Sobre Mais Médicos, Desinformação e Gratidão

 "O Mais Médicos fez eu me apaixonar pelo serviço público. De minha parte, seguirei defendendo um sistema público, universal, gratuito e de qualidade para todas as brasileiras e brasileiros. Aos médicos cubanos, vocês nos mostraram que um caminho para isso é possível com afeto e humanidade".

Por Lara Stahlberg*

Mais médicos - Foto: Karina Zambrana

O Mais Médicos fez eu me apaixonar pelo serviço público. Quando cheguei a Brasília, em 2014, fui trabalhar na Assessoria Internacional do Ministério da Saúde, parte do gabinete do ministro. O programa ainda era relativamente novo. Antes disso eu tinha assistido, de El Salvador, à chegada dos médicos ao Brasil e me lembrava vividamente da vergonha que senti pelo tratamento raivoso que os médicos haviam recebido ainda nos aeroportos. Naquela época conversava com os colegas de trabalho cubanos que, acostumados a verem seus médicos em missões pelo mundo, não entendiam o ódio com o qual os profissionais que vinham para atender à população mais carente do nosso país foram recebidos.

Os indignados de hoje são os mesmos que jogaram bananas naquele momento.

Em dois anos no Ministério da Saúde não foi difícil me apaixonar pelo programa. Nunca havia testemunhado a entrega de uma política pública tão bonita à população, que retribuiu em gratidão a atenção que, finalmente, tinha a dignidade de receber. Em pesquisa da UFMG, os depoimentos dos usuários incluíam testemunhos como “ele olha para mim”, “ele fala de um jeito que eu entendo”, “ele é da minha cor”. Na cerimônia de dois anos do programa, chorei ao ver a presidenta Dilma ser recebida pelos médicos ao descer a rampa no Planalto, e mais ainda quando uma aluna de medicina, beneficiada pela expansão da educação médica, contava sua história: a filha da empregada agora é médica.

Esse amor fez com que eu decidisse que esse programa, as nuances e inovação da triangulação do arranjo de cooperação fossem o tema da minha dissertação no King’s College em Londres. Entender a cooperação com Cuba fez parte de mim.

Desde ontem venho “cometendo” pequenos textos e explicações com base não apenas no que vivi no Ministério, mas naquilo que estudei e pesquisei (inclusive de experiências de outros países para o mestrado), tentando esclarecer e desmontar essa grande névoa de desinformação. O que eu percebo? Que a raiva, a cegueira, a não vontade de entender ou aceitar os fatos seguem as mesmas do primeiro turno. Isso dá uma tristeza quase comparável ao desmonte desse programa tão lindo, pois mostra que o futuro, caros, ainda vai ser muito difícil. Nessa era da não-informação não importa o que é, importa o que parece ser.

Essa é a primeira grande provação do presidente eleito que, como disse uma amiga, mostra dificuldade na transição de pedra para vidraça. Como bem lembra outra colega, impressiona que não se questione onde estão os estudos de impacto da retirada dos médicos. Onde está a análise técnica que demanda revalidação de diploma apenas dos Cubanos, entre tantas outras questões. E, mais além, como é possível que se faça uma imposição dessas, de impactos na diplomacia e na saúde, sem o envolvimento das respectivas pastas? A da Saúde, diga-se, sequer tem ministro anunciado.

Muitos nos acusam de torcer contra, mas é muito mais que isso. É constatar que nesse governo quem sofre com o “apagão médico” não é quem tá batendo bumbo pelo salário dos cubanos e reunificação de famílias no Facebook.

Que momento triste. Que vontade de chorar. O Mais Médicos fez eu me apaixonar pelo serviço público. De minha parte, seguirei defendendo um sistema público, universal, gratuito e de qualidade para todas as brasileiras e brasileiros. Aos médicos cubanos, vocês nos mostraram que um caminho para isso é possível com afeto e humanidade. Isso é maior que fake news. Isso ninguém apaga. Isso ninguém esquece.

Gracias compañeros. Hasta la victoria, siempre.