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Elias Jabbour: Por que estudar Ignacio Rangel 

Há 25 anos, em 4 de março de 1994, o Brasil perdia o economista Ignacio de Mourão Rangel. Ao mesmo tempo, lembramos os 105 anos de seu nascimento, na pequena cidade de Mirador (MA), a 20 de fevereiro de 1914. Uma e outra efeméride são ótimos pretextos para tratarmos deste grande marxista brasileiro, que se deixou influenciar pelo pensamento econômico e político de Lênin, além de economistas burgueses longe da vulgaridade, como Keynes e Schumpeter.

Por Elias Jabbour*

Ignacio Rangel

Rangel foi o mais brilhante pensador brasileiro do século 20, bem como o intelectual marxista mais completo e original na América Latina. Ninguém sintetizou melhor do que ele as leis do funcionamento de uma formação social complexa como a do Brasil.

Influenciado por Lênin, criou uma noção exata da categoria de formação social e sua lei fundamental no Brasil, apontando a combinação de atraso e dinamismo. É o que explica, até hoje, a existência do avançado em detrimento do pretérito em todas as variantes da base econômica e da superestrutura. Rangel não caiu na tentação de recorrer à via estruturalista e dependentista para abordar a relação entre estagnação e atraso – algo tão comum entre pensadores “progressistas”.

O fio condutor de sua obra é a tese da dualidade. Trata-se de uma engenhosa construção analítica, que articula contribuições do materialismo histórico marxista, de Smith, de Keynes, da teoria dos ciclos e das crises de Kondratieff e Juglar à formação econômica brasileira, no intuito de entender sua dinâmica e especificidades.

É possível, com base na tese da dualidade, elencar outras quatro grandes teses de Rangel, que expressam suas interpretações sobre a economia brasileira, a teoria econômica e o desenvolvimento econômico, social e político:

1) A tese da dinâmica capitalista, que articula as teorias dos ciclos, das crises e a questão tecnológica ao movimento da economia brasileira e mundial;

2) A tese da inflação brasileira, contida em seu famoso livro do mesmo nome, transformada – por sua densidade analítica, seu nível de formulação e seu grau de universalidade – em uma verdadeira teoria da inflação, feito inigualável na história do pensamento econômico brasileiro;

3) A tese da questão agrária, que, altamente influenciado por Lênin, interpreta os determinantes da crise agrária brasileira e suas consequências para o desenvolvimento do capitalismo no Brasil

4) A tese sobre intervenção do Estado e planejamento, em que Rangel analisa o valor do planejamento do setor público como fator de equilíbrio econômico global e de redução de ociosidades setoriais na economia.

Mesmo decorridos 25 anos da morte de Rangel, não faltam razões para voltarmos à sua obra monumental. É preciso estudar Rangel:

– para entender as razões de nosso não realizado desenvolvimento;

– para entender, partindo da constatação de transições lentas, graduais e seguras no Brasil, a necessidade de um Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento (capitalismo de Estado) como o caminho brasileiro ao socialismo;

– para compreender a historicidade tanto do mercado quanto da iniciativa privada, inclusive no que tange à transição socialista no Brasil;

– para que não façamos política com a “ciência” dos neoliberais: a inflação no Brasil não é de demanda, da mesma maneira que a poupança não é pressuposto ao investimento;

– para proscrever, de uma vez por todas, a falsa noção socialdemocrata que distingue crescimento e desenvolvimento;

– para observar o estado da arte do marxismo no Brasil: Marx não pode ser reduzido a um mero pensador da questão social e Lênin não deve ser objeto de redução a um punhado de obras políticas datadas;

– para entender que o marxismo-leninismo deve ser um corpo científico capaz de ampliar nossa visão de mundo e realidade – e não um dogma pobre e doente.

É no livro Recursos Ociosos na Política Econômica que podemos extrair um trecho revelador do pensamento de Ignacio Rangel. Nesta breve passagem, ele reafirma a ideia de nação como categoria histórica, além de iluminar a reflexão a respeito da transição do capitalismo ao socialismo – e deste ao comunismo:

A nação é, sem dúvida, uma categoria histórica, uma estrutura que nasce e morre, depois de cumprida sua missão. Não tenho dúvida de que todos os povos da Terra caminham para uma comunidade única, para “Um Mundo Só”. Isto virá por si mesmo, à medida que os problemas que não comportem solução dentro dos marcos nacionais se tornem predominantes e sejam resolvidos os graves problemas suscetíveis de solução dentro dos marcos nacionais. Mas não antes disso. O “Mundo Só” não pode ser um conglomerado heterogêneo de povos ricos e de povos miseráveis, cultos e ignorantes, hígidos e doentes, fortes e fracos.

* Elias Jabbour, doutor em Geografia Humana (FFLCH/USP), é professor da FCE/UERJ e membro do Comitê Central do PCdoB