Donald Trump: conspiração e estratégia

Depois da eleição de Donald Trump, ficou muito mais difícil de prever o futuro do sistema mundial e as mudanças súbitas da política externa norte-americana, em particular com relação às Grandes Potências. Mas num aspecto, tudo ficou mais claro e transparente: o comportamento dos Estados Unidos frente aos países da “periferia” do sistema.

Donald Trump

Nestes casos, o governo Trump aboliu as simulações do passado, e assumiu de forma explícita o que os EUA sempre fizeram de forma encoberta: promover a mudança autoritária de governos e regimes que lhes desagradem, através dos métodos que sejam mais rápidos e adequados. Ou seja, as “conspirações idealistas” cedem lugar ao “realismo estratégico na defesa do direito de intervenção americana contra os seus dois novos “inimigos úteis”: os fantasmas da “corrupção” e do “populismo autoritário”, E hoje já é possível identificar e localizar as quatro estratégias básicas que vem sendo utilizadas de forma separada ou conjunta, em vários pontos da periferia mundial do sistema de poder norte-americano.:

i. A mais antiga de todas e a mais elementar talvez seja a intervenção nos processos eleitorais de países estratégicos, que sempre foi praticada pelos EUA. Só que agora com o uso intensivo de novas técnicas eletrônicas de manipulação do inconsciente coletivo e de formação da “vontade eleitoral” dos cidadãos através da invasão direta e imperceptível do seu domicílio privado. Como no caso mais recente e escandaloso da Cambridge Analytica Ltd., empresa especializada em análise de dados, comunicação estratégica, e manipulação de processos eleitorais, que interveio nas eleições de 44 países, só no ano de 2014.

ii. Num segundo nível de intervenção, situam-se os tradicionais “golpes militares” patrocinados pelos Estados Unidos durante o período da Guerra Fria, mas que ainda seguem sendo praticados, quando necessário, como ocorreu no caso da Turquia, em 2016. A grande novidade, neste caso, foi introduzida na América Latina, com a derrubada de governos eleitos democraticamente através de um novo tipo de golpe, “jurídico-parlamentar”, liderado pelo poder judiciário e apoiada por parlamentos de maioria conservadora e alta taxa de venalidade, contando com apoio massivo da mídia conservadora, e com o aval, em última instância, de um setor majoritário das Forças Armadas.

iii. Num terceiro nível, mais agressivo e letal, utilizado contra países com maior poder militar, aparecem as “sanções”, utilizadas pelos EUA como verdadeiras armas de guerra. As sanções diplomáticas e comerciais são muito antigas, milenares, mas a grande novidade das duas últimas décadas tem sido as “sanções monetário- financeiras”, aplicadas neste caso, pelos EUA, o país que emite a moeda de referência internacional, e que possui o mercado financeiro mais aberto, poderoso e globalizado. Por isso as sanções financeiras norte-americanas se transformaram numa arma mortal, sobretudo depois da abertura das contas bancárias impostas pelos EUA, dentro e fora do seu país, incluindo a União Europeia e a própria Suíça. O poder destrutivo destas novas sanções é quase instantâneo, provocando a queda do valor da moeda do país-alvo. a fuga de capitais, a escassez de bens, e a alta da inflação, até o limite do estrangulamento total da atividade econômica do país

iv. Por fim, num nível mais alto e mais complexo de intervenção encontra-se aquilo que os analistas tem chamado de “guerras híbridas’ ou “quarta geração”. Um tipo de guerra que não envolve necessariamente bombardeios, nem o uso explícito da força, porque seu objetivo principal é a destruição da vontade política do adversário, através do colapso físico e moral do seu Estado e da sua sociedade política. Um tipo de guerra no qual se usa a informação mais do que a força, o cerco e as sanções mais do que o ataque direto, a desmobilização mais do que as armas, a desmoralização mais do que a tortura. Até o limite da indução e manipulação dos “levantes populares” que foram utilizados em alguns países da Europa Central e do Oriente Médio.

Nesses novos tempos, a democracia e a soberania nacional dos países periféricos deixam de ter qualquer valor e podem ser atropeladas impunemente toda vez que se transformem num alvo da política externa dos Estados Unidos. Essas “intervenções estratégicas” não tem mais nenhum tipo de limite ético, nem tem mais nenhum tipo de compromisso com a reconstrução das sociedades e das economias que forem destruídas. O tempo do Plano Marshall e da “hegemonia benevolente” dos Estados Unidos acabou e não voltará mais. E este é um “dado de realidade’ que precisa ser assumido e computado pela estratégia dos povos e das forças políticas que ainda sonham e lutam para ser donos do seu próprio destino.

* José Luís Fiori é professor titular de Economia Política Internacional, do PEPI/UFRJ, e de Ética e Poder Global. do PBGBIOS/UFRJ. E , pesquisador do Instituto de Estudos Estratégicos do Petróleo, Gás e Biocombustíveis – INEEP, www.ineep.org.br. Este artigo foi escrito originalmente para o Instituto de Estudfs Estratégicos do Petróleo, Gás e Biocombustíveis – INEEP.