EUA x Venezuela – definição de insanidade

A hipocrisia dos liberais do establishment estadunidense beira à insanidade, como se vê entre os que defendem a intervenção de Trump contra Maduro, na Venezuela.

Por José Carlos Ruy*

Venezuela

Há oito anos, em março de 2011, estes liberais aplaudiram quando o governo Obama depôs um autocrata na Líbia. Prometiam um novo governo de paz e estabilidade, mas o resultado foi desordem e caos, a destruição do país. Agora querem fazer o mesmo na Venezuela.
Desde março de 2011 a intervenção militar dos EUA, sob o manto da Otan, agiu para derrubar aquilo que chamavam de tirania de Muamar Gaddafi. Foi uma intervenção violenta e sangrenta.
Entretanto, analistas do establishment liberal nos EUA a apoiaram, a pretexto de levar o país ao que chamam de democracia.

Por algum tempo, a aventura ilegal de Obama na Líbia, em 2011, sem autorização do Congresso dos EUA, foi considerada um exemplo do conceito de "poder inteligente" do então presidente. Contudo, quase todas as notícias importantes sobre a Líbia após a invasão e a derrubada de Gaddafi – desde a maneira como o país se tornou um ponto de partida para a violência extremista em outros lugares da região, até o surgimento de mercados de escravos ou seu status de refúgio seguro para o Estado Islâmico – servem como lição de por que derrubar um governo estrangeiro faz mais mal do que bem.

A pior parte é que muitos dos que aplaudiram ou até mesmo orquestraram o apoio a esse desastre não parecem ter aprendido a lição – pelo menos é o que se vê por suas posições sobre a Venezuela.

Por exemplo, o âncora da CNN Fareed Zakaria, especialista em assuntos internacionais do establishment centrista. Em 2011, ele viu a intervenção de Obama na Líbia como uma "oportunidade poderosa" para mudar a imagem dos EUA no Oriente Médio. A sobrevivência de Gaddafi "seria uma humilhação para Washington”, argumentou. "Portanto, os EUA devem seguir seus esforços para tirar Gaddafi do poder", escreveu. "Se os líbios solicitarem assistência militar, Washington deve seguir nessa direção."

Os desdobramentos da ação militar dos EUA provaram que Zakaria estava completamente errado. A desventura na Líbia não fez nada para melhorar a posição dos EUA no Oriente Médio — de fato, grandes maiorias no mundo árabe não concordam que o país norte-americano contribuía para a paz e estabilidade na região, e por ampla margem viram a intervenção dos EUA como responsável pela desestabilização e por causar conflitos no país.

Outras previsões de Zakaria também foram erradas. Longe de ser a "melhor maneira de impedir a Al-Qaeda de transformar a Líbia em uma área de força", como ele previu, a derrubada e assassinato de Gaddafi trouxe extremistas violentos para a Líbia.

Mas Zakaria, menos de duas semanas atrás, manifestou seu apoio à tentativa de Trump de intervir militarmente na Venezuela.

Depois de invocar a doutrina Monroe, Zakaria perguntou: "será que a Venezuela será o momento em que Trump finalmente termina seu apaziguamento?", referindo-se às alegadas relações de Trump com o primeiro-ministro russo Vladimir Putin.

Zakaria não é o único comentarista do establishment liberal que quer Maduro fora do poder. Tem a companhia de Lawrence Korb, que foi Secretário de Defesa de Reagan e membro sênior no supostamente liberal Center for American Progress. "Todos pensamos que o ditador deve ir", disse; "a pergunta é qual é a melhor maneira de fazê-lo."

Korb não está discutindo a intervenção militar – ao contrário de Zakaria, para quem a negação de Trump de que Maduro seja o presidente da Venezuela é "uma declaração muito mais forte do que a linha vermelha Barack Obama desenhou em torno de Assad da Síria." Mas sua visão é clara: Maduro tem que ser derrubado, havendo apenas a questão de encontrar a melhor maneira de fazê-lo.

A visão de Korb sobre Gaddafi na Líbia foi a mesma. "Os interesses estratégicos e o prestígio dos EUA poderão ser reforçados, mesmo que a Líbia se torne outro Líbano", previu ele na época.
Dick Durbin, o democrata de Illinois que cedo e agressivamente defendeu a política beligerante de Trump contra a Venezuela, havia sido também um dos poucos membros de alto escalão do Congresso a favor de Obama, quando ele lançou os planos de intervenção na Líbia. Da mesma forma, a deputada pela Flórida, Debbie Wasserman-Schultz, liderou a acusação contra a Venezuela, provavelmente devido ao grande número de refugiados venezuelanos que há em seu estado. Ela também fez um ataque a Maduro, em fevereiro, chamando-o de presidente ilegítimo, não muito tempo depois do senador republicano Marco Rubio ter assumido o papel de ponta de lança de Trump a respeito da intervenção na Venezuela, e dizer que era apenas uma questão de saber "se será pacífica ou sangrenta."

Debbie Wasserman-Schultz também havia defendido, no Congresso dos EUA, a agressão de Obama contra a Líbia há oito anos, na votação da resolução que proibia o presidente de enviar tropas para lá.

A morte de Gaddafi, ela disse alguns meses depois, "marca o fim de uma era de terror e opressão na Líbia", congratulando-se por que os EUA "estiveram com o povo lutando para expulsar a tirania". Debbie também se juntou ao exemplo de Marco Rubio, que proclamou que "a justiça foi feita hoje" quando soube do assassinato de Gaddafi, em outubro de 2011. Falsidades evidentes, desmentidas pelos acontecimentos posteriores.

Aqueles não são os únicos exemplos. A agressão à Líbia começou igualmente com previsões confiantes de que o autocrata terrível poderia ser trocado por algo infinitamente melhor.

Menos de meio ano depois, os EUA haviam gasto 1 bilhão de dólares em operações secretas na Líbia. Como toda intervenção estrangeira, isso leva à pergunta: por que agora, e por que a Venezuela? Sempre há, em algum lugar do mundo, algum tirano que massacra ou reprime o povo, muitas vezes de forma pior do que se vê na Venezuela — em Ruanda, Filipinas ou Iêmen, onde a casa de Saudm da Arábia Saudita, travou uma guerra genocida.

E têm o apoio de muitos dos que agora estão supostamente tão chocados com a situação da Venezuela.