Ítalo Coriolano: Como será o “pós-guerra”?

“Ninguém nasce bandido. Mas no Brasil de hoje a coisa mais fácil do mundo é virar um. De nada vai adiantar essa megaoperação envolvendo até homens da Força Nacional se o vácuo deixado pelo crime não for ocupado rapidamente. A atitude precisa ser outra”.

Por Ítalo Coriolano*

Ataques criminosos no Ceará - Mateus Dantas / Jornal O Povo

Pela primeira vez nos últimos anos, o governo do Ceará resolveu bater de frente com o crime organizado, deslocando os chefes do tráfico para presídios federais e colocando um pouco de ordem na bagunça que é o nosso sistema carcerário. A reação das facções era esperada, tendo em vista que o controle sobre o comércio ilegal de drogas e o domínio de territórios encontram-se ameaçados.

A população parece entender a importância do momento, mesmo que o conflito comprometa o direito de ir e vir e deixe as cidades tomadas pelo lixo ou às escuras. Se for para resolver o problema, é um preço temporário a se pagar. Há em muitas pessoas a sensação de que é agora ou nunca. Pode-se fazer dessa crise uma oportunidade para transformações, um marco no combate à violência, um modelo a ser seguido em outras partes do País.

É certo que o poder público demorou muito para atacar uma das raízes do problema, tendo por vezes até subestimado a força das organizações criminosas. Mas o fato é que houve um real despertar para a questão e não há mais como recuar, sob o risco de entrarmos numa era ainda mais delicada e complexa quando o assunto é segurança.

Mas uma dúvida também é pertinente dentro desse contexto de guerra. O que virá depois da transferência dos líderes das organizações criminosas? O que acontecerá quando essa onda de ataque arrefecer? Ficaremos apenas aguardando a próxima sequência de distúrbios? Encararemos com naturalidade a quantidade de homicídios que dizimam a juventude de Fortaleza?

A repressão das ações criminosas é urgente, isso não se discute. Mas é preciso ir além. A primeira frente de atuação precisa ser na área de inteligência. Fazer esse Centro Integrado de Segurança Pública do Nordeste funcionar, investir e capacitar nossa Polícia Civil. Só assim será possível desarticular as facções e se antecipar a novos ataques.

A outra frente exige um olhar diferenciado para as camadas mais pobres, e isso envolve não só a estrutura governamental, mas igrejas, ONGs, empresários, entidades da sociedade civil, em um grande movimento que proporcione oportunidades para quem foi ignorado por séculos. Trabalhos coletivos de curto, médio e longo prazos que promovam cidadania, que gerem renda de maneira sustentável. A área nobre da Capital, por exemplo, já tem muito: viadutos, parques, praças. A periferia não tem quase nada, ou seja, é um terreno perfeito para quem quer lucrar com delitos. Vamos jogar o grosso dos orçamentos, toda nossa capacidade criativa e de solidariedade para essas regiões. Urgentemente.

São milhões de pessoas que literalmente vivem dentro da lama, sem perspectiva de vida, virando presa fácil para CV, GDE e companhia. Uma garotada com potencial imenso, mas que em situações de extrema pobreza, com famílias desestruturadas, servem de soldados no mundo da marginalidade. Se resistem a isso, acabam mortos.

Ninguém nasce bandido. Mas no Brasil de hoje a coisa mais fácil do mundo é virar um. De nada vai adiantar essa megaoperação envolvendo até homens da Força Nacional se o vácuo deixado pelo crime não for ocupado rapidamente. A atitude precisa ser outra. Não dá mais para ficar enxugando gelo. Não dá mais pra ficar lamentando tragédias diárias.


*Ítalo Coriolano é jornalista.

As opiniões aqui expostas não representam necessariamente a opinião do Portal Vermelho.