Juliana Diniz: Tutorial para sobreviver ao populismo

“Em tempos de populismo, a sobrevivência da democracia dependerá necessariamente da nossa capacidade de reinventar pela palavra e nas telas o verdadeiro poder: o de encantar e convencer”.

Por Juliana Diniz*

populismo

Muita gente atravessa uma vida sem se dar conta do valor da palavra. Todo poder é conquistado graças a uma capacidade extraordinária de orientar comportamentos e motivar espíritos. Não é o controle da força que determina a capacidade de decidir em uma sociedade: é o domínio da linguagem. Isso explica a disputa por instituições como as universidades e as igrejas. Como espaços privilegiados de construção de discurso, elas articulam ideias, sedimentam imaginários e determinam o caráter de indivíduos e grupos.
Por assegurar a horizontalidade da disputa pelo poder, a liberdade de expressar o pensamento é um pressuposto básico da democracia. Uma democracia depende de direitos que garantam o trânsito livre de ideias, da divergência, da crença e da emoção. Sempre que é negado o direito à liberdade do pensamento, seja pela censura ou pela definição de um discurso único, o obscurantismo ganha força, os controles sociais cedem e o autoritarismo se estabelece. Liberdade de imprensa, universidades autônomas e pluralismo religioso são os pontos inegociáveis de sobrevivência do sistema democrático.

O primeiro mês de transição de governo foi um teste duro porque ainda estamos entendendo uma transformação comunicativa. Ela não nasceu no processo eleitoral, mas ficou evidente ali graças à intensidade da disputa. Bolsonaro encarna no Brasil um fenômeno que ainda carece de compreensão mais profunda por reunir fragmentação do discurso, desconstrução do sentido moderno de verdade e deslocamento do centro de informação para o terreno fluido e incontrolável das redes sociais. Uma batalha por almas em meio à cacofonia de linguagens multimídia.

O novo jogo de poder impõe alguns desafios. O maior deles é compreender que será inevitável lidar cotidianamente com toda sorte de populismos (político, acadêmico, religioso). Gurus excêntricos, lunáticos e personalidades carismáticas disputarão o domínio do discurso. Para resistir, é preciso reaprender a falar e a escrever, agora em novos moldes, mais apropriados aos interesses fragmentados e às novas plataformas de interação. Em tempos de populismo, a sobrevivência da democracia dependerá necessariamente da nossa capacidade de reinventar pela palavra e nas telas o verdadeiro poder: o de encantar e convencer.


*Juliana Diniz é Doutora em Direito e professora da UFC.

Opiniões aqui expressas não refletem necessariamente as opiniões do site.