Sem explicações razoáveis para dar, clã Bolsonaro ataca a imprensa

Bolsonaro e sua trupe estavam deslumbrados com a narrativa criada pela imprensa de que ele seria o "grande astro" em Davos. Quando esta mesma imprensa noticiou que sua participação no Fórum Econômico foi um fiasco, a trupe bolsonarista se revoltou. Some-se a isso o noticiário negativo envolvendo o filho mais velho do presidente e já temos a explicação do porquê a imprensa se transformou nesta semana em saco de pancadas do bolsonarismo nas redes sociais.

coletiva davos

O presidente Jair Bolsonaro decidiu cancelar uma entrevista coletiva que concederia nesta quarta-feira (23) a jornalistas em Davos, no Fórum Econômico Mundial. Não só Bolsonaro, mas também os ministros Paulo Guedes (Economia), Ernesto Araújo (Relações Exteriores) e Sergio Moro (Justiça) deram o cano na imprensa. Jornalistas estrangeiros —portugueses, mexicanos, suíços, alemães e chineses— ficaram estupefatos com o cancelamento do evento, comunicado oficialmente pela organização do Fórum 17 minutos após o horário em que a entrevista começaria.

A assessoria de comunicação do presidente tentou organizar uma declaração dele antes do encontro bilateral com o premiê italiano, Giuseppe Conte, mas o brasileiro se recusou, alegando falta de tempo.

Um assessor da Presidência disse a repórteres que aguardavam o presidente no hotel que o cancelamento da entrevista coletiva se deu devido à “abordagem antiprofissional da imprensa”. O assessor certamente se referia ao noticário amplamente negativo que se sucedeu ao breve e decepcionante discurso que Bolsonaro proferiu na véspera ao abrir um dos paineis do Fórum. "Fiasco", "grande fracasso", "decepcionante", "curto demais", "raso", "abaixo das expectativas" e "genérico" foram alguns dos adjetivos que povoaram a cobertura da imprensa brasileira e estrangeira à estreia do presidente Bolsonaro em evento internacional. 

Narrativa dos bandidos

Irritado com o "comportamento" da imprensa que, vejam só, insiste em noticiar os fatos, Bolsonaro foi ao Twitter provocar. Publicou uma foto em que aparece mexendo no celular, com a legenda: "Bolsonaro usando sua arma mortal que deixa a imprensa aterrorizada".

Seu filho Carlos Bolsonaro também protestou e classificou como "bandidos" os críticos do discurso realizado pelo pai. "A narrativa dos bandidos agora é que o discurso do Presidente Bolsonaro em Davos foi um fiasco. É inacreditável!! Eu imagino o Brasil governado mais 4 anos pelos amigos PT, PSOL e PCdoB. Acabaríamos! A começar pela representação física à posse do ditador venezuelano!", disparou o vereador.

A irritação do clã Bolsonaro com a imprensa obviamente não se deve apenas ao episódio de Davos. Sem ter como responder de forma satisfatória à saraivada de manchetes noticiando as movimentações financeiras atípicas, suspeitas de lavagem de dinheiro e suposto envolvimento do senador eleito Flávio Bolsonaro com as milícias do Rio, o bolsonarismo se desestabilizou e o presidente e seus apoiadores mais próximos passaram a atacar a imprensa como forma de defesa. Uma atitude até certo ponto injustificável para quem assumiu o cargo anunciando que "o poder popular" não precisava mais da intermediação da imprensa, que tudo seria comunicado e resolvido pelas redes sociais.

Redes sociais: robôs em ação

E foi justamente nas redes sociais, terreno no qual os Bolsonaros se sentem mais à vontade, que os ataques à imprensa ganharam forma e conteúdo e se espalharam para além da família presidencial.

Esta quarta-feira (23) já é o terceiro dia seguido de ataques contra a imprensa organizados pelos grupos bolsonaristas. Na segunda-feira (21), passaram o dia alimentando a tag #EstadaoFakeNews por causa de uma reportagem do Estadão que mostrava que os grupos pró-Bolsonaro nas redes sociais tinham perdido força da eleição pra cá. Na terça (22), foi a vez da Globo virar alvo com a tag #Globolixo, uma resposta dos bolsonaristas às revelações do jornalismo da emissora sobre investigações do Ministério Público que lançam suspeitas sobre a movimentação financeira de Flávio Bolsonaro. Hoje, voltaram à carga contra a Globo subindo a tag #LaranjalDaGloboNews. A tag é uma provocação ao canal de notícias que teve um de seus profissionais, o jornalista Roberto D'Avila, citado em uma das mirabolantes delações premiadas do ex-ministro Antonio Palocci.

Especialistas em comunicação digital apontam que boa parte das postagens feitas pela rede bolsonarista partem de robôs, perfis falsos contratados por agências para fazer "bombar" determinados assuntos nas redes sociais. Um indício claro é o fato de várias tags criadas por esta rede para repercutir assuntos de interesse estritamente nacional chegar aos Trending Topics do Twitter de países como Malásia, Ucrânia e Bielorrússia. Foi o que aconteceu com a tag #FlavioPresidente. A hashtag de apoio ao senador eleito veio como uma resposta à repercussão negativa das novas denúncias que apontam uma suposta ligação entre o filho de Jair Bolsonaro, a milícia carioca e suspeitos de envolvimento no assassinato de Marielle Franco.

O uso desses bots não é novidade na rede bolsonarista. Um levantamento divulgado em setembro, ainda durante a campanha presidencial, apontou que cerca de 33% dos perfis que seguiam o então candidato Jair Bolsonaro eram falsos e controlados por computadores.

Mourão manda indireta

Em postagem no seu perfil no Twitter, o vice-presidente Hamilton Mourão tratou de delimitar o terreno e registrar com clareza solar a diferença entre ele e o clã Bolsonaro. "Quero agradecer a atenção e cumprimentar pela dedicação, entusiasmo e espírito profissional a todos os jornalistas que me recebem na minha chegada e de mim se despedem quando deixo o anexo da Vice-presidência. Boas matérias a todos!", postou Mourão.

Precisa ser muito ingênuo para não enxergar esta declaração como uma indireta para o titular do Planalto e um recado para o mundo político. O afago de Mourão aos jornaistas foi publicado no mesmo dia em que a imprensa nacional e internacional inundou o noticiário com manchetes negativas para Bolsonaro e poucos minutos depois que o próprio presidente retrucou com um tuíte infantil ironizando a imprensa.

Resta saber se os grupos de poder que sustentam o atual governo vão continuar satisfeitos com um mandatário fraco que não consegue lidar com pressões, foge da imprensa e acha que pode se esconder atrás dos 280 caracteres do Twitter ou se sentirão mais seguros e mais bem servidos com um general cínico, porém francamente aberto ao diálogo.

Da redação, Cláudio Gonzalez, com agências