A perigosa ideia de Paulo Guedes

 A venda de reservas internacionais não contribui para o ajuste fiscal e aumenta a vulnerabilidade externa.

Por Paulo Nogueira Batista Jr.

Paulo Guedes Eduardo Guadia - Foto: Marcello Casal jr/Agência Brasil

O jornal Valor Econômico informou recentemente que, nas discussões internas da equipe do presidente eleito, Paulo Guedes estaria propondo vender reservas internacionais para recomprar títulos internos e reduzir a dívida pública. Não ficou claro se a informação era precisa. Guedes explicou, depois, que a venda de reservas só ocorreria em cenário de ataque especulativo.

Se o dólar chegasse a 5 reais, disse, “seria ótimo, pois reduziremos dramaticamente a dívida interna”. Vendendo 100 bilhões de dólares de reservas cortaríamos a dívida interna em 500 bilhões de reais, calculou o futuro ministro da Economia. E acrescentou: “Se houver uma crise especulativa, não tem problema nenhum. Isso vai acelerar o ajuste fiscal”.

Não quero polemizar com a entrevista, provavelmente improvisada. Mas, já que a ideia de vender reservas parece rondar de alguma forma a equipe do presidente eleito, vale a pena voltar a tratar do assunto. Já o fiz recentemente em CartaCapital, quando Ciro Gomes levantou a proposta na campanha presidencial (“Devagar com o andor, candidatos!”, 5 de setembro de 2018).

Quais são as premissas da proposta de vender reservas para acelerar o ajuste fiscal? Basicamente, três:

1. O Brasil tem reservas muito maiores do que seria recomendado por considerações prudenciais;

2. O custo de manter essas reservas é pesado, contribuindo para onerar o déficit fiscal e aumentar a dívida pública;

3. Seria possível vender sem problemas o excedente e recomprar títulos federais, reduzindo a dívida pública.

A proposta pode parecer atraente. Mas é inconveniente e, provavelmente, perigosa.

No artigo que publiquei aqui em setembro, tentei explicar por que a primeira premissa é duvidosa. Não vou repetir os argumentos. Acrescento apenas que, ao longo de 2018, o nível de reservas requerido para o Brasil deve ter aumentado.

A evolução do quadro econômico, social e político do país é preocupante.

O novo governo enfrentará, tudo indica, grandes dificuldades para se firmar e encaminhar um programa econômico eficaz. Além disso, o quadro internacional afigura-se problemático, por um conjunto de fatores razoavelmente conhecido e que, por falta de espaço, não tentarei resumir.

O Brasil não tem, na prática, grande folga em termos de reservas internacionais. O volume que poderia ser vendido sem colocar o país em risco é certamente muito inferior aos 100 bilhões de dólares mencionados por Guedes.

E, se essa venda fosse feita em meio a um ataque especulativo forte o suficiente para levar o dólar a 5 reais, a dinâmica que se criaria com a diminuição das reservas de 380 bilhões para 280 bilhões de dólares poderia facilmente levar o País a um colapso cambial.

Quanto à segunda premissa, vale notar que o custo de carregamento das reservas vem diminuindo pelo lado do diferencial de juros. No passado recente, os juros internos caíram consideravelmente e os externos subiram.

O custo das operações compromissadas (a contrapartida da acumulação de reservas) é hoje menor, em razão da queda da Selic, e a rentabilidade das reservas é maior, em razão da alta das taxas de juro nos EUA.

Não se deve perder de vista, ademais, que o custo de carregamento depende não só do diferencial entre os juros internos e externos, mas também da trajetória da taxa de câmbio. Uma depreciação significativa da moeda nacional pode até levar a um custo de carregamento negativo em certos períodos, isto é, ao que se poderia chamar de um “ganho de carregamento” de reservas.

A terceira premissa também é questionável. Caso a proposta viesse a ser aplicada, não ocorreria uma redução do nível da dívida pública, mas uma mudança da sua composição. A dívida interna diminuiria, mas a dívida externa líquida subiria em função da queda das reservas. O estoque da dívida pública líquida permaneceria inalterado.

Finalmente, há que considerar o efeito sobre a taxa de câmbio. Vender reservas implica aumentar a oferta de dólares, o que leva a uma desvalorização da moeda estrangeira relativamente à nacional. Se o volume ofertado for expressivo, a apreciação do real poderá ser prejudicial.

Além de aumentar o custo de carregamento das reservas remanescentes, a apreciação pode ser inconveniente dos pontos de vista da competitividade internacional da economia e do equilíbrio das contas externas. Por esse motivo, a utilização das reservas teria de ser, necessariamente, limitada em volume e conduzida de forma gradual.

Em suma, nas circunstâncias atuais, a venda de reservas não ajudaria muito no ajuste fiscal e aumentaria a vulnerabilidade externa da economia.