Crise do Brexit desafia o governo conservador e a democracia

 O acordo para a saída britânica da União Europeia (UE), ou Brexit, foi rechaçado na votação desta terça-feira (15) no Parlamento do Reino Unido por uma margem de mais de 200 votos. A derrota do governo conservador de Teresa May gerou uma crise que poderá levar à queda da Primeira-Ministra e uma vitória do trabalhista Jeremy Corbin.

Brexit

 O diário The Guardian classifica esta como a "maior derrota parlamentar de um primeiro-ministro na era democrática" e o líder da oposição Jeremy Corbyn, do Partido Trabalhista, propõe um voto de desconfiança no governo que poderia adiantar as eleições previstas para 2022. Líderes da UE pedem esclarecimentos e discussões sobre um novo referendo, um novo governo e a reforma do bloco europeu têm se agudizado.

O prazo para o Brexit é 29 de março de 2018 lembra o executivo da UE. Jean-Claude Juncker, presidente da Comissão Europeia, diz que o bloco está se preparando para uma saída sem acordo, apressando o Reino Unido a esclarecer intenções, como também demandou o presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk.

O acordo foi negociado entre o Conselho Europeu e a primeira-ministra do Reino Unido, Teresa May, à frente do governo Conservador desde que David Cameron demitiu-se em 2016, precisamente devido à sua derrota no referendo que convocou naquele ano. Críticos consideraram esta uma manobra arriscada e os eleitores decidiram pela saída da UE.

A votação no Parlamento havia sido adiada por May, na esperança de angariar mais apoio, causando tensões no Parlamento. Após expressivo protelamento, a proposta de decisão sobre o acordo foi adotada pelo Conselho Europeu em 11 de janeiro e seria enviada ao Parlamento Europeu para aprovação por maioria simples a seguir. Depois, voltaria ao Conselho para aprovação por maioria qualificada de ao menos 65% da população e ao menos por 20 dos estados membros.

Após o resultado de 432 votos contra o acordo, inclusive de parlamentares conservadores, com apenas 202 votos favoráveis, Corbyn já propôs uma moção contra o governo com apoio dos líderes dos outros partidos de oposição. Embora o noticiário enfatize que May sofreu uma derrota histórica, o Guardian considera provável que seu governo sobreviva, contando inclusive com o apoio do Partido Unionista Democrático, nacionalista britânico de direita, da Irlanda do Norte.

Uma das principais questões debatidas ao longo das negociações foi a fronteira entre a República da Irlanda, que segue na UE, e a Irlanda do Norte, parte do Reino Unido, com discussões sobre uma barreira na fronteira e o que isso significaria para o acordo de paz de 1998 entre ambos os países, assim como para a interligação entre as duas economias. Um parlamentar conservador marcadamente racista, ex-chanceler no próprio governo May, Boris Johnson sugeriu em 2018 que a Irlanda do Norte fosse submetida ao controle de fronteiras após o Brexit. Mas o acordo incluiu à última hora garantias de que esta fronteira seguiria aberta e o Reino Unido teria que negociar com a UE caso decidisse levantar uma barreira.

Propostas ja surgiram  nesta quarta-feira(16). A premiê buscou reunir-se com partidos sem incluir Corbyn. Conservadores opostos ao seu plano propõem outros cronogramas de debate e votação, inclusive sugerindo pedir à UE que estenda o prazo, ou impulsionar propostas por um segundo referendo. Pode ser ainda que até 100 parlamentares trabalhistas pressionem por um novo referendo, segundo Sky News.

Posição dos comunistas

O secretário-geral do Partido Comunista da Bretanha (CPB) Robert Griffiths emitiu uma declaração na terça-feira (15) afirmando que a votação indica que muitos parlamentares não têm intenção de permitir qualquer saída, "nem mesmo com a falsa oferta do governo Tory e da UE". Diz que May, o secretário do Tesouro Philip Hammond, muitos parlamentares e a Comissão Europeia têm um objetivo comum, manter o país atado às regras do Mercado Comum e da União Aduaneira da UE, o que "obstruiria gravemente muitas das políticas da esquerda e progressistas em um governo futuro liderado pelos Trabalhistas."

Também argumenta que o governo May deveria se demitir antes que sua estratégia prejudique ainda mais a economia do país e que uma eleição geral deve ser realizada no início de março, para que um governo Trabalhista liderado por Corbyn possa negociar um novo conjunto de relações pós-Brexit com a UE. Caso isso não ocorra, defende que ainda assim o país deve sair da UE no fim de março sob as regras da Organização Mundial do Comércio.

O secretário de comunicação do CPB, Nick Wright, afirmou, em carta de 3 de janeiro ao The Guardian, que os comunistas se opõem ao euro-federalismo e à entrega da soberania do país à UE neoliberal, denunciando a financeirização, as “sentenças antissindicalistas da Corte Europeia de Justiça”, as “restrições à ajuda do estado à indústria, os obstáculos à propriedade pública e a corrida para militarizar a UE”. Considera o bloco um instrumento irreformável que serve para “empobrecer a periferia continental e o povo trabalhador de cada país”, afirmando que os comunistas querem uma saída popular. Preocupa-se ainda com a chance de traição do voto pelo Brexit fortalecer o direitista Ukip (Partido da Independência do Reino Unido).

O Partido Comunista da Bretanha Marxista-Leninista (CPBML) dizia às vésperas da votação que a maioria parlamentar a favor da permanência na UE tentaria um golpe para sabotar o resultado do referendo, em que 17,4 milhões de britânicos votaram pela saída. "Na prática, qualquer coisa pode acontecer. Afinal, temos um Parlamento fundamentalmente [a favor da] Permanência — e um governo também fundamentalmente [a favor da] Permanência”. As forças anti-democráticas, continua, não querem que outro referendo seja realizado e tentarão postergar, estender a negociação pela saída, envolver o país numa série de negociações impossíveis para que o referendo de junho de 2016 seja esquecido. Mas o povo defenderá seu voto, garante.

Em seminário intitulado "Trump, Brexit, Corbyn e a estratégia comunista", na Universidade Comunista de 2018, Jack Conrad, do Partido Comunista da Grã Bretanha (CPGB), faz uma análise do cenário regional e internacional. Diz que, a princípio, esperava que o establishment agisse, ou que Cameron vencesse no referendo. Considera ainda que qualquer Brexit contraria os interesses do grande negócio, apesar de haver alguns capitalistas fora do roteiro neste quesito. Os representantes do grande capital reúnem-se mensalmente com Teresa May; a mensagem na mídia a respeito é a de que tentam salvar o Reino Unido do Brexit, mas que se a saída ocorrer, levarão suas indústrias para outros países. Conrad avalia que a mídia dedicou-se à propaganda contra um acordo desfavorável com temas que levantavam temor. Ademais, presumindo que Boris Johnson é o favorito dos Conservadores para substituir May, nota a pesada campanha contra o Trabalhista Corbyn, líder da oposição, com acusações diversas, inclusive a de antissemitismo, propagadas pela mídia. A campanha deve se intensificar caso o cenário eleitoral seja adiantado, com Corbyn como possível aposta das forças progressistas a ser combatida pelos conservadores