Manifesto alerta sobre o risco de privatização do saneamento

Um manifesto assinado por dezenas de entidade nacionais alerta quanto ao risco de aprovação da Medida Provisória 844 (MP844) a ser votada pelo Congresso Nacional entre os dias 6 e 8 de novembro. O documento afirma que a privatização pode pode precarizar o saneamento básico e provocar "epidemias e danos à saúde pública, inclusive por alarmantes índices de mortalidade infantil".

Privatização do saneamento - Ilustração : Sindiágua

Leia abaixo a íntegra do Manifesto:

O saneamento básico à beira do abismo da privatização

O saneamento básico é um dos fatores determinantes da saúde. A ausência de serviços públicos e de soluções individuais, ou a precariedade no acesso ao saneamento básico podem ser responsáveis por epidemias e danos à saúde pública, inclusive por alarmantes índices de mortalidade infantil. Enfermidades como diarreia, dengue, zika, chikungunya, cólera, hepatite A, febre tifoide, leptospirose, dentre inúmeras outras, podem ser prevenidas com a disponibilidade de serviços e soluções adequadas de abastecimento de água, de esgotamento sanitário, do manejo dos resíduos sólidos, e/ou das águas das chuvas, aos domicílios urbanos e rurais.

Dados do Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab), e de seus relatórios anuais de avalição, demonstram que os investimentos no setor oriundos do orçamento geral da União (OGU), que na década de 90 foram limitados chegando no máximo a R$ 2 bilhões em 1997, ano de maiores investimentos no período. Nos anos 2000, alcançaram o ápice de R$ 4,5 bilhões em 2009. Na atual década, o ano com mais investimentos foi 2014, com 6,9 bilhões de reais, certamente um volume de investimentos como nunca houve antes na história do Brasil.

Apesar dos volumes vultuosos de investimentos, o Plansab apontou a necessidade de se investir R$ 508 bilhões para se alcançar as metas definidas de 2014 a 2033. Infelizmente, nos últimos anos os investimentos estão decrescendo e afastando o país da possibilidade de reduzir a imensa desigualdade social observada no acesso ao saneamento básico.

Ampliar o acesso ao saneamento básico significa levar mais dignidade e qualidade de vida a crianças, mulheres, negras, negros e pobres que vivem no sertão e em favelas. Crianças e mulheres normalmente são as responsáveis por levar água para consumo e higiene até suas casas, nos lugares onde não tem abastecimento público ou solução individual, seja em áreas rurais ou nos morros, quebradas e favelas das cidades grandes. Os negros e pobres são os que concentram a maior parte do déficit de atendimento. São direitos humanos e essenciais que são violados e negligenciados diariamente na vida de milhões de brasileiros.

Hoje, o que está dado com a MP 844, que será votada pelo Congresso Nacional entre os dias 06 e 08/11/18, é submeter o setor aos interesses de empresas privadas e do mercado financeiro, entregando a elas a prestação de serviços nas grandes e médias cidades, vistas como lucrativas e como as detentoras de um amplo mercado consumidor. O que não ocorre com os municípios pequenos e com as áreas rurais.

Hoje, existem muitos municípios que têm acesso a serviços prestados por companhias estaduais que só conseguem atendê-los graças à arrecadação feita em municípios com melhores condições econômicas e financeiras. Dado que o saneamento básico é um direito imprescindível é fundamental que exista a possibilidade de uma gestão solidária entre municípios e estados brasileiros, e também que os próprios municípios possam optar pela prestação direta desse serviço, por meio de prestadores públicos municipais. Ambas as possibilidades estão ameaçadas pela MP 844.

No Brasil e nos cinco continentes do planeta, existem experiências de privatização que demonstram ser um caminho nefasto para a universalização. Diversos casos no Brasil, na América Latina e ao redor do mundo, demonstraram que as grandes corporações da privatização da água e do saneamento têm como prioridade os altos índices de lucro, o que gera aumento das tarifas, a piora da qualidade dos serviços ofertados e o não cumprimento de contratos.

De acordo com um mapeamento feito por onze organizações majoritariamente europeias, da virada do milênio para cá foram registrados 267 casos de "remunicipalização", ou reestatização, de sistemas de água e esgoto. No ano 2000, de acordo com o estudo, só se conheciam três casos. Cidades como Berlim/Alemanha, Paris/França, Budapeste/Hungria, Bamako/Mali, Buenos Aires/Argentina, Maputo/Moçambique e La Paz/Bolívia são algumas delas.

No Brasil, alguns casos emblemáticos como os municípios de Manaus e Cuiabá, e o estado de Tocantins são amostras do desastre da prestação dos serviços de água e esgotamento sanitário por empresas privadas. Em Manaus a concessão à empresa privada foi feita no ano 2000, em 2004 o índice de coleta de esgotos era de 22,3% e em 2016 ainda não tinha alcançado nem 24%. As perdas de água em 2016 eram de 65,8%. Em Cuiabá foram tantos problemas que em 2011 a concessão foi suspensa judicialmente. Em Tocantins, chegou-se ao absurdo da empresa devolver para o estado dezenas de municípios que eram deficitários economicamente, por terem poucos habitantes, em grande parte de baixa renda. O que fez com que o estado voltasse a criar outra empresa para esses municípios, enquanto os maiores continuaram com os serviços privatizados.

A MP 844 define ainda que as estações de tratamento de água e de esgotos sejam dispensadas de licenciamento ambiental, o que poderá se tornar um grande risco ao meio ambiente, aos mananciais de água e às próprias comunidades.

Nos dias 29 e 30/10/18 a MP passou por comissões e audiência pública no Congresso Nacional, sem cumprir os ritos e prazos legais, pois o governo Temer quer impor a sua aprovação. É preciso denunciar e mobilizar a população contra a votação que irá ocorrer entre os dias 06 e 08/11/18, pois o povo brasileiro será o principal prejudicado sócio, ambiental e economicamente, terá que amargar sem atendimento ou com atendimento de qualidade ruim e ainda pagar caro pelas tarifas.

Não à MP 844/2018! Água e saneamento são direitos, não mercadorias!

FAMA em Movimento DF (Fórum Alternativo Mundial da Água)
ABES/DF (Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental)
AGB (Comissão de Urbana da Associação de Geógrafos do Brasil)
AME (Ação de Mulheres pela Equidade)
ANPG (Associação Nacional de Pós Graduandos)
APIB (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil)
ArtJovem LGBT (Articulação Brasileira de Jovens Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais)
ABGLT (Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos)
Banquinha pela Democracia
CONAM (Confederação Nacional das Associações de Moradores)
CTB/DF (Central dos Trabalhadores e das Trabalhadoras do Brasil)
FASE (Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional)
FNRU (Fórum Nacional da Reforma Urbana)
Fórum de Mulheres do Mercosul
MCT (Movimento Comunitário Trabalhista)
MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra)
SERPAJUS (Serviço de Paz Justiça e Não violência)
STIU/DF (Sindicato dos Urbanitários)
UBM (União Brasileira de Mulheres)
UNALGBT (União Nacional de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais)
UNE (União Nacional dos Estudantes)
UNMP (União Nacional por Moradia Popular)