O combate à ideologia da barbárie que patrulha as escolas

 A onda obscurantista que cobre o Brasil chegou com força nas instituições de ensino. Entender o seu sentido é um passo decisivo para combatê-la.

Lei da Mordaça: mobilização parlamentar e estudantil derruba votação - Richard Silva/ PCdoB na Câmara

A estratégia mais eficaz para a justiça social é a educação. O governador do estado do Maranhão Flávio Dino (PCdoB) fez esse diagnóstico logo após tomar posse, em 2015. Hoje, seu método de gestão ostenta êxitos inquestionáveis, aprovado pelo voto popular que lhe garantiu a reeleição já no primeiro turno das eleições deste ano. Com esse currículo, ele tem autoridade para falar sobre o que representa esse retrocesso histórico que a extrema direita quer impor na área da educação com o patrulhamento ideológico alcunhado de “Escola sem Partido”.

Enquanto o Congresso Nacional se vê às voltas com um projeto que propõe o desmonte do progresso educacional no ensino público, alegando “doutrinação ideológica” nas escolas, Dino e os governos da Paraíba e de Alagoas tomaram iniciativa para proteger seus estados dessa ofensiva obscurantista e assegurar a liberdade de expressão e opinião aos professores, estudantes e funcionários das escolas. “Falar em ‘Escola sem Partido’ tem servido para encobrir propósitos autoritários incompatíveis com a nossa Constituição e com uma educação digna”, resume Flávio Dino.

Liberdade de cátedra

Projetos como esse da extrema direita que tramita no Congresso Nacional se reproduzem em alguns estados, mas até agora não saíram das gavetas. Como lembrou o constitucionalista André Del Negri em artigo na revista eletrônica Consultor Jurídico, “as sinalizações incorrem na paradoxia de ao menos livrar-se dos perigos de um suposto ‘comunismo’, como se isso tivesse sido implementado no Brasil, sem a indagação sobre o significado de ‘comunismo’”. E complementa: “Quando esses tipos de comentários circulam por aí, sem o contraponto devido, a situação piora, porque os equívocos são clonados por mais pessoas. Quanto mais cedo corrigirmos, melhor.”

Ele cita o pronunciamento “instigante” da reitora da PUC-SP, professora Maria Amalia Pie Abib Andery, “que foi direto ao ponto”: o “Escola sem partido”, no fundo, é de um só partido. Segundo André Del Negri, “o projeto de uma ‘Escola sem Partido’ não cria uma perspectiva democrática”. A ideia é uma afronta à Constituição, que estabelece, no artigo 206, o ensino com base nos princípios da “liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber”. “No fundo, o ‘Escola sem Partido’, longe de ser um local de debate crítico, nada mais é do que um credo ideológico. Em outras palavras, um devaneio”, conclui.

Um devaneio ameaçador, pode-se dizer. O presidente da Academia Brasileira de Letras, Marco Lucchesi, caracterizou bem esse conceito em entrevista à agência de notícias Deutsche Welle, reproduzida pelo site da revista CartaCapital. “Esses movimentos são um sopro de barbárie. A barbárie, como tal, é desprovida de inteligência, desprovida de sentido e de orientação. Ela quer destruir, mas não sabe o que fazer. Ela só é alguma coisa momentaneamente pelo uso da força, mas a força também é desprovida de inteligência”, disse ele.

Marco Lucchesi enfatiza a pluralidade brasileira, que deve ser cultivada em lugar de ser combatida. “O que nos enriquece é que não temos só uma religião, não temos uma única forma de fazer literatura. Temos que defender a pluralidade. E isso tem que ser ecumênico, ou então ficamos onde estamos”, afirma. Para ele, a proposta de “Escola sem Partido” afronta “a liberdade de expressão e liberdade de cátedra”. “Ninguém pode me dizer o que devo ensinar dentro da sala. Na escola e nas universidades, devemos ver posições diferentes”, defende.

Molde fascista

Segundo ele, Freud e Marx estão na berlinda da barbárie. “Uma pessoa pode concordar ou não com Marx. Mas ele é incontornável. É parte da história do Ocidente. Assim como Freud, que foi uma grande revolução na perspectiva da sexualidade. Não podemos tomar a obra de forma ignorante”, diz Marco Lucchesi, um militante da difusão cultural, inclusive nos presídios brasileiros. “Como já disse Darcy Ribeiro: se não construirmos escolas, teremos que construir presídios”, afirma.

A cultura é um fator determinante para o conhecimento científico, como o próprio Darcy Ribeiro demonstrou. Em sua vasta obra, ele explicou que a ciência deixou de ser algo sob o domínio de um ou outro intelectual para ser “a explicação dos mecanismos através dos quais as coisas se fazem”, como disse ele num de seus ensaios. “Assim, um país que não participa desse discurso, que não conheça esse discurso, é um país que está marginalizado de seu tempo”, escreveu ele.
Essas análises deixam claro que a ideia de “Escola sem Partido” é filosoficamente anti-humana. Ela contraria o sentido da existência do conceito de civilização; o que se produziu como resultado do conhecimento científico e intelectual ao longo da história. Seu objetivo, traduzido pela ideologia de extrema direita, é fomentar a intolerância social e formar seres autômatos, instrumentalizados para se limitarem a operar uma máquina, sem capacitação suficiente para tomar decisões conscientes, opinar fora de certos padrões, produzir ciência. Numa definição: um molde fascista.