Ceder bases militares a estrangeiros é crime, acusou Prestes em 1946

Na Constituinte de 1946 o senador comunista Luiz Carlos Prestes denunciou a ameaça que significa a presença de tropas estrangeiras em território nacional.

Por José Carlos Ruy*

Luiz Carlos Prestes na Assembleia Nacional Constituinte de 1946 l Foto: Arquivo

Ceder parte do território nacional para a instalação de bases militares estrangeiras (mesmo que seja a título de aluguel, como se cogita em relação à base de lançamento de foguetes de Alcântara, no Maranhão) não faz parte da tradição diplomática, muito menos militar, brasileira. Cujos governantes e autoridades diplomáticas e militares tem sido defensores de nossa soberania e independência, e atentos ao desempenho das Forças Armadas de sua função constitucional de defender a integridade de nosso território. Nunca é demais lembrar que o artigo 142 da Constituição Federal de 1988 atribui a elas a defesa da pátria.

Tradição nacionalista e patriótica que o governo do presidente direitista Jair Bolsonaro e seu ministro de Relações Exteriores, Ernesto Araújo, parecem dispostos a romper, ingloriamente, quando cogitam em abrir o território brasileiro para a instalação de uma base militar dos EUA.

Este tipo de ameaça já foi enfrentado, com vigor, faz mais de 70 anos quando, na tribuna da Assembléia Nacional Constituinte de 1946, e pela imprensa partidária, os parlamentares do Partido Comunista do Brasil, então PCB, exigiram a devolução ao país das bases militares que haviam sido cedidas aos EUA em 1942, como parte da contribuição brasileira à luta contra o nazi-fascismo na Segunda Guerra Mundial.

O argumento comunista era o óbvio – tendo a guerra terminado em 1945 não havia mais sentido para a manutenção daquelas bases estrangeiras em território nacional. Elas deviam ser devolvidas ao Brasil.

O debate na Assembléia Constituinte foi marcante, e decisivo. Num discurso, em 26 de março de 1946, o dirigente comunista e senador Luiz Carlos Prestes denunciou, a partir da entrevista que o ministro da Aeronáutica, brigadeiro Armando Trompowsky deu a O Globo um dia antes, a pretensão norte-americana de não devolver as bases aéreas que ocupavam em território brasileiro, em Natal (RN), e a tentativa estadunidense de construir bases aéreas em Porto Alegre e Santa Maria (RS). Prestes, que foi fortemente questionado por parlamentares da direita, acusou: “Li, ontem, com verdadeira revolta, notícias da América do Norte de que é pensamento do governo ianque, adquirir terras no Brasil para a instalação de bases norte-americanas”. E continuou: “Anos atrás, o perigo que os ianques afirmavam existir contra o Brasil, era a Alemanha. Derrotada esta, os americanos descobriram que o novo perigo é a Rússia. E assim, sempre “descobrindo” uma ameaça à soberania brasileira, os ianques, querem, por força, nos socorrer e “se instalarem em nossa casa, com a sua bandeira e os seus tanques”. Mas, disse o dirigente comunista, “tudo tem um limite. O Brasil é soberano e dispensa, por conseguinte, a tutela americana”, sendo assim “dispensável a instalação definitiva em nosso solo, dos americanos”.

Prestes prosseguiu acusando a pretensão estadunidense de construção de instalações bélicas no Rio Grande do Sul, vizinhas portanto da Argentina, que os EUA encaravam como adversária, e tentavam fomentar a cisânia entre nosso país e os platinos.

“O perigo é iminente, o perigo é muito claro, muito próximo. O perigo, infelizmente, é muito grande”, acusou Prestes. “Ainda agora soube que oficiais e sargentos norte-americanos estão ativando a preparação de bases aéreas cujo ritmo de construção havia diminuído. São as bases aéreas de Porto Alegre e Santa Maria. Lá estão especialistas americanos ativando a construção. Quais os objetivos disso? Só podem ser os de uma guerra que o imperialismo ianque está preparando.”

Quando um parlamentar argumentou que o governo do general Dutra havia declarado que as bases no Nordeste já tinham sido devolvidas, Prestes discordou, apoiado novamente na entrevista do brigadeiro Trompowsky, na qual o ministro do governo Dutra dizia o contrário.

Prestes afirmou ainda ser “muito perigosa a existência de soldados estrangeiros no solo de nossa pátria”, numa conjuntura mundial em que os “povos coloniais estão lutando pela independência. Se os homens de tendências democráticas, tanto nos Estados Unidos como na Inglaterra, buscam solução pacífica, caminho pacífico para a saída dessa crise, os elementos reacionários não querem esse caminho, mas buscam a saída pela guerra. Para fazê-lo eles precisam de pontos de apoio, de bases”. E apontou este perigo, “está no solo nacional. Os soldados que estão no estrangeiro já deviam ter regressado a seus países. A guerra desde maio do ano passado [1945] está terminada e não há razão para que permaneçam nas regiões que ocupam”. Prestes concluiu acusando: “A entrega de bases permanentes constitui crime”.

O mesmo crime que a direita, hoje, mais de setenta anos depois daquela denúncia, está disposta a cometer. Crime contra a pátria, contra a soberania nacional, contra a integridade do território e a independência do Brasil. Onde estão os brigadeiros Trompowsky de nosso tempo, com a mesma coragem cívica de denunciar e lutar contra as ameaças à soberania e à independência de nosso país?