Memórias do Chumbo – O Futebol nos Tempos do Condor

O documentário “Memórias do Chumbo – O Futebol nos Tempos do Condor”, produzido pelo jornalista e historiador Lúcio de Castro, investiga as relações entre o futebol e os braços armados das ditaduras militares, em quatro países da América Latina: Brasil, Argentina, Chile e Uruguai.

Por Ricardo Flaitt*

Medici futebol

Com um episódio destinado à história de cada país, Castro remontou o período de instalação das ditaduras militares e as contextualizou, principalmente, com as seleções nacionais de futebol, que foram utilizadas pelos militares como instrumentos de propaganda do regime totalitário.

As ditaduras militares compreenderam o futebol não só como um veículo de propaganda, mas também como a dose de “circo” ao povo frente à censura e à repressão que foram impostas à sociedade.

O documentário “Memórias do Chumbo” retrata o futebol e as ditaduras em quatro países, no entanto, vale ressaltar que este texto centrar-se-á sobre o episódio brasileiro.

Dos anos dourados aos de chumbo

O Brasil dos anos 60 ainda vivia a euforia do desenvolvimento proposto por Juscelino Kubitschek, que prometera 50 anos de avanços em 5. Os sons das indústrias automobilísticas determinavam o tom do desenvolvimento e a sensação de crescimento.

O Brasil rural parecia não mais caminhar a pé, mas de carro, rumo a um novo tempo de prosperidade e modernidade. O clima da sociedade brasileira entre as décadas de 50 e 60 eram de profundas transformações.

O período de mudanças ganhou amplitude a partir de 7 de setembro de 1961, quando João Goulart, o Jango, assumiu a presidência, após a renúncia de Jânio Quadros.

O mandato de Jango (1961-1964) foi marcado por uma postura reformista, buscando avançar quanto às questões sociais. Para isso, teria que mexer em estruturas fortemente ligadas às elites brasileiras, as quais os militares também possuíam vínculos nas relações de poder.

Jango, que venceu a resistência dos militares para assumir a presidência frente à renúncia de Quadros, ao assumir o cargo começa a revisar o Brasil, discutindo questões como reforma agrária, reforma eleitoral, reforma urbana, reforma educacional, dentre outros, não menos polêmicos.

Temerária diante dos pensamentos de Jango, com medo-paranoico de ver suas posses se esvaírem, assim como seus poderes e suas benesses, com tudo isso imerso num contexto em que o mundo assistira a tomada de Cuba por revolucionários e os EUA combatiam pesadamente – e sem escrúpulos – qualquer possibilidade da implantação do sistema comunista, as elites e o alto escalão militar “destituíram” o presidente João Goulart.

Assim, no dia 1º de abril de 1964 (e não em 31 de março), os militares deram início a um dos períodos mais conturbados e sangrentos na história do Brasil: a ditadura militar de 1964, período que perdurou mais de longos e sombrios 21 anos.

A ditadura militar apropriou-se também do futebol e manipulou a paixão do povo brasileiro. Em “Memórias do Chumbo”, Lúcio de Castro investiga o futebol e, ao mesmo tempo, expande seu olhar investigativo, de forma em que mostra todas as mazelas e o modus operandi da ditadura militar no Brasil, que foi controlando todos os setores da sociedade, chegando até mesmo a infiltrar agentes e a determinar os nomes das pessoas que ocupariam cargos de direção nos clubes de futebol.

Nesta tabelinha cognitiva com o absurdo, Castro mostra as jogadas dentro de um campo tenebroso, que envolve a formação do DOPS (Departamento de Ordem Política e Social), mecanismo criado para reprimir, torturar e matar qualquer opositor ao sistema, até trilhar o caminho para descobrir a denominada “multinacional da repressão”, a Operação Condor.

A Operação Condor foi uma cooperação política e militar entre o Brasil, Argentina, Chile, Bolívia, Paraguai e Uruguai; com objetivo eliminar qualquer liderança fugidia entre os países latino americanos, para apagar qualquer rastro de história e de possível resistência e; por fim, uma retaliação à OLAS (Organização Latino-Americana de Solidariedade), criada por Fidel Castro.

Também denominada “Carcará” no Brasil, contou com todo aparato da CIA (Central de Inteligência Americana) e matou centenas de milhares de pessoas na América Latina.

Segundo o jornalista Luiz Claudio Cunha, as linhas entre futebol e ditadura (Operação Condor) se cruzaram quando trabalhando na redação de uma revista no Rio Grande do Sul recebe a ligação sobre um possível sequestro.

“Memórias do Chumbo – O Futebol nos Tempos do Condor” é inovador do ponto de vista histórico-documental, pois remonta e revela novos detalhes e ângulos sobre um período trágico do Brasil, tendo como pontapé inicial o futebol, esporte que é considerado alienante às massas, mas que, sem dúvida, se confunde com os fatos de nosso país, assim como nossos vizinhos geográficos e povos irmãos, que foram vitimados pela ditadura militar na Argentina, Uruguai e Chile.

Como bem finaliza Eduardo Galeano, em depoimento concedido sobre o capítulo sobre futebol e ditadura no Uruguai: “A recuperação da memória é imprescindível para a mudança da realidade, porque só relembrando, recordando o que aconteceu é que seremos capazes de evitar que se aconteça novamente. O nascimento de uma nova realidade significa o reconhecimento da realidade que existiu, senão ficamos condenados à repetição da história”.

Premiação

A série teve reconhecimento internacional e recebeu o Prêmio Gabriel García Márquez de Jornalismo, em Medellín, na Colômbia. O programa também foi finalista do prêmio Esso de Jornalismo de 2013 e foi selecionado para o Cinefoot de 2013, Festival de Cinema de Havana e para o festival de Filmes Esportivos de Milão.

Ficha técnica

Memórias do Chumbo – O Futebol nos Tempos do Condor
Reportagem, roteiro e produção: Lúcio de Castro
Imagens: Luís Ribeiro e Rosemberg Farias
Edição: Fábio Calamari e Alê Vallim
Narração: Luís Alberto Volpe
Arte: Stela Spironelli

Assista ao episódio do Brasil: