Nobel de Economia diz que austeridade agravou recessão brasileira

“O que diabos aconteceu com o Brasil?”, questiona o Prêmio Nobel de Economia, Paul Krugman, em sua coluna publicada nesta sexta-feira (9) pelo jornal "The New York Times". No texto, ele aponta que a austeridade fiscal e o aperto monetário apresentados como solução para a crise no país, na verdade, findaram por aprofundá-la. A crítica já vinha sendo feita por diversos economistas brasileiros, mas tanto Michel Temer quanto seu sucessor, Jair Bolsonaro, insistem na estratégia do ajuste fiscal. 

Paul Krugman

Ao introduzir o tema que dá título a sua coluna, Krugman esclarece que não vai abordar a recente eleição, "em que os eleitores do Brasil escolheram alguém que parece ser um verdadeiro fascista". Ele diz que está "tão horrorizado como qualquer outra pessoa" com o resultado da disputa. Mas comunica que, como não conhece a política brasileira, falará sobre economia, embora ambas as coisas estejam de certa forma conectadas.

"O pano de fundo para essa eleição foi a extraordinária crise econômica do Brasil de 2015-2016: uma nação que estava em uma trajetória ascendente, que parecia ter deixado para trás um legado de instabilidade, sofreu uma recessão terrível e está passando por uma recuperação muito lenta. E macroeconomia é um assunto sobre o qual deveria saber algo", escreve o Nobel. 

Em sua coluna, ele avalia que houve pouca discussão internacional sobre o que aconteceu no Brasil, apesar de tratar-se de uma economia cerca de dez vezes maior que a Grécia. De acordo com ele, o  Brasil parece ter sido atingido por "uma tempestade perfeita de má sorte e má política", com três aspectos principais. 

O primeiro motivo, ele enumera, foi a deterioração acentuada do ambiente global, com a queda dos preços das commodities exportadas pelo país. O segundo, os gastos privados domésticos que despencaram por conta de um acúmulo excessivo de dívidas. Em terceiro lugar, "a política econômica, em vez de combater a queda da economia, exarcebou-a, com austeridade fiscal e aperto monetário, mesmo quando a economia estava em queda", defende.

Desta forma, ele se coloca contra a versão corrente entre os liberais brasileiros de que a recessão teria sido exatamente o resultado de uma política fiscal expansionista, com aumento de gastos públicos e redução de impostos, nos primeiros anos de governo petista. 

Rechaça, assim, a ideia de que a crise foi fruto de uma alegada "irresponsabilidade fiscal", que chegou a ser usada como desculpa para o impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff.  “Incrivelmente, parece que compraram a doutrina da austeridade expansionista”, surpreende-se Krugman.

Ele explica que a turbulência brasileira foi diferente das que costumam atingir economias emergentes, ligadas a paradas súbitas no fluxo de capitais. "Foi o que ocorreu na crise mexicana de 1994-5, nas asiáticas de 1997-9, no sul da Europa, após 2009 e, agora, na Turquia e na Argentina", diz.

O economista detalha que esse tipo de fenômeno ocorre quando há uma desvalorização súbita da moeda, em países com grandes dívidas em moedas estrangeiras. A desvalorização prejudica os balanços patrimoniais, provocando queda acentuada na demanda doméstica. A única saída, então, é aumentar as taxas de juros para sustentar a moeda, afetando a demanda.

Para ele, contudo, a queda de 9% do PIB real per capita é comparável ao desses países, mas em uma situação oposta. "O Brasil não tem muitas dívidas em moedas estrangeiras e os efeitos cambiais nos balanços não parecem ser uma parte importante da história. O que aconteceu, então?", indaga.

Ele aponta que o país sofreu dois choques  relevantes: redução nos termos de troca, provocada pela queda nas cotações das commodities, e retração no consumo das famílias, que tinham se endividado anteriormente.

“O que realmente acabou com a economia brasileira, entretanto, foi a forma como o país respondeu a esses choques: com políticas monetária e fiscal que tornaram as coisas muito piores”, indica. Apesar de não citar o nome do ex-ministro da Fazenda Joaquim Levy, é à política de austeridade implementada a partir de sua gestão que o Prêmio Nobel se refere.

Vale lembrar que o mesmo Levy aceitou convite de Bolsonaro para assumir a Presidência do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) no próximo governo, que já sinalizou ser mais um defensor da austeridade. Na sua plataforma, o futuro presidente da República propõe, por exemplo, acabar com o déficit primário já no primeiro ano de gestão, o que exigirá cortes drásticos.  

Segundo Krugman, do lado fiscal, o Brasil tinha um grande problema de longo prazo. ”Mas eles exigem soluções de longo prazo”, disse. “O que aconteceu, em vez disso, é que o governo Rousseff decidiu impor um agudo corte de despesas no meio de uma queda.”

“Além disso, a política monetária tornou-se nitidamente contracionista, com uma grande alta na taxa de juros”, completa Krugman, analisando que a queda dos preços das commodities resultou em uma desvalorização cambial, que provocou uma subioda temporária da inflação.

“O Banco Central entrou em pânico, fixando-se na questão inflacionária à custa da atividade econômica”, resumiu. “Agora que o surto provocado pelo câmbio passou, a inflação está, na verdade, baixa para os padrões históricos, mas o estrago está feito." 

Krugman conclui: "É uma história notável e deprimente. E essa combinação de má sorte e má política certamente desempenhou um papel no desastre político que se seguiu".