O que queremos para educação brasileira

Se nos últimos anos conquistamos a democratização das universidades e milhares de jovens puderam acessar o ensino superior e se avançamos dentro das universidades debatendo e produzindo pesquisa voltada às reais necessidades da da população brasileira, tudo isso encontra-se, agora, sob risco.

Por Bianca Borges*

Universidades cotas

A educação brasileira, mais do que nunca em nossa história recente, está sob ataque. Se a necessidade de ampliação do ensino superior público e a contrariedade à desnacionalização e mercantilização do ensino superior privado foram as principais bandeiras do movimento estudantil nas duas últimas décadas, as ameaças são, agora, ainda maiores. O governo Bolsonaro tem se debruçado em promover um projeto de educação acrítica e parcial em todos os níveis, do ensino básico à pós graduação. E isso não é por acaso: é sabido o papel que a educação têm para a formação de consciência e seu papel de organizar a sociedade em prol de seus interesses,

São múltiplas as evidências desse projeto perverso. O projeto Escola sem Partido foi a primeira delas. Agora arquivado pela Comissão Especial da Câmara dos Deputados que analisava a proposta de lei sobre o tema, pretendia inviabilizar a promoção do debate crítico nas salas de aula de todo o país e ameaçava, se aprovado, atingir também o ensino superior e a pós-graduação. Projetos como esse, para além de comprometer a formação acadêmica e cidadã dos estudantes, expressam a pretensão de nos levar de volta a um verdadeiro obscurantismo a partir das restrições que impõe ao livre pensar e ao exercícios dos educadores.

Traduzido para as universidades, violaria de forma contundente o princípio da liberdade de cátedra e restringiria discussões fundamentais para o avanço do conhecimento e da ciência produzidos pelos discentes, afirmando o anticientificismo e remontando as restrições impostas em sala de aula durante o período da Ditadura Militar. A influência dos militares neste projeto tampouco é velada: ⅓ dos ministérios indicados por Bolsonaro são militares, proporção que representa a maior influência das Forças Armadas em um governo desde a redemocratização. É conhecido o papel que este setor teve, outrora, na repressão ao debate de ideias dentro e fora das salas de aula brasileiras.

De outro lado, o governo investe também em promover um verdadeiro desmonte das nossas universidades. O presidente já afirmou que vai fiscalizar a prova do ENEM antes de sua aplicação por considerar que a mesma promove doutrinação ideológica e a ministra dos Direitos Humanos, Damares Alves, afirmou ser contra a possibilidade dos estudantes se candidatarem a vagas longe de seus domicílios de residência por isso, supostamente, promover o afastamento entre os jovens e suas famílias. O presidente e sua equipe já se debruçam sobre a proposta de cobrança de mensalidades nas universidades federais, precedente que será sem dúvidas uma ameaça também às instituições estaduais públicas de ensino.

As ameaças anunciadas, por sua finalidade claramente obscurantista, representam imensurável retrocesso. Se nos últimos anos conquistamos a democratização das universidades e milhares de jovens puderam acessar o ensino superior a partir da Lei de Cotas e de programas como Prouni e Fies, transformando a composição social, racial, étnica e cultural da universidade e se avançamos dentro das universidades debatendo e produzindo pesquisa voltada às reais necessidades da da população brasileira com olhar crítico resultante de todo o processo histórico e sociocultural de formação da nossa sociedade, tudo isso encontra-se, agora, sob risco. As conquistas que alcançamos depois de décadas de batalha podem, em poucos anos, se esvairem. Contra isso, confiamos na capacidade do movimento estudantil e dos movimentos sociais em promover um enfrentamento à altura, que com amplitude e mobilização impedirá tais retrocessos. Como já dizia o professor Norberto Nehring, é o sentimento de indignação que nos leva ao protesto. E indignação não faltará aos estudantes brasileiros.