Familiares exigem respeito à memória de desaparecidos políticos

O I Encontro Nacional de Familiares da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP), realizado em Brasília nos dias 3 e 4 desta semana, foi marcado pela divulgação da Carta de Brasília. Parentes das vítimas exigem reparação do Estado pelas vítimas da repressão política de 1964. 

I Encontro Nacional de Familiares promovido pela Comissão Especial sobre Mortos e Desparecidos Políticos - Reprodução da internet

De acordo com as famílias dos desaparecidos, torturados e mortos há a necessidade de conservação dos arquivos relativos ao período da ditadura militar, “bem como a reconstituição de autos e de procedimentos eventualmente destruídos ou, de qualquer modo, extraviados”.

Durante a reunião, realizada em Brasília nesta segunda-feira (3), Samuel Ferreira, perito responsável pela identificação de mais de 300 vítimas da ditadura militar, ressaltou que a comparação de material genético depois de tanto tempo traz alento às famílias.

Na ocasião foi igualmente amplificado o resultado das investigações sobre o sindicalista Aluizio Palhano, perseguido e assassinado no período da repressão política que se estendeu de 1964 a 1985. Coordenador da pesquisa sobre vítimas da ditadura militar, Samuel afirmou que além de motivar tecnicamente os cientistas “a gente espera que os resultados motivem os familiares também".

Na atividade, promovida no marco dos 70 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos e dos 30 anos da Constituição Federal de 1988, a Comissão divulgou a identificação do sindicalista torturado e morto em São Paulo, na unidade comandada pelo coronel Carlos Brilhante Ustra. A identificação da ossada foi feita por meio de exame de DNA.

Foram 47 anos de investigação para que a filha de Aluizio Palhano, desaparecido durante o golpe de 64 pudesse conhecer a verdade e viver o luto. Em Brasília junto a outros familiares marcados pelo desconhecimento do paradeiro de seus parentes, Márcia Guimarães, de 70 anos, recebeu a confirmação de que os restos mortais encontrados na vala clandestina de Perus são do seu pai, morto em abril de 1971 aos 49 anos.

Na pesquisa científica que identificou Palhano, o perito Samuel Ferreira, coordenador-científico do Grupo de Trabalho de Perus, disse que em quatro anos, coletou e analisou mais de 300 amostras de DNA de desaparecidos políticos. "No Brasil e na América do Sul, é um recorde conseguir a comparação de material genético depois de tanto tempo", explicou no Encontro ocorrido em Brasília.

"O caso da vala clandestina de Perus traduz exemplarmente o nível de violações que foram realizadas, e essas descobertas contribuem para a pauta de memória, de justiça e Direitos Humanos no país. A cada identificação, a importância desse trabalho de esclarecimento da história se fortalece", contou o perito.

A partir da Lei 10.875, sancionada em 1º de junho de 2004 pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, os critérios para reconhecimento das vítimas da ditadura militar foram ampliados, incluindo mortos em manifestações públicas e suicídios decorrentes da ação repressiva. Desde então, a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos está vinculada à Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República.

Confira a íntegra da CARTA DE BRASÍLIA, escrita por familiares de pessoas mortas e desaparecidas vítimas da repressão política da ditadura militar brasileira (1964-1985).

Nós, familiares de pessoas mortas e desaparecidas vítimas da

repressão política da ditadura militar brasileira (1964/1985), presentes

no I Encontro Nacional de Familiares promovido em Brasília – DF, pela

Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP)

instituída pela Lei 9.140/95, reunidos com membros e colaboradores/as

dessa Comissão, nos dias 03 e 04 de dezembro de 2018, vimos a público:

– REITERAR o nosso direito inalienável de conhecer as circunstâncias de

desaparecimento e morte de nossos entes queridos e de receber os restos

mortais que ainda não foram localizados para sepultamento digno;

– REIVINDICAR a efetiva implementação das 29 (vinte e nove)

recomendações do Relatório Final da Comissão Nacional da Verdade,

publicado em 10 de dezembro de 2014;

– REAFIRMAR a necessidade de preservação de todos os arquivos

relativos ao período da ditadura militar, bem como a reconstituição de

autos e de procedimentos eventualmente destruídos ou, de qualquer

modo, extraviados;

– DEMANDAR políticas públicas de implementação e manutenção de

espaços e marcos de memória relativos às ações de repressão da ditadura

militar e de resistência à violência e ao arbítrio daquele período;

– DEFENDER, de maneira intransigente, a continuidade dos trabalhos

em termos plenos e a autonomia da Comissão Especial sobre Mortos e

Desaparecidos Políticos;

– REQUERER a realização anual, a partir de 2019, de encontros nacionais

de familiares nos moldes do presente evento.

Nesses termos, reafirmamos o compromisso com a luta de nossos

antepassados pela defesa da justiça social, da liberdade e da democracia.

Brasília, 4 de dezembro de 2018.

Jair Bolsonaro e o risco de enterro da história

Cercado por ministros militares, o capitão Jair Messias Bolsonaro, que tomará posse como presidente da República em janeiro de 2019, preocupa os interessados nas investigações do período de repressão política.

Exemplo desta ameaça de destruição das provas de tortura, perseguição e assassinatos cometidas por militares de 1964 a 1985, é a nomeação do general Maynard Marques de Santa Rosa para a equipe de transição de Bolsonaro. Santa Rosa foi exonerado no governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

O general disse, em 2010, que a comissão criada para investigar crimes de violação aos direitos humanos cometidos durante o regime militar (Comissão da Verdade) era formada por “fanáticos que, no passado recente, adotaram o terrorismo, o sequestro de inocentes e o assalto a bancos como meio de combate ao regime para alcançar o poder”.

Após as declarações, Santa Rosa foi afastado da chefia do Departamento Geral de Pessoal do Exército pelo então ministro da Defesa, Nelson Jobim.