Orlando Silva: Bolsonaro e o “perigoso terreno da galhofa”

A posse de Jair Bolsonaro tem menos de um mês, mas o festival de erros primários, recuos, novos erros, gafes políticas e diplomáticas é tamanho que já dá um volume na Barsa do nosso folclore político. Some-se a isso as contradições e disputas entre os núcleos de poder do bolsonarismo e a crise política envolvendo o filho do presidente. O resultado não poderia ser outro: o governo nasce velho e desgastado.

Por Orlando Silva*

Orlando Silva - Richard Silva/PCdoB na Câmara

A crítica política, que nos primeiros dias preferiu creditar as sucessivas lambanças como desacertos naturais de nova gestão, já passa a ficar alarmada com o evidente despreparo de figuras centrais da administração, a começar do próprio mandatário.

E é para se preocupar mesmo.

É fartamente divulgado pela mídia que o pseudofilósofo Olavo de Carvalho é uma espécie de guru intelectual (risos) do clã Bolsonaro. Segundo foi noticiado e jamais negado, duas indicações ministeriais são de sua lavra: Educação e Relações Exteriores, dois dos quadros do 1º escalão que se destacam pela inépcia.

O Ministério da Educação já mostrou seu cartão de visitas na patacoada da portaria dos livros didáticos. As Relações Exteriores, caso a parte, de cortar o coração, pelos 200 anos de brilhantismo do Itamaraty. O chanceler é um fanático que quer inaugurar uma “nova era” na política externa brasileira, transformando-a numa edícula do Departamento de Estado dos EUA. A "era" Ernesto Araújo já nos rendeu uma retaliação da Arábia Saudita, nosso principal comprador de frango; pode nos render ainda uma guerra em nossas fronteiras amazônicas pela ridícula ingerência na Venezuela.

Aqui temos uma primeira grande contradição no governo: entre o núcleo militar e o olavismo. O vice-presidente, general Hamilton Mourão, já colocou em total descrédito o ministro – mostrou-se reticente quanto à questão da mudança da embaixada em Israel e declarou que o Brasil não fará parte de nenhuma intervenção na Venezuela.

Outra contradição, que fatalmente virá à tona com a proposta de Reforma da Previdência a ser enviada ao Congresso, opõe o núcleo militar e o econômico. O grande interesse por trás da reforma é privatizar o sistema previdenciário brasileiro. No fundo, é o que interessa a Paulo Guedes e à turma do rentismo. Mas como acabar com a aposentadoria de milhões de trabalhadores privados e manter intacto o regime dos militares? A briga será sangrenta. Não à toa, o presidente sequer citou a palavra "Previdência" nos seis minutos do discurso relâmpago em Davos.

A viagem ao Fórum de Davos, aliás, é um prodígio da humilhação pública autoproduzida. O minidiscurso, o almoço isolado no bandejão, as loucuras da Damares, as sucessivas fugas da imprensa e dos compromissos agendados fizeram do Brasil não apenas uma decepção geral, mas uma chacota mundial. Como voltar a ser levado a sério depois de Davos?

Mas, como nada é tão ruim que não possa piorar, a crise para valer ficou na Terra de Santa Cruz.

A investigação sobre Flávio Bolsonaro saltou de inexplicáveis movimentações financeiras a ligações com o crime organizado, em dias. Cada vez que o filho do presidente vai à Record apresentar uma nova versão, sua situação piora. Cada vez que Queiroz dribla o Ministério Público fica mais indefensável que o ministro da Justiça se mantenha em silêncio obsequioso.

Não adianta o presidente tentar jogar o “garoto” ao mar. A crise já está no Palácio do Planalto.

O balaio de gatos que é o partido do presidente está conflagrado. Deputados do PSL que vistaram a China, a convite do governo do país, têm sido perseguidos nas redes sociais pela patrulha olavista e do clã Bolsonaro, essa turba de doentes que enxerga no Papai Smurf um perigoso doutrinador marxista. Os parlamentares, sentindo-se abanadonados pelo chefe, já ameaçam se voltar contra as pautas governistas, nominalmente a Reforma da Previdência.

O novo Congresso tomará posse no dia 1° de fevereiro, a temperatura política tende a se elevar, ainda mais quando o governo tem compromisso com o erro.

Vejo-me obrigado a recorrer a Stanislaw Ponte Preta para definir o momento que atravessamos: o presidente Jair Bolsonaro e seu governo aproximam-se do "perigoso terreno da galhofa". Em política, isso não costuma terminar bem.