Amritsar, a atrocidade inglesa para não ser esquecida 100 anos depois

Centenas de civis foram massacrados sob comando de um general britânico que mais tarde foi tratado como um herói. Ainda não houve desculpas

Por Mihir Bose*

amritsar massacre

Este sábado (13) marcou o centenário do crime cometido por um general inglês, que matou indianos desarmados que se reuniram pacificamente em um parque na cidade de Amritsar, na província de Punjab. Na Índia, só é preciso mencionar o nome do parque, Jallianwala Bagh, para que se saiba do que está falando.

No entanto, quase ninguém no Reino Unido ouviu falar sobre Jallianwala Bagh, e muito menos sabe porque o crime foi uma das piores atrocidades do domínio britânico na Índia. Também não apreciam porque seu legado ainda persiste e marca as relações entre Grã-Bretanha e Índia até hoje.

O massacre de Amritsar mudou fundamentalmente a forma como os indianos viram o Raj (a era do domínio britânico, entre 1757 a 1947). Isso levou Mahatma Gandhi, que durante a primeira guerra mundial havia abandonado seu pacifismo para ajudar a recrutar soldados para preservar o império, a ver o domínio inglês como satânico.

Os indianos, tendo contribuído maciçamente para a vitória na guerra, com homens e dinheiro, estavam confiantes de que os ingleses os recompensariam com o mesmo status que já haviam dado aos brancos da Austrália, Nova Zelândia, Canadá e África do Sul. As esperanças dos indianos foram fortalecidas quando, em 1917, a declaração de Balfour prometia aos judeus uma pátria na Palestina. O que eles não sabiam era que no mesmo ano o gabinete de guerra chegara à conclusão de que levaria 500 anos para que os indianos aprendessem a se governar.

Então, quando a guerra mundial terminou, em vez de liberdade, os britânicos deram poderes draconianos à repressão, de busca e prisão sem mandado nem julgamento.

As tensões aumentaram, levando as tropas inglesas a matar cerca de 15 indianos; em retaliação, cinco civis ingleses foram mortos e fios telegráficos ligando Amritsar ao mundo exterior foram cortados.

Em 13 de abril de 1919, o general Reginald Dyer entrou em ação.

Ele levou um grupo de soldados para Jallianwala Bagh, uma área aberta de seis ou sete acres cercada por muros altos, no coração de Amritsar. Ali estavam entre 15.000 e 20.000 pessoas, incluindo mulheres e crianças. Algumas para protestar mas a maioria para celebrar Baisakhi, o grande festival sikh.

. Sem qualquer aviso, e apenas 30 segundos depois de entrar no parque, Dyer ordenou que ps soldados disparassem. Eles dispararam por 10 minutos e só pararam porque ficaram sem munição. Foram assassinados 337 homens, 41 mulheres e um bebê de sete semanas, e houve 1.500 feridos (segundo os indianos o número de mortes passou de mil).

A carnificina poderia ter sido pior. O beco que levava ao Bagh era muito estreito para os carros blindados de Dyer; caso contrário ele os teria levado e usaria suas metralhadoras. Também houve indianos chicoteados por não saudá-lo. Outra punição foi reservada para a rua onde uma missionária inglesa fora agredida. Qualquer indiano que atravessasse a rua entre as 6h e as 20h teria, disse o general, de "passar de quatro". A ordem, reforçada por soldados ingleses, significava que os indianos só podiam continuar “deitados de barriga e rastejando como répteis”.

Os ingleses na Índia viram Dyer como o salvador do Raj. Embora Winston Churchill, então secretário de Estado para a guerra, tenha dito que a ação de Dyer foi assassinato ou pelo menos homicídio culposo, o governo inglês achou que ele não poderia ser acusado criminalmente. E o apresentou como vítima de injustiça. Seus admiradores iam desde políticos do Ulster (Irlanda), como Edward Carson, até o arcebispo de Canterbury, que o chamavam de "soldado patriota corajoso e de espírito público".

Mais surpreendente foi a reação da Câmara dos Comuns. Retratou Edwin Montagu, o secretário de Estado da Índia, como anti-Dyer. A Câmara debateu uma moção para reduzir o salário de Montagu, uma forma severa de censura parlamentar. Para os tories (membros do Partido Conservador) não era o que Dyer havia feito, mas o judaísmo de Montagu que se tornou a questão central. Austen Chamberlain, então chanceler do Tesouro, escreveu: "Nessa ocasião, todo o seu sentimento inglês e racial foi despertado para uma exibição apaixonada … Um judeu contornando um inglês e jogando-o para os lobos – esse era o sentimento".

O jornal Morning Post iniciou um fundo Dyer que lhe deu 26.000 libras (£ 1.15 milhões em valores atuais). Em contraste, cada dependente de um indiano morto por Dyer recebia 500 rupias (£ 176 hoje). Quando morreu em 1927, Dyer recebeu um funeral de estado não oficial com seu caixão carregado em uma carruagem com as armas do Almirantado.

No século que se passou desde o massacre, os britânicos e os indianos se distanciaram ao recordar essa atrocidade. Em 1997, a rainha Elizabeth II foi a primeira monarca britânica a visitar o local do massacre, mas não se desculpou: ela apenas assinou o livro de visitantes no memorial. O príncipe Philip, vendo que o memorial falava de 2.000 martirizados, sugeriu que os indianos haviam adulterado a história: “Isso é errado. Eu estava na marinha com o filho de Dyer".

Em 2013, David Cameron foi o primeiro primeiro-ministro britânico a prestar suas homenagens no memorial. Mas, apesar de admitir que foi um "evento profundamente vergonhoso", ele sugeriu que não poderia "voltar à história" para se desculpar.

Os indianos estão voltando de fato à história para exigir um pedido de desculpas. Embora nos primeiros anos após a independência, o primeiro primeiro-ministro da Índia, Jawaharlal Nehru, tenha pressionado para marcar o evento, agora políticos indianos como Shashi Tharoor querem que os ingleses peçam desculpas e até paguem indenizações.

O legado do massacre de Amritsar sobrevive nas eleições gerais da Índia.

É reconfortante para a classe política britânica se referir à Commonwealth como uma família única com memórias compartilhadas. O fato é que nunca houve tal família. O Império Britânico era, na melhor das hipóteses, uma Abadia Downton da vida real, onde as pessoas negras e morenas ocupam o andar de baixo, enquanto os brancos tinham o andar de cima.

Para os indianos, Jallianwala Bagh é uma lembrança do que chamam de Angresso ki Ghulami, a escravidão dos britânicos. A palavra escravidão arrepiará muitos ingleses, mas precisam entender por que os indianos se sentem assim. Para os indianos, Jallianwala Bagh desafia o mito de um domínio britânico benevolente. Tanto o partido BJP de Narendra Modi quanto o Partido do Congresso, da oposição, estão unidos nesta questão. E, com Brexit à vista, uma Grã-Bretanha que procura impulsionar seu comércio com a Índia precisa aprender rapidamente que o legado de Amritsar tem que ser tratado e não ignorado – ou, pior ainda, esquecido.