Rio Grande: reconhecimento internacional por valorizar povo africano

 Em homenagem às iniciativas, projetos e ações desenvolvidas pela Secretaria de Município de Cidadania e Assistência Social (SMCAS) e o Grupo de Trabalho Intersetorial para o Desenvolvimento Sustentável dos Povos Tradicionais de Matriz Africana, a Prefeitura Municipal do Rio Grande (RS) recebeu uma carta do Palácio de Oyo, assinada pelo Prince Totoola Adeyemi, secretário particular do Rei de Oyo, estado e cidade localizados na Nigéria, continente africano.

Rio Grande Afro - Foto: Divulgação

O Alaafin, rei de Oyo, Dr Lamidi Olayiwola Adeyemi III, considerado o supremo guardião da história e costumes das terras Yorubás, importante povo tradicional africano, reconheceu e parabenizou "o trabalho de resgate, reconhecimento, empoderamento e promoção de desenvolvimento sustentável dos Povos Tradicionais de Matriz Africana" realizado pela Prefeitura e pelo Fórum Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional dos Povos Tradicionais de Matriz Africana (FONSAN/POTMA).
Segundo o Dr. Lamidi, as duas instituições brasileiras têm realizado um importante trabalho, na legislação nacional, na discussão, criação e implementação de políticas públicas que reconhecem os valores civilizatórios africanos e afro-brasileiros. Esses trabalhos evidenciam a existência de uma visão de mundo oriunda do continente africano, que leva em consideração a relação com o sagrado, o respeito a ancestralidade, o uso  equilibrado dos  recursos naturais e as formas de viver coletivamente.

Histórico de ações e projetos

Em 2014, a partir da Conferência Regional do Povo de Terreiro, ocorrida no município de Rio Grande, surgiu a demanda pela criação de um conselho municipal. Após, um decreto promulgado pelo prefeito Alexandre Lindenmeyer, em 2017, criou o supracitado Grupo de Trabalho Intersetorial para discussão e construção de propostas de políticas públicas de promoção do Desenvolvimento Sustentável destes povos, buscando um resgate social e histórico, de caráter reparatório, uma vez que a cidade de Rio Grande é a mais antiga do estado do RS, e por conta de seu super porto, por lá adentraram a grande maioria de negras e negros escravizados do RS. O objetivo deste grupo de trabalho é a criação e discussão de propostas que envolvam políticas e legislações em prol destes povos, como foco mas relações institucionais entre governo, povos tradicionais e cidades no continente africano.

No ano de 2017, em conformidade com os temas discutidos na conferência e a criação do grupo de trabalho, foi realizado o 1º Seminário Municipal dos Povos de Matriz Africana, celebrado no Salão Nobre Deputado Carlos Santos, da Prefeitura Municipal. Nesse seminário, cinco instituições, ARUTEMA, URUMI, COREMSDRAB, URUCA e Instituto Cultural Filhos de Aruanda, representantes dos Povos e Comunidades Tradicionais presentes em Rio Grande, assinaram uma carta conjunta onde solicitavam algumas demandas ao Executivo Municipal. As demandas permeavam temas como o reconhecimento institucional dos povos, suas práticas e saberes, a regularização fundiária das comunidades tradicionais, segurança alimentar, através do Direito Humano a Alimentação Adequada, reconhecido internacionalmente, entre outros.

Após análise do Grupo de Trabalho Intersetorial sobre as demandas apresentadas, a viabilidade das propostas elaboradas pelo grupo foram analisadas e aceitas pelo chefe do poder executivo municipal, como medidas de trabalho que poderiam ser adotadas. Em resposta as demandas, foram criados projetos que buscam valorizar e preservar cada vez mais a cultura e as práticas dos povos tradicionais presentes na cidade.

Ações em andamento

Em conformidade com as medidas já em andamento, o secretário Adjunto de Cidadania e Assistência Social, Chendler Siqueira, que é do Povo Tradicional de Matriz Africana Yoruba, e também coordenador desse Grupo de Trabalho, enviou os projetos para a Dra. Paula Gomes, que trabalha como Embaixatriz Cultural da cidade e do estado de Oyo, na Nigéria, localizada no continente africano. Segundo ele, o objetivo era propor parcerias institucionais e ainda conseguir o alinhamento do que estava sendo feito no município com o que ainda é vivenciado na África.

Além desta proposta inicial, outro ponto importante destacado pelo secretário é a relação de pertencimento desse povo, pois de acordo com ele “o crime de lesa-humanidade, que foi a escravizadão transatlântica, retirou o direito de cada ser, que para cá veio raptado de sua terra e cultura de origem, de pertencer a um povo. Essa instituição de relações sociais e institucionais entre as cidades foi prevista no decreto promulgado em 2017, pois uma das propostas é estabelecer cidades co-irmãs, com a ligação entre o município de Rio Grande e cidades do continente africano.

O contato com a cidade de Oyo, segundo Chendler, resultou numa possibilidade concreta, de oficialização das relações entre as duas cidades. Além disso, a proposta contém medidas de reparação ao período da escravidão, restabelecendo a ligação entre os povos africanos residentes no próprio continente e aqueles povos em diáspora, e seus descendentes, que residem no Brasil.

Os principais projetos em andamento na Prefeitura rio-grandina dizem respeito a um mapeamento dos povos de matriz africana, suas práticas e saberes ancestrais, assim como o projeto sobre a segurança alimentar dos povos dentro de instituições públicas que oferecem alimentação diariamente, respeitando as restrições alimentares tradicionais/culturais, proporcionando uma segunda opção de alimentação, bem como o levantamento dos ingredientes mais utilizados por estes povos e a sua inclusão nos cardápios dessas instituições. O secretário Chendler Siqueira diz que alguns povos têm restrições alimentares, não consomem certos alimentos, mas apenas aqueles que fazem parte da sua cultura, dos hábitos do seu povo.

Em Rio Grande, já existem 135 famílias inscritas no Cadastro Único. Porém, a ideia é fazer o mapeamento para ter uma ideia mais completa sobre o número real de famílias descendentes de povos tradicionais. Outros dois projetos são o Caminhos Negros, que visa mapear e identificar locais históricos de concentração da comunidade negra, resgatando a história desses locais e instituindo um circuito a ser percorrido com alunos das instituições de ensino e demais municípios e turistas, e a criação de áreas de preservação cultural no Plano Diretor do Município, incluindo os povos e comunidades tradicionais de matriz africana nessas áreas.

Já o Fórum Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional dos Povos Tradicionais de Matriz Africana (FONSANPOTMA) além de todas as ações nacionais discutidas e executadas, apresentam 02 propostas nacionais de reconhecimento e empoderamento do nosso povo. A Campanha #TradiçãoAlimentaNãoViolenta, que versa sobre a segurança alimentar e o Direito Humano a Alimentação Adequada (DHAA), onde internacionalmente é reconhecido o direito de nos alimentarmos conforme nossos costumes, mantendo a tradição repassada por gerações através de nossos ancestrais. E a campanha #SagradasMulheresÁguas, pela nacionalização do dia de Iyemanja. Discutindo o empoderamento feminino, através das divindades das águas, Iyemanja para o povo Yoruba, Aziri para o povo Jeje (Ewe fon) e Kaya para o povo Bantu. Tendo a possibilidade real de obtermos o primeiro feriado nacional a partir dos povos tradicionais de matriz africana.

Reprodução da carta recebida por Riol Grande

Leia a íntegra da carta de reconhecimento:

Venho em nome de Sua Majestade Oba (Dr) Lamidi Olayiwola Adeyemi III, Rei de Oyo, o supremo guardião da história e costumes das terras Yorubas para enviar nossas saudações.

Sua Majestade Imperial vem por este meio reconhecer e parabenizar o incansável trabalho de resgate, reconhecimento, empoderamento e de promoção de desenvolvimento sustentável dos Povos Tradicionais de Matriz Africana, realizado pela Prefeitura Municipal da cidade do Rio Grande, no estado do Rio Grande do Sul, e pelo Fórum Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional dos Povos Tradicionais de Matriz Africana (FONSANPOTMA).

Essas duas instituições brasileiras têm realizado um importante trabalho, na legislação brasileira, de discussão, criação e implementação de políticas públicas que reconhecem os valores civilizatórios africanos e afro-brasileiros. Esses trabalhos evidenciam a existência de uma visão de mundo oriunda do continente africano, que leva em consideração a relação com o sagrado, o respeito a ancestralidade, o uso equilibrado dos recursos naturais e as formas de viver coletivamente.
Ressaltamos a importância de ações como as realizadas por essas duas instituições brasileiras para a promoção do reconhecimento e a preservação dos valores levados pelos nossos ancestrais africanos, quando sequestrados, na condição de seres escravizados, e que contribuíram de forma contundente para a formação não só da cultura popular, mas sim para a estruturação da nação brasileira como um todo.

Por favor, aceite os meus os mais altos cumprimentos.

Prince Totoola Adeyemi
Secretário particular do Alaafin (Rei de Oyo).