos sem Dener: dos primeiros passos à projeção na Portuguesa

Com momentos de rebeldia tanto com os pés quanto no seu temperamento, camisa 10 começava a deixar seu rastro de dribles, arrancadas, gols e jogadas geniais.

Por Vinicius Faustini, no Lance!

Dener - Foto: Reprodução

Há 25 anos, Dener partia deixando um rastro de saudade no futebol brasileiro. Mas, mesmo se despedindo aos 23 anos, o eterno camisa 10, que teve seus sonhos interrompidos por um desastre automobilístico na Lagoa Rodrigo de Freitas em 19 de abril de 1994, continua a deixar lembranças em clubes onde fez história:

– Embora fosse um pouco mais franzino, ele tinha muitas coisas de Pelé. Fazia jogadas geniais, dribles, e estava sempre com o olho brilhando quando jogava futebol. Um jogador diferenciado, com quem a gente sabia que podia contar. Coloco o Dener entre os cinco melhores que vi jogar! – recorda, ao Lance!, Pepe, ex-companheiro do "Rei do Futebol" e que é taxativo ao falar sobre o seu antigo comandado na Portuguesa:

– Ele chamava a bola de "tu", tamanha familiaridade que tinha com ela. Isso é para poucos jogadores.

O Canindé foi o primeiro palco de Dener. O meia-atacante desembarcou aos 11 anos, depois de ser descoberto por um olheiro em um amistoso da Lusa contra o Vila Maria, equipe na qual o craque jogava:

– Eu conheci o Dener nessa época, no dente de leite da Portuguesa. Desde então, nós convivemos e ficamos amigos, a ponto de ele ser depois padrinho da minha filha – lembra o ex-jogador Tico, um dos melhores amigos do camisa 10 e com quem dividiu quarto.

Embora tivesse ganhado espaço na Lusa, Dener teve seu início marcado por uma certa dose de "rebeldia":

– O Dener de vez em quando sumia dos treinos nesta época. Aí, quando viam, era porque ele estava lá no Vila Maria jogando. É porque lá ele não só se destacava, como recebia dinheiro para jogar e podia ajudar nas despesas da casa – detalha Tico.

Aos poucos, a Portuguesa começou a formar uma geração de qualidade em suas categorias de base. Além de Dener, surgiram nomes como Tico e Sinval. No entanto, a ansiedade por mostrar serviço vinha trazendo percalços à Lusa:

– Nosso time era bom, mas a gente não se respeitava. Durante um treino, um queria tomar a bola do outro, mostrar que podia jogar melhor. Foi aí que chegou o (técnico) Écio Pasca e nos ajudou muito – revelou o então atacante Sinval.

Tico reconhece que a vaidade entre eles tinha uma motivação:

– Dener, Sinval, eu, a gente queria logo se firmar direto entre os profissionais! Muitos de nós já tínhamos disputado a Copinha anterior. Teve lances em que o Sinval saiu do ataque para tomar a bola da gente. Coisa de garoto mesmo…

Sinval relembrou a atitude decisiva de Écio Pasca para a equipe entrar nos eixos:

– Ele terminou o primeiro treino dele no clube depois de cinco minutos. No segundo, terminou depois de dez. O outro, depois de 15 minutos. E aí alertou: "enquanto vocês não se respeitarem, as coisas não vão acontecer". É que a gente não tocava a bola um para o outro por pura imaturidade, porque era "fominha" mesmo.

Com nova postura, a Lusa sagrou-se campeã da Copa São Paulo de Futebol Júnior de 1991 com uma campanha antológica: além de vencer as nove partidas, marcou 32 gols (na final, a equipe atropelou o Grêmio por 4 a 0). Dener foi eleito o melhor jogador, enquanto Sinval estufou a rede 12 vezes.

– Ah, com o Dener era muito fácil fazer gols. Eu só desfrutava daquelas jogadas fantásticas que ele fazia.

O ex-atacante ainda destaca como Dener o "acolheu" como amigo:

– Ele me ajudou a aprender a malandragem de São Paulo. Para mim, que tinha vindo do interior (o ex-jogador é de Andradina), é importante. Além disto, a gente se ajudava quando era para exigir aumento salarial lá na Portuguesa – diz e, em seguida, mostra gratidão também por um "presente" que o camisa 10 deu a ele fora de campo:

– Graças a ele, eu comecei a namorar a minha esposa. A Tanize estava dando voltas na piscina da Portuguesa, e aí ele praticamente me "empurrou" para cima dela (risos).

Embora tenha conquistado a Copa São Paulo de Futebol Júnior de 1991, a primeira chance de Dener treinar entre os profissionais da Portuguesa ocorreu dois anos antes. Coube a Antônio Lopes, recém-chegado ao clube, dar ouvidos a uma bendita "fofoca" para garantir a permanência do meia-atacante no Canindé:

– Era um dos primeiros dias que eu estava no clube. Fui abordado por um conselheiro chamado Mário Fofoca, que me me disse: "professor, tem um garoto da base que está perigando sair, porque se casou com uma menina, está em uma situação difícil, mas o moleque é muito bom". Eu falei para mandar ele ir treinar, para a gente ver o garoto em um coletivo.

O "Delegado" recordou que chegou a duvidar da capacidade de Dener inicialmente:

– Ele era um garoto magrinho, de pernas finas. Eu cheguei a desconfiar! Quando estava quase no final da atividade, lembrei dele e pedi para que entrasse – e, logo em seguida, veio a sua surpresa:

– Na primeira bola, o Dener deu uma caneta no Vladimir, que era um jogador forte, difícil de passar. Depois deu um lençol em outro cara. Aí, não quis nem saber, né? Cheguei para o presidente e mandei segurar o Dener. Frisei que o clube tinha de dar um salário a ele, que era um jogador de qualidade e que tinha de conseguir condições para ajudar ele sustentar a família.

O técnico lembrou-se do início da "saga" do meia-atacante como um profissional:

– Morou na concentração, mas depois arrumaram um local para ele e a família morarem… Lembro também que, neste treino, o Roberto (Dinamite), que estava na Portuguesa comigo, o elogiou muito, disse que o menino ia longe.

Mesmo assim, os companheiros recordam que, em seu início nos profissionais, Dener foi cercado de conselhos, em especial porque vinha de uma adolescência tumultuada e com passagens pela polícia:

– Ele era um cara de muita rebeldia, né? Sumia e, de repente, voltava do nada… Mas o Écio (Pasca) já tinha começado a enquadrar um pouco ele e, depois, com o passar da maturidade, o Dener foi recebendo conselhos dos treinadores e de colegas nossos que eram veteranos. O Cristóvão, que jogava na Lusa na época, falava para ele: "e aí, saiu de noite ontem? Continua a sair, mas vai mais devagar, se diverte, mas de um jeito que não te atrapalhe…" – afirmou Sinval.

Como profissional, Dener fez um gol consagrador. Diante do Inter de Limeira, o camisa 10 arrancou do meio de campo, passou por três jogadores e tocou na saída do goleiro para decretar a vitória por 1 a 0, pelo Paulistão.

– Naquele momento eu me senti como espectador de luxo. De um ingresso de um jogo que vi de perto e valeu muito a pena assistir. Para quem viu na arquibancada também, sem dúvida, foi a maior pintura – recorda Tico.

Não faltam histórias em torno de Dener no Canindé. Seus colegas de Portuguesa destacaram que a alegria com a qual ele conduzia a bola era a mesma vista nos treinos:

– Era um tirador de sarro. Sacaneava roupa, cabelo. Em tudo ele dava um jeito de brincar. Sempre chegava sorrindo – recordou Sinval.

Colega de Dener nos profissionais, Paulinho Kobayashi revelou um momento de "molecagem" visto nos treinos da Portuguesa:

– Dener era um menino em todos os sentidos. Ele gostava de fazer todo tipo de brincadeiras com os colegas. Lembro que, como ele era muito habilidoso, ele gostava de tentar dar "caneta" no Capitão, coisa que o Capitão não deixava de jeito nenhum (risos). Ele dizia: "vou dar uma caneta", e ria, feito moleque mesmo.

O volante, com sua fama de sério, lembra como lidava com esta situação:

– Ah, eu não deixava mesmo ninguém me dar caneta não (risos). Mas ele era muito abusado. Então, por mais que eu tentasse, era difícil lutar. Só sei que fico muito feliz de nunca ter jogado contra ele. Passei conselhos, disse para ele se valorizar, em especial porque garoto como ele sempre é alvo de assédio, de más companhias.

Segundo Pepe, o próprio volante foi crucial para que ele, como treinador, tivesse calma diante das oscilações de temperamento de Dener:

– Logo que eu cheguei à Portuguesa, o Capitão conversou comigo. Disse que nós tínhamos um garoto de qualidade e alertou: "de vez, em quando ele some, não aparece na concentração, ou só treina". Mas pediu para ter paciência, carinho, que a gente ia ter alegrias com ele. E não deu outra.

O temperamento de Dener rendeu situações inusitadas. Às vésperas de uma partida contra o Santos, o meia-atacante sumiu da concentração. O motivo era um impasse financeiro do atleta com a diretoria:

– Ele queria um aumento e também uma Mitsubshi. E a Portuguesa não dava. Aí, na véspera do jogo, o Dinei bate na porta do nosso quarto desesperado: "Cadê o cara? Cadê o cara?". E nada dele. Um tempo depois, ele bate de novo. Na quinta vez, eu disse: "Dinei, você já veio e ele não está aqui, não adianta procurar" – recorda Tico, para depois lembrar-se do paradeiro:

– O Dener estava na casa do Edinho, filho do Pelé. O seu (Luís) Iaúca, que era dirigente da Portuguesa, concordou com o aumento. Aí ele voltou para jogar…

Bem-humorado, Pepe lembra-se do "retorno" de Dener à concentração:

– Quando o seu Iaúca chegou, falou para mim: "Pepe, sabe quem está comigo aí no carro? O "Pretinho"! E ele está com vontade de jogar contra o Santos!".

O duelo contra o Peixe, realizado no Canindé, ainda rendeu outra situação curiosa:

– No primeiro tempo, ele não estava jogando nada e a gente estava perdendo. Aí, toda hora ele passava perto do Pepe apontando para mim. Fazendo gesto com a cabeça. Depois que eu entrei, Dener deu sua habitual arrancada, deu uma "caneta" no Índio, deu a cotovelada no Silva e o árbitro mandou seguir e veio o gol dele. Depois, fez uma jogada atrás da outra e eu marquei também para a gente virar o jogo – lembra Tico.

Pepe contou que a "mãozinha" de Dener foi crucial para ele, que iniciava seu trabalho na Lusa, se consolidar na vitória de virada por 4 a 2:

– Tico era muito amigo dele. Foi um jogo difícil e eu estava "engatinhando" ainda no meu trabalho na Portuguesa. Aí ele passou perto do banco e vi que a gente precisava fortalecer mais nosso ataque. Funcionou…

Só que a arte de Dener não se resumia a traços rebeldes. Seu técnico, Pepe, destaca outra qualidade do craque:

– Por mais que fosse brincalhão, ele estava sempre atento, obediente às coisas que eu pedia. Fazia bem aquela formação ofensiva.

Colega do camisa 10 no decorrer de 1993, Paulinho Kobayashi apontou os fatores pelos quais Dener fascinou a torcida:

– Ele jogava futebol com alegria. De quem quer dar uma caneta, um chapéu, mas sempre em busca do gol.

'Quando treinávamos no estádio vazio, ele imitava um coro de torcida lotada', revela Tico

Porém, havia ainda algumas lacunas que a Portuguesa ainda não conseguia preencher por completo nos sonhos de Dener:

– Quando a gente treinava no estádio vazio, ou até quando fazia um rachão, o Dener imitava aquele coro de uma torcida lotada. Ele sonhava em jogar por um clube de massa. E de vez em quando, colocava para tocar um samba do Salgueiro, sua escola de samba de coração – revelou Tico.

Seu amigo de infância confessou que o meia-atacante não tinha predileção inicial para onde se transferir, mas manifestava este desejo:

– Embora fosse são-paulino, o Dener falava que jogar por São Paulo, Corinthians, Flamengo, Vasco, Palmeiras, Santos, daria a ele uma projeção maior. Faria com que ele sonhasse com uma convocação para a Seleção Brasileira e estar na Copa do Mundo.

O Canindé já estava pequeno demais para o sonho de Dener.