Dandara dos Santos recebe homenagem nos dois anos de sua morte

Um ato ecumênico realizado nesta sexta-feira (15), em Fortaleza, marcou os dois do assassinato da travesti Dandara dos Santos, ocorrido no bairro Bom Jardim, na capital cearense. O crime, por sua brutalidade, teve grande repercussão e motivou a apresentação de um projeto de lei para classificar como crime hediondo o chamado “lgbtcídio”.  A homenagem à Dandara ocorre na mesma semana em que o Supremo Tribunal Federal (STF) retomou a discussão sobre a criminalização da LGBTfobia.

Dandara dos Santos - Foto: Arquivo de Sílvia Cavalleire

"É a primeira vez que temos um ato nesse sentido: ecumênico em função da memória de uma mártir LGBT. Dandara, sem desejar isso, emprestou sua morte para que as pessoas travestis e trans tivessem mais visibilidade e recebessem a atenção da sociedade e do estado, para conquistar respeito e políticas públicas de cidadania", conta a ativista e integrante da União Nacional LGBT, Sílvia Cavalleire.

"No Ceará, temos o Decreto 32.226/2017, que reconhece as identidades de gênero e adota o nome social nos serviços públicos estaduais. A portaria 30/2017, da Polícia Civil, acolhe as mulheres trans e travestis nas Delegacias de Defesa da Mulher, em casos de violência doméstica e familiar. A importância desse ato é não deixar que essa figura tão importante seja esquecida. E mais: que seja acolhida por diferentes crenças e credos. Travestis só querem duas coisas: viver e respeito", completa a ativista.

Em Fortaleza, uma lei municipal definiu 15 de fevereiro como Dia Municipal de Enfrentamento à Transfobia. Na data, conforme a lei, o município deve promover "ações e parcerias a fim de divulgar a referida data, e de incentivar o combate à transfobia".

Projeto de Lei Dandara

Entre janeiro e setembro de 2018, cerca de 125 pessoas transgênero foram assassinadas no Brasil. É o maior número de mortes registrado entre 72 países pesquisados pela Organização Não Governamental Transgender Europe.

“Vivemos numa sociedade intolerante e nesse novo cenário político precisamos reafirmar cotidianamente o nosso compromisso em defesa das pessoas LGBT. Infelizmente o Brasil ainda é o país que mais assassina LGBT no mundo e as pessoas trans são as mais atingidas”, explica Mitchelle Meira, militante de Direitos Humanos.

Para criminalizar a violência contra estas pessoas, a deputada Luizianne Lins (PT-CE)apresentou na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 7292, que torna hediondo o LGBTcídio. A proposta recebeu o nome de Projeto de Lei Dandara dos Santos. “As pessoas precisam saber que cometer qualquer injustiça com alguém que tenha uma sexualidade diferente da heterossexual é crime, e quando se torna crime hediondo a punição fica muito mais grave”, explicou a deputada.

Segundo Mitchelle, o projeto é um instrumento "para que os crimes como o da travesti Dandara não caiam no esquecimento, pois ninguém merece ser torturada e massacrada pela sua identidade de gênero ou orientação sexual”.

Dandara é tema de livro

A inspetora de Polícia Civil, Vitória Holanda (foto à direita), é autora do livro "O Casulo Dandara", ainda a ser lançado. A obra relata a infância, adolescência, descoberta da sexualidade, aceitação, transexualidade e relacionamento de Dandara dos Santos com a família. A autora conheceu a travesti ainda na infância, no bairro Conjunto Ceará, em Fortaleza. Eram amigas, brincavam e dividiam particularidades da vida, sobretudo com a chegada da adolescência. Aos 20 anos, Dandara se reconheceu enquanto travesti e, aos poucos, foi fazendo modificações no corpo.

Além das histórias pessoais, o livro relata a investigação do assassinato de Dandara. feita equipe de policiais que a autora integra. "Ninguém se torna policial e espera investigar o homicídio de alguém que você ama. Descobrir como aconteceu e quem foram os autores do homicídio de Dandara foi a mais difícil tarefa que recebi do destino em todos os meus anos de polícia", afirma Vitória Holanda.

O lançamento de "O Casulo Dandara" ainda depende do apoio de editoras interessadas em publicar as peculiaridades da vida de uma das personagens transexuais cuja história chocou o Ceará e o Brasil. "O livro é uma homenagem a todas as travestis que ousaram em mudar de corpo e identidade e resolveram encarar o lado escuro de suas escolhas, que preferiram trocar a paz de uma vida convencional pela rua, que resolveram viver e buscar a felicidade", diz a autora.

Assassinato brutal

A travesti Dandara dos Santos foi morta a tiros depois de ser espancada a socos, chutes e pauladas. A morte foi gravada por celular e divulgada na internet.

Em abril de 2018, a Justiça condenou cinco acusados da morte de Dandara: Francisco José Monteiro de Oliveira Júnior foi condenado a 21 anos de prisão, por homicídio triplamente qualificado: motivo torpe, meio cruel e surpresa (recurso que impossibilitou a defesa da vítima). Jean Victor Silva Oliveira, Rafael Alves da Silva Paiva e Francisco Gabriel Campos dos Reis foram condenados a 16 anos cada, também por homicídio triplamente qualificado. Já Isaías da Silva Camurça foi condenado a 14 anos e seis meses por homicídio duplamente qualificado (motivo torpe e meio cruel). Em 23 de outubro de 2018, o Conselho de Sentença da 1ª Vara do Júri de Fortaleza condenou, a 16 anos de prisão, Júlio César Braga da Costa, um dos acusados de participação na morte de Dandara dos Santos. O assassino recorreu, mas não poderá responder em liberdade.