Reinaldo, o jogador que desafiou as ditaduras do Brasil e da Argentina

Ídolo do Atlético Mineiro, José Reinaldo de Lima, o Reinaldo, foi um dos grandes símbolos de resistência durante a ditadura militar no Brasil (1964-1985). Ousado, não abriu de suas opiniões e atitudes mesmo que isso implicasse em ser boicotado como atleta. Não se submeteu às pressões políticas no Brasil e não se deixou intimidar pela ditadura argentina ao disputar a Copa de 1978 naquele país.

Reinaldo futebol - Foto: Reprodução

Leia abaixo declarações do ídolo do futebol feitas ao durante e após duas carreira.

A comemoração

Para festejar os tantos gols que marcou na carreira, o ‘Rei’ da torcida do Atlético erguia o punho cerrado. A comemoração, inspirada no movimento dos Panteras Negras e nos lendários atletas negros Tommie Smith e John Carlos, demonstrava o posicionamento do ex-atacante contra o racismo e a ditadura.

“Na primeira vez em que fiz o gesto, todos vieram até mim querendo saber o que aquilo significava. Muitas vezes, para driblar a repressão, eu dizia que era um protesto estritamente racial. Eu precisava tomar cuidado, pois os ‘dedos-duros’ do governo estavam sondando, querendo descobrir se eu seria como instrumento de algum grupo revolucionário. Percebia que o meu gesto era um alento aos socialistas, um sinal de apoio e de unidade perante uma causa”, Reinaldo, na biografia ‘Punho Cerrado: a história do Rei’, publicada em 2017.

Entrevista histórica

Foram várias as declarações de Reinaldo contra a ditadura. A que ganhou mais repercussão foi publicada pelo jornal Movimento, que contestava o poder. Clique aqui para ler os principais trechos dessa reportagem.

“Está na hora de aproximar todo mundo das decisões políticas. O povo tem a sua opinião e essa opinião deve ser respeitada”, Reinaldo, em entrevista ao jornal Movimento, em 6 de março de 1978.

Relatos de isolamento

Segundo Reinaldo, a falta de apoio público em determinados momentos o desanimou. As manifestações após os gols, entretanto, não cessaram.

“O apoio que recebi vinha mais da classe artística e, mesmo assim, era silencioso. Quase ninguém tinha coragem de se manifestar. Fiquei muito isolado, sofrendo todo tipo de ataque. Esse gesto (comemoração) de alguma forma passou a mensagem de que precisávamos de um país democrático e com mais justiça social”, Reinaldo, na biografia ‘Punho Cerrado: a história do Rei’, publicada em 2017.

Manifestações

Apesar do isolamento em alguns momento, Reinaldo também recebeu apoio. Pouco antes da Copa do Mundo de 1978, as discussões sobre o posicionamento político do ex-jogador tomavam conta dos debates esportivos. Nas ruas de Belo Horizonte, pessoas demonstraram apoio ao atleticano, considerado importante para a Seleção Brasileira.

“Por que Reinaldo não pode ter opinião política?”, frase escrita por estudantes da Universidade Católica de Minas Gerais em muros de Belo Horizonte.

Pressões

O ano de 1978 foi marcante para Reinaldo. As grandes atuações no Atlético o garantiram na lista de convocados pelo capitão do Exército e técnico da Seleção Brasileira, Cláudio Coutinho, para a Copa do Mundo daquela temporada, na Argentina. O ativismo político, entretanto, incomodava o poder.

“Vai jogar bola, garoto! Deixa que política a gente faz”, frase que Reinaldo conta ter ouvido do presidente Ernesto Geisel antes do embarque para a Copa do Mundo de 1978, na Argentina.

As advertências seguiram quando André Richer, chefe da delegação.

“Enfatizou para que eu não comemorasse com o punho cerrado na Copa do Mundo”, frase que Reinaldo conta ter ouvido do chefe da delegação, André Richer.

Reinaldo não se intimidou e, após fazer o gol do Brasil no empate por 1 a 1 contra a Suécia, na estreia da Copa, ergueu o braço e fez a tradicional comemoração. Depois, virou reserva.

“Não sei mensurar o impacto desse gesto durante a Copa do Mundo, pois estava isolado na concentração da seleção e não chegavam muitas notícias lá. Mesmo assim, foi um ato muito ousado, pois eu havia recebido a recomendação de não comemorar daquela forma, inclusive das autoridades argentinas”, Reinaldo, na biografia ‘Punho Cerrado: a história do Rei’, publicada em 2017.
Documento suspeito

No hotel em Mar Del Plata, ainda na Argentina, Reinaldo conta que recebeu um pacote anônimo endereçado da Venezuela. Segundo o ex-atacante, o conteúdo era um relatório sobre a operação Condor, aliança entre países sul-americanos que viviam em ditadura militar.

“O documento estava em espanhol, não conseguir entender tudo. Fiquei apavorado, estava com uma bomba em minhas mãos, não sabia como lidar com aquilo, por isso guardei o envelope no fundo da minha mala e não mostrei para ninguém. Quando retornei ao Brasil, deixei o envelope com o músico Gonzaguinha, que era ligado a movimentos de esquerda”, Reinaldo, na biografia ‘Punho Cerrado: a história do Rei’, publicada em 2017.

Depois de 1978

Reinaldo conviveu com seguidas lesões no joelho que atrapalharam a carreira como jogador de futebol. Além dos problemas físicos, o ex-atacante conta que sofria em função de comentários que o relacionavam às drogas e ao álcool. A amizade com o radialista Tutti Maravilha, assumidamente homossexual, ainda repercutiu negativamente numa sociedade homofóbica. Tudo isso em meio à apreensão pela convocação para a Copa do Mundo de 1982. O técnico Telê Santana deixou o artilheiro fora da lista.

“Transar com o Tutti, minha gente, seria o mesmo que cometer um incesto. Transar com o Tutti não pode. Transar com muitas mulheres também não. Não transar com nenhuma é, da mesma forma, perigoso. Se saio à noite com mulheres, sou boêmio. Se não saio, sou viado. Que fazer?”, Reinaldo, em entrevista à Revista Placar, publicada em 31 de julho de 1981.

Amizade com Tutti

O bom relacionamento com o radialista foi tema frequente em Belo Horizonte no período.

“Esse papo com Reinaldo é coisa de careta, de um país careta e de uma sociedade infestada de falsos moralistas. Eu sou homossexual e amigo de Reinaldo, assim como sou amigo de uma porção de outras pessoas. Tudo limpo, tudo às claras. A cabeça das pessoas é que é suja”, Tutti Maravilha, em programa de rádio.

Na imprensa

A Revista Placar detalhou a disputa entre Reinaldo e Telê Santana em 1982.

“Seu relacionamento com o técnico deteriorou-se no semestre passado. A partir dali, Telê começou a censurá-lo – ora pela amizade do jogador com homossexuais, ora por suas brigas com a namorada, ora por suas ligações com o Partido dos Trabalhadores”, jornalista Sérgio A. Carvalho, na Revista Placar publicada em 22 de janeiro de 1982.

Críticas de Telê

Comandante da Seleção Brasileira, Telê Santana criticou Reinaldo publicamente pouco antes da Copa do Mundo de 1982. Segundo o comandante, o envolvimento com política não era o motivo que o afastava das convocações.

“Ele não está tendo um comportamento compatível com a profissão de jogador de futebol e por isso somente voltará à Seleção Brasileira quando mostrar que está bem dentro e fora do campo.

Enquanto estiver se comportando assim, continua fora”, Telê Santana, em trecho reproduzido na biografia ‘Punho Cerrado: a história do Rei’, publicada em 2017.

À procura de um goleador

Em 1981, a Revista Placar ouviu 136 centroavantes em todo o Brasil. Desses, 69 – mais de 50% – escolheu Reinaldo como o camisa 9 ideal da seleção para a Copa do Mundo de 1982. Na edição seguinte, grandes craques demonstraram admiração pelo atacante alvinegro.

“Não posso escalar o time. Mas, como nunca fiz um coletivo com o Serginho, o Baltazar ou o Roberto, é lógico que eu me entroso mais com o Reinaldo”, Zico, em entrevista à Revista Placar, publicada em 4 de setembro de 1981.

“Vai jogar o Rei. É o mais inteligente, o mais técnico e o mais perigoso”, Júnior, em entrevista à Revista Placar, publicada em 4 de setembro de 1981.

“Todos têm suas virtudes. A diferença é que o Reinaldo é o Reinaldo”, Éder, em entrevista à Revista Placar, publicada em 4 de setembro de 1981.

“No meu time, joga o Rei”, Sócrates, em entrevista à Revista Placar, publicada em 4 de setembro de 1981.

Fora da Copa

Reinaldo não foi convocado pelo técnico Telê Santana para a Copa do Mundo de 1982, disputada na Espanha. Segundo o atacante, o posicionamento político o atrapalhou.

“Houve influência política. Eu estava bem fisicamente. A comissão técnica não resistiu à pressão, aos argumentos de pessoas que não me queriam na seleção. O Telê era implicante com o estilo de vida das pessoas. E o meu estilo não o agradava”, Reinaldo, em entrevista publicada pelo El País em 3 de junho de 2018.