Restabelecer a verdade é preciso 

Na atual quadra histórica, em que um governo autoritário e vende-pátria como o atual, que foi eleito cercado por mentiras e fake news, torna-se necessário reconstituir a verdade, para que esta não seja mais uma vítima do fascismo.

Eduardo Navarro*

PCdoB PPL Congresso - Foto: Karla Boughoff

Durante a última campanha eleitoral, a candidatura de Jair Bolsonaro difundiu entre o eleitorado brasileiro uma narrativa de que a esquerda – e de modo especial os comunistas – era constituído de uma aura maligna, de uma espécie de pacto com o diabo, sendo assim, os responsáveis por todos os males da humanidade. Desde o kit-gay à “mamadeira de piroca”, passando por uma visão distorcida do conceito de Direitos Humanos (na verdade uma criação do liberalismo) o bombardeio ideológico e midiático foi de grande magnitude ao ponto de confundir as cidadãs e os cidadãos brasileiros.

Com o pretenso slogan: “Deus acima de todos”, os marqueteiros de Bolsonaro buscavam autoproclamar seu candidato como o escolhido por Deus para “consertar” o Brasil. Todos os que estivessem do ladro contrário, portanto, seriam os gentios – povos não escolhidos – e como gentios deveriam sofrer severas punições.

Ainda hoje, passado dois meses de sua posse, a quadrilha (porque são quatro) que tomou de assalto o poder, não desenvolveu nenhuma ação concreta para retomar o crescimento do país nem para desenvolver a economia e gerar emprego. Pelo contrário, mantém-se como se ainda estivessem em campanha. Persegue o objetivo de criminalizar a esquerda e os comunistas através de uma cruzada contra o “marxismo cultural”, seja lá o que isso for. Escalam sua linha de frente – entre eles Damares Alves, Ernesto Araújo e Ricardo Velez – para empreender uma cruzada contra os avanços sociais e humanitários que ficaram como legado do ciclo de governos democrático-populares dos treze anos anteriores.

O que a narrativa de extrema direita e ultraliberal, em sua tentativa de distorção da realidade, não conseguem entender, e, portanto, explicar, é a natureza especial dos comunistas: os porquês destes militantes se envolvem na defesa da classe trabalhadora e das causas populares? Por que este tipo de pessoa é tão perseguido pelas forças conservadoras a ponto serem levados ao sacrifício de suas próprias vidas?

O texto de Álvaro Cunhal, histórico dirigente do Partido Comunista Português (PCP), acerca de “A formação moral dos comunistas”, nos oferece alguns caminhos para a identificação da natureza especial destes filhos do povo. Cunhal afirma que o que difere o militante comunista não é o fato de que ele tenha um objetivo político e uma atuação militante, mas que este possui “uma forma de pensar, de sentir e de viver”, isto é, que tem um ideal de transformação da sociedade e um conjunto de valores baseados em uma moral própria o qual difere da moral burguesa. Valores como “a coesão, a solidariedade, a ajuda recíproca, a abnegação, a generosidade, a combatividade, a determinação, a capacidade de sacrifício, a disciplina, a confiança em si próprio e no futuro, são elementos éticos que derivam das próprias condições de trabalho e da vida dos trabalhadores”.

Cunhal é categórico ao afirmar que o que alimenta esta ética própria é a “luta contra a exploração e a opressão, contra o parasitismo e as injustiças sociais, pela igualdade dos seres humanos independentemente do sexo, da nacionalidade e da raça”. Portanto, tais valores “exercem poderosa influência na formação dos conceitos morais, acentuando os traços de generosidade, de dedicação, de isenção, de respeito pelos outros, de respeito pela verdade, de coragem, de sacrifício, de heroísmo”.
Ouso acrescentar o sentimento de amor à lista de valores esboçados pelo velho comunista português. Faço isto a partir de uma confissão feita a mim por uma camarada ao ouvir uma palestra de Haroldo Lima, no qual o valoroso camarada juntava partido e amor na mesma palestra. Para Haroldo, o verdadeiro sentimento de amor nasce da profunda ligação que o partido desenvolve com as causas populares, um amor pelo ser humano. A história está repleta de casos em que os comunistas foram abraçados pelas comunidades locais ou adotados pelas famílias.

O pensar, o sentir e o viver é pertinente à relação com que cada um desenvolve em sua ligação com o povo, mas ele se entrelaça e é mediado pela vida orgânica dentro do partido. É na vida partidária em que estes valores se firmam e ganham consequência, tornam-se coletivos, adquirem caráter militante, alçam à condição de moral proletária.

Se a ligação com o povo é o que constitui a natureza especial dos comunistas, o amor pela verdade é o que o diferencia. De maneira inversa aos partidos de centro, direita e extrema-direita, que mentem acerca de suas intenções eleitorais, escondendo seus programas de governo, os comunistas agem com clareza e transparência. Seus objetivos de transformação da sociedade são postos às claras para a sociedade, fato que os aproximam e os vinculam aos interesses populares e nacionais. Utiliza-se de análise concreta da realidade concreta e da prática como critério da verdade. Mais ainda, as resoluções políticas de suas instâncias diretivas são amplamente divulgadas. De forma idêntica as atividades partidárias são de conhecimento de todos. Como diz Cunhal “os comunistas nada tem a esconder dos seus ideais e dos seus objetivos”.

Portanto, neste momento de pós-verdade, de verdades líquidas, de redes sociais que promovem ou lincham pessoas em instantes, ter a verdade como resultante da prática é de extrema importância. Parafraseando Fernando Pessoa:

Usar a verdade é preciso, viver não é preciso.