Justiça nega pedido de Shopping de levar crianças de rua à delegacia

O shopping Pátio Higienópolis, que fica em um dos bairros mais caros de São Paulo, pediu à Justiça autorização para prender crianças "de rua" que estejam nos seus arredores e levá-las para a Polícia Militar. A juíza do caso, Mônica Gonzaga Arnoni, da Vara de Infância da capital paulista, já negou o pedido. Para a juíza, o pedido do shopping revela a intenção de restabelecer políticas higienistas de espírito racista.

.

"A simples presença física do outro que não é igual ou não segue o ideal de normalidade que se convencionou para o shopping não legitima o pedido de autorização para apreensão de crianças e adolescentes, chamadas repetidamente pelo requerente de 'em situação de rua', indicando, quiçá, atitude discriminatória e ilegal. Salta aos olhos, inclusive, a ausência de fundamento legal a embasar os pedidos", escreveu, na sentença.

Na petição, o Pátio Higienópolis diz que enfrenta um "verdadeiro êxodo" de crianças e adolescentes que têm ido ao shopping "cometer atos de vandalismo". A solução proposta pela administração é permitir que seus seguranças, quando constatarem que as crianças estão desacompanhadas, as leve à PM ou ao Conselho Tutelar. São situações que "demandam a atuação do corpo de segurança", diz o shopping, na petição enviada à Justiça.

"Os pedidos formulados pelo requerente fazem lembrar a doutrina Separate But Equal (Separados mas iguais), que pregava que todos eram iguais, mas permitia a segregação", respondeu a juíza. A doutrina a que ela se refere foi a que baseou decisão da Suprema Corte dos Estados Unidos de declarar constitucionais leis estaduais que estabeleciam espaços separados para pessoas negras — as pessoas são iguais e têm direitos iguais, mas podem ficar separadas, disse a decisão. A decisão foi tomada em 1896.

A juíza Mônica Arnoni também concordou com parecer do Ministério Público, para quem o shopping não tem legitimidade para fazer pedidos do tipo à Justiça. "Como bem sabido, para a comprovação do interesse processual é necessária a demonstração de que sem o exercício da jurisdição, por meio do processo, a pretensão não pode ser satisfeita", diz a sentença.

De acordo com a juíza, os artigos 106 e 107 do Estatuto da Criança e do Adolescente dizem que menores que pratiquem ato infracional como furto e roubo podem ser apreendidos em flagrante com comunicação imediata do estabelecimento à autoridade judiciária e à família da criança.

"Dessa forma, desnecessária a tutela jurisdicional quando se tratar de adolescente em prática de ato infracional, seja ele em situação de rua, como conceituado pelo autor, ou em qualquer outra situação", relata. "Assim, evidente a ausência do interesse de agir, posto que o autor tem à sua disposição os instrumentos necessários para, constatando a pratica de ato infracional, responsabilizar o adolescente infrator sem que, para isso, precise de prévia autorização judicial."

Higiene Pessoal

O pedido também tem um enfoque, diz a decisão, que leva a entender que o Shopping Pátio Higienópolis quer um "salvo-conduto" para fazer política de "genuína higiene pessoal".

"Tratando-se de crianças e adolescentes que não estejam na prática de ato infracional, mas de alguma forma violando regras sociais, tais como, caminhar em sentido contrário em escadas rolantes ou até mesmo pedir dinheiro aos frequentadores, qualquer autorização judicial para fins de apreensão esbarraria tanto no direito constitucional de ir e vir desses infantes, como no delito previsto no artigo 230 do ECA", escreveu, na decisão. De acordo com a juíza, a salvaguarda objetiva do estabelecimento fica clara quando pede autorização justamente para evitar a tipificação do referido artigo., diz a magistrada na decisão.

Para ela, a "suposta preocupação" do shopping com a segurança dos menores pode ser uma tentativa de "ocultar o incômodo que essas crianças e adolescentes vulneráveis causam nos frequentadores do local". Segundo a decisão, o estabelecimento, como atividade empresarial lucrativa, pode adotar estratégias para diminuição de riscos, mas isso "não significa, em absoluto, valer-se do Poder Judiciário para varrer de seus corredores as crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social".