Sem categoria

Nayara Souza celebra reconhecimento a filme sobre ocupações estudantis

O documentário Espero Tua (Re)Volta, da diretora Eliza Capai, fez história na semana passada, ao receber, no Festival de Cinema de Berlim, os prêmios da Anistia Internacional (AI) e da Paz. O longa aborda as inspiradoras ocupações estudantis que ocorreram em São Paulo, a partir de 2015, sobretudo em escolas da rede estadual. “Bolsonaro que se cuide, porque estamos famosos”, brinca, em entrevista ao Vermelho, a líder estudantil Nayara Souza, uma das personagens centrais do filme.

Por André Cintra

Documentário "Espero tua (re)volta"

Para reconstituir o ambiente das ocupações, Eliza Capai deu voz a três jovens que se destacaram no curso daquelas lutas: Marcela Jesus, Lucas Penteado (o Koka) e a própria Nayara. Com imagens de arquivo, a diretora ampliou a narrativa até 2013, ano das “jornadas de junho”, deflagradas com a luta contra o aumento de tarifas no transporte público.

Em novembro de 2015, mais de 200 colégios paulistas foram ocupados por estudantes. Era um protesto contra o governo Geraldo Alckmin (PSDB), que planejava fechar 93 escolas, prejudicando mais de 300 mil alunos. Sob liderança dos estudantes secundaristas (do ensino médio), o movimento derrubou a popularidade do governador, provocou a demissão do secretário estadual de Educação e conseguiu a suspensão do projeto autoritário de Alckmin.

Já em maio de 2016, uma manifestação tomou o plenário da Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp). Desta vez, além da bandeira da qualidade do ensino, os estudantes denunciavam “os ladrões de merenda” (políticos envolvidos com a máfia da merenda escolar), cobravam a abertura de uma CPI e pediam o fim da corrupção. Foi na ocupação da Alesp que a liderança de Nayara Souza sobressaiu, chamando a atenção de Eliza Capai.

Natural do município paulista de Mirassol, onde nasceu em 1995, Nayara é filiada à UJS (União da Juventude Socialista) e ao PCdoB. Quando estudava Agronegócio na Fatec São José do Rio Preto, tornou-se dirigente do DCE (Diretório Central dos Estudantes) da instituição. Hoje, é aluna de Direito na FMU e presidenta da UEE-SP (União Estadual dos Estudantes de São Paulo).

Por ter compromissos já agendados, a jovem líder estudantil não acompanhou a comitiva que viajou a Berlim para a estreia de Espero Tua (Re)Volta. Mesmo a distância, porém, ela celebrou o reconhecimento e as duas premiações ao filme. Segundo o júri da Anistia Internacional, o documentário “expõe a repressão sofrida por estudantes na defesa do acesso à educação livre”. A Fundação Heinrich Böll, por sua vez, concedeu o Prêmio da Paz ao documentário por sua condição de “expoente do cinema comprometido com a coragem cívica”.

Confira abaixo a entrevista de Nayara ao Vermelho.

Vermelho: O filme Espero Tua (Re)Volta, do qual você é uma das protagonistas, saiu premiado logo em sua estreia em festivais. Como você recebeu a notícia da premiação?
Nayara Souza: Estávamos todos na expectativa da primeira estreia do filme. Começou quando recebi a notícia sobre a data do Festival em Berlim e vi que batia com compromissos do movimento estudantil. Estava ajudando a construir a Bienal da UNE em Salvador e não pude ir a Berlim.

Mas fui muito bem representada pelas companheiras do filme [a diretora Eliza Capai e a personagem Marcela Jesus participaram do festival]. Mantivemos o contato constante até a premiação, que nos encheu de orgulho e esperança em seguir lutando. Foram os primeiros de um caminho longo a se percorrer com essa história.

Vermelho: Você já teve contato com a equipe do filme depois dos prêmios em Berlim?
NS: Conversei com o Koka e Marcela, companheiros com que dividi a narração do filme, e também falei com Eliza, a nossa diretora, que aguentou com muita paciência e carinho essas três mentes incessantes ao longo das gravações. Estamos cheios de expectativas e vibrantes com os resultantes do Festival em Berlim. Entre nós, depois de todas as matérias jornalísticas, brincamos: “Da luta dos estudantes para o mundo. Bolsonaro que se cuide, porque estamos famosos” (risos).

Vermelho: Como ocorreu a aproximação entre você e a diretora Eliza Capai?
NS: Durante o escândalo de roubo das merendas nas escolas de São Paulo, somado à resistência dos estudantes ao governo tucano no estado, ocupamos a Assembleia Legislativa, em 2016. Foi uma das mais históricas ocupações dos últimos tempos. Eliza nos enviou mensagem pelo Facebook, pediu pra gravar algumas imagens. Ela chegou para ficar um dia e foi embora com a gente, no final da ocupação, quatro dias depois.

Hoje, ela conta que dizia: “Precisamos fazer um filme sobre isso”. Foi na ocupação da Câmara Municipal, contra as privatizações de Doria, que fui convidada por ela a narrar essa história [em 2017, estudantes e ativistas ocuparam a Câmara dos Vereadores em protesto contra o pacote de privatizações do então prefeito, João Doria (PSDB)].

Vermelho: As ocupações estudantis começaram em novembro 2015 e continuam em evidência. Além de filmes, foram pautas de matérias e até livros. Ali, no calor da hora, você já tinha dimensão de que se tratava de um movimento histórico?
NS: Acredito que, no momento em que a luta política é travada, nunca temos real dimensão de sua expressão histórica. Não só as ocupações, mas, de 2013 até aqui, as influências, marcas e consequências foram desenhando nossos destinos. Certamente, sabíamos que as ocupações e as lutas dos estudantes eram expressões grandes demais. Hoje, sabemos que são legados históricos.

Vermelho: E quais os legados dessas ocupações? Como aquele processo influenciou o movimento estudantil e a luta pela educação no Brasil?
NS: As ocupações das escolas em 2015, a ocupação da Alesp e do CPS (Centro Paula Souza.) em 2016, a ocupação da Câmara Municipal em 2017 são marcos que deixam inspiração aos estudantes brasileiros. Os estudantes de São Paulo, nas ocupações das escolas, derrotaram o principal líder tucano do País, o que resultou, em 2018, em uma votação inexpressiva do candidato Alckmin, vulgo “ladrão de merenda”. Para as escolas, houve a vitória de não terem implementado a reorganização que fecharia colégios estaduais. O legado maior é a convicção de que só a luta muda a vida, a coragem em resistir e o amor pelas pautas justas

Vermelho: Quais são as bandeiras de lutas atuais do movimento estudantil? Como as entidades estão se preparando para enfrentar os governos Bolsonaro e Doria?
NS: A principal bandeira hoje é a educação pública, gratuita e democrática. Sou do movimento universitário. Defendemos de maneira inegociável a universidade como espaço do livre pensar, a manutenção da liberdade de cátedra e das formas de organização do povo.

A ordem, agora, é incendiar as instituições de ensino, a fim de defender as entidades estudantis e a educação como forma de elevação da consciência do povo. É guerra apenas contra a intolerância, o ódio e o cerceamento do direito ao conhecimento. Para nós, um mundo de paz!