O conservadorismo veio para ficar?

O conservadorismo está presente na sociedade brasileira há muito tempo, porém, o termo vem sendo utilizado com bastante frequência no período político atual.

Por Gabriela Pereira, Giulia Tartarotti, Samirah Fakhouri e Lais Barison*

anticomunista

Qual a definição correta de “conservadorismo”? Quais são suas vertentes? O que ele representa no Brasil? A partir do conceito explicado pela cientista social formada pela Universidade de São Paulo (USP), Maria da Penha, percebemos a eminente ameaça do conservadorismo no país e que ele realmente veio para ficar.

Segundo o dicionário Aurélio, “conservador” é aquele que “se opõe às mudanças, não aceitando inovações morais, sociais, políticas, religiosas e comportamentais”. Diante disso, o conservadorismo como movimento defende a manutenção das instituições sociais já estabelecidas, como, por exemplo, a estruturação de uma família tradicional. Se faz contra todas as expressões de indignação como revoluções ou a qualquer tipo de política progressista. Porém, vale ressaltar o fato de que o conservadorismo não apresenta uma linha de ideias definidas, pois ele varia dependendo da cultura local, isto é, manter aquilo que já é estabelecido na cultura.

Em um país como o Brasil, que carrega na bandeira o slogan “Ordem e Progresso”, o selo positivista, o conservadorismo pode ser analisado por determinados pensadores como posições antagônicas, já que se manter na tradição pode muitas vezes ir contra o progresso. Aqueles que apoiam o conservadorismo afirmam que “o movimento é uma forma de manter certas coisas que são absolutamente necessárias para manter a civilização, para que uma sociedade seja um ambiente que se consiga viver”.

Um debate foi realizado entre dois jovens dezoito anos. Um dos participantes carregava consigo ideais mais tradicionais e o outro era adepto de caminhos mais progressistas. Com a ajuda da cientista social Maria da Penha, seu experimento evidenciou os motivos das convicções defendidas por parte da população.

O Nexo Jornal fez uma reportagem em novembro de 2017 sobre como a adesão às visões conservadoras eram baixas na sociedade brasileira. Nas pesquisas, 80% da população acreditava que migrantes beneficiavam a cidade em que chegavam e se instalavam. Atualmente, há uma mudança diante disso, dada a confusão que aconteceu com a entrada em massa de venezuelanos no país, resultando, eventualmente, em casos de morte.

De acordo com a Carta Capital, o Brasil elegeu em 2014 o Congresso mais conservador em 5 décadas. Isso é uma consequência clara da crise política e econômica que cresce desde 2008, e que tomou força a partir do segundo mandato de Dilma Rousseff. Segundo Maria da Penha, o conservadorismo ganha força em meio a momentos de crise, e dá como exemplo a Alemanha da década de 1930, quando Hitler assumiu o governo de um país derrotado na Primeira Guerra Mundial.

No Brasil, esta onda conservadora conquista parcelas da população gradativamente. Uma pesquisa eleitoral do Datafolha aponta que 39% dos eleitores do Bolsonaro estavam na faixa etária entre 16 e 34 anos – uma grande parcela dos jovens aptos a votar. A cientista social afirma, ainda, que existem muitos motivos que geram esses fenômenos: “a falta de ensino acarreta que a família com mecanismo de poder reproduza no filho, e isso acaba conflitando”.

Historicamente, o movimento estudantil sempre marcou presença nas questões sociais e políticas do país. É fato que existem consequências em, no presente momento, existe uma parte que pende para o lado conservador. Como consequência, a entrevistada afirma que “mais negros morrerão, o sangue das mulheres será cada mais derramado e a classe mais pobre sofrerá cada vez mais”. Porém, ressalta: “a gente tem que continuar se esforçando para não ter a barbárie no poder, para que ela não domine.”

Armamentismo versus segurança

Segundo o índice nacional de homicídios criados pelo portal G1, o Brasil registrou mais de 26 mil assassinatos no 1º semestre de 2018. Com o crescimento do conservadorismo, alavancado pelo efeito de massas, Penha deixa claro que “não é de se espantar que a população tenha perdido sua fé no Estado e agora procure meios de assegurar a sua própria segurança”. É dentro deste cenário que surge a discussão sobre a legalização da posse de arma no país.

No debate entre os dois jovens, o tema foi abordado e o principal argumento a favor da liberação das armas baseou-se na importância de garantir ao indivíduo a sua liberdade individual. O estudante favorável alega que a polícia, apesar de essencial, não é onipresente e que a arma de fogo por si só poderia evitar desde uma invasão de propriedade até uma situação de estupro.

O conservadorismo faz acreditar que a solução para a violência se encontra na própria decisão e contraponto da vítima, colocando na mesma a decisão de julgamento sobre quem e qual crime merece o uso da arma. Esse pensamento não é novo na sociedade, como colocado pelo estudante que se pôs contra a legalização: “o segundo grande ponto que me coloca contrário é a relação direta que faço com essa lei à tábua de Hamurabi. Em 3000 antes de Cristo os povos se auto organizavam a partir da violência e da vingança, adotar tal medida é retroceder esses 5000 anos de desenvolvimento social que nos possibilitou dialogar e proteger a vida a qualquer custo”.

A discussão remeteu a um ponto importante dentro do debate: até que ponto a propriedade privada e os objetos físicos do capitalismo se elevaram dentro da importância que é uma vida? O que define o valor e importância da sobrevivência do outro?

Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – Ipea, a proporção de homicídios causados por armas de fogo desde 2003 se mantém em 71,6% em relação aos demais casos, considerando que a posse de armas é de um número baixo de cidadãos brasileiros, o debate rodeia sobre o quanto esse número aumentará caso a legalização realmente aconteça.

Um dos motivos para que hoje se coloquem a favor do porte de armas é a forma inconsciente de “resposta” ao sistema que parece ter falhado em educar e assegurar as ruas, comenta a cientista social Penha.

Há tempos o assunto sobre maioridade penal gira em torno do Projeto de Emenda Constitucional PEC 171/93, que propunha diminuir a idade mínima de prisão para menores de 16 anos, em casos de crimes hediondos – aqueles de extrema gravidade. Entretanto, o estabelecido no Brasil hoje é que legalmente os maiores de 18 anos possam responder criminalmente, previsto pela Constituição Federal; enquanto os menores, de 12 a 16 anos recebam como punições medidas socioeducativas, como consta no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

Com a mudança de governo, somos abordados por um turbilhão de informações, vertentes e valores políticos que devem ser introduzidos nesse mesmo tema. Em uma pesquisa feita pelo Datafolha, 87% dos entrevistados mostraram-se favoráveis à diminuição da maioridade penal no Brasil. Isso faz parte de um inconsciente coletivo que ainda se faz muito presente no país, que trata a violência como castigo em prol de uma “correção”, um aprendizado. Hoje, existem nas cadeias brasileiras cerca de sete mil presos sem a chance de ter uma audiência de custódia inicial. Destes, metade é majoritariamente jovem e, por vezes, negro – sendo que 80% completaram apenas o ensino fundamental – que vai até o quinto ano.

A violência é algo atrelado à infraestrutura urbana, em que as construções voltadas para classes sociais de maiores poderes aquisitivos apropriam-se dos centros das cidades e colocam classes menos abastadas às margens. Nas periferias, a violência acaba demonstrando-se como forma de ocupação dos espaços que lhes restam.

Durante o experimento entre os jovens, foram apontados o status das mídias brasileiras atuais, e ambos entrevistados concordaram que há grande interesse no mercado e alienação, junto com o financiamento do governo de alguns veículos. Entretanto, há uma resistência muito forte em relação às mídias independentes, pelo cunho de “doutrinadoras” que carregam. O contra-argumento das mídias independentes é o fato da liberdade e democracia da informação. Os detentores dos meios de comunicação carregam em si visões sociais mais “fechadas”, evitando polêmicas negativas e consequentemente a perda da audiência. Tal público é constituído por variadas camadas sociais que utilizam esse meio de comunicação como fonte de informação, e acabam construindo uma imagem ruim sobre alguns aspectos por conta do que retratam nos jornais.

Como disse a cientista social Maria da Penha: “pelo visto, o conservadorismo veio para ficar”. Partindo da reflexão feita anteriormente sobre os jovens adotando posturas conservadoras, a ascensão gradual dessa forma de pensamento acaba sendo eminente. Dessa forma, o comportamento cíclico da sociedade passa por uma nova era, resgatando valores antes vistos como ideias retrógradas e provando que a história não caminha em linha reta – e nem sempre em frente.