Vinte e cinco anos do Acordo de Oslo: a paz nunca chegou

Passaram-se 25 anos desde que foram firmados os “acordos de paz de Oslo”, na Noruega, entre Israel e Palestina. A paz nunca chegou e, provavelmente, nunca esteve realmente em pauta

Por Alessandra Monterastelli

acordo de oslo

Em 1993, em Oslo, Noruega, Yitzhak Rabin, na época primeiro-ministro de Israel e Yasser Arafat, então presidente da Palestina e líder e a Organização para a Libertação da Palestina (OLP), assinaram sob mediação dos Estados Unidos os “acordos de paz de Oslo”. Esses documentos previam que após um período de cinco anos, chegar-se-ia a um acordo final cobre o conflito Israel-Palestina.

Foram deixadas em aberto (para serem negociadas posteriormente) as “sete questões de status final”: Jerusalém, refugiados, assentamentos, segurança, fronteiras, relações e cooperação com os demais vizinhos e outros problemas de “comum interesse”.

Apenas essa introdução já deixa claro que os acordos tinham um aspecto muito mais simbólico (era a primeira vez que líderes de ambos os Estados se encontravam para discutir uma possível paz) do que de fato prático.

A OLP e Israel tinham, desde o começo, visões diferentes acerca do processo. O primeiro visava o fim do colonialismo israelense, para que a Palestina finalmente pudesse ser um Estado soberano e livre; o segundo via os acordos como uma oportunidade para criar um sistema de controle indireto sobre os territórios ocupados desde 1967.

O Middle East Monitor, organização de monitoramento de imprensa sem fins lucrativos focada no conflito israelo-palestino, realizou uma conferência com diversos especialistas na Universidade de São Paulo nos dias 22 e 23 de outubro, para tratar do assunto que há vinte e cinco anos gera dúvidas e polêmicas.

Em declaração para o Portal Vermelho, Daud Abdullah, diretor do Middle East Monitor, ex-secretário Geral do Conselho Muçulmano da Grã-Bretanha e editor do Journal of Palestinian Refugees Studies, disse que os acordos de Oslo acabaram por gerar mais conflitos.

“O acordo que aconteceu em 1993 deveria se encerrar quando a causa Palestina se encerrasse. Mas aconteceram conflitos devido ao acordo. Um dos problemas foi o final do documento: os palestinos queriam um Estado independente, que nunca aconteceu”, explicou. Para Abdullah, as próprias palavras que descrevem o acordo não foram adequadas. A palavra “ocupação”, por exemplo, que é central para o conflito, nunca existiu no documento, assim como “Palestina independente”.

Para Ben White, jornalista, analista e escritor britânico, Israel não cumpriu algumas premissas básicas para que a paz fosse possível, como a devolução das terras palestinas (de acordo com demarcações da ONU) e uma Jerusalém unificada- estatuto descumprido recentemente, com Israel declarando a Cidade Santa unilateralmente como sua capital e recebendo o apoio dos Estados Unidos.

“O problema não é apenas geográfico, mas sim demográfico”, argumenta White, lembrando o esforço israelense para não só tomar terras palestinas, mas também expulsar os árabes delas, ou não os permitir de ascender de classe: “muitos trabalhadores árabes trabalham para judeus abastados em Israel”.

“Oslo foi um sucesso do ponto de vista do establishment militarista israelense. Foi uma maneira de Israel promover o separatismo alegando paz com os palestinos”, conclui White, autor do recém-lançado livro “Cracks in the Wall: Beyond Apartheid in Palestine/Israel” (“Rachaduras na parede: por trás do apartheid na Palestina/Israel”, em tradução livre).

Para Kamal Cumsille, professor do Centro de Estudos Árabes e Diretor de Relações Internacionais da Faculdade de Filosofia e Humanidades da Universidade do Chile, “Oslo foi e é uma maneira de impor na região a estratégia norte-americana que começou em 1990, com o fim da Guerra Fria”. Nessa década, os Estados Unidos espalhavam para o mundo o “triunfo da racionalidade sobre a ideologia”. Era a chamada “terceira onda”, comandada pela democracia e pelo mercado. “Para instalar a democracia de mercado é necessário pacificar o mundo”, explicou Cumsille.

Diante desse cenário, o aperto de mão entre Rabin e Arafat sob o olhar de Bill Clinton, era simbólico: mostrava que tudo poderia ser resolvido com um simples diálogo, mesmo que a conversa fosse injusta. “Tratava-se do oprimido apertando a mão de seu agressor militarizado”, lembra Cumsille. Os acordos de Oslo foram um dispositivo (em termos foucaultianos), de impor o modelo de paz norte-americano no Oriente Médio, questionado apenas após o 11 de setembro.

Segundo o intelectual chileno, Oslo foi responsável por separar os palestinos em “vários sujeitos políticos” e não em um povo só, único e como ser político, que quer libertação. Hoje, fala-se dos problemas em Gaza e da Cisjordânia, já não se fala em Palestina: “Oslo dissolveu a Palestina como sujeito político”. Hoje, a preocupação internacional está voltada mais para a governabilidade da Palestina do que com a sua libertação. “O Chile tem 300 anos de libertação e ainda não resolveu o problema da educação. Por que cobram isso da Palestina, que nem se constitui como um Estado livre ainda?”, questiona ele.

Os principais pontos dos Acordos de Oslo

O acordo, firmado em 1993, foi fruto de conversas secretas entre o governo de Israel (na época liderado pelo Partido Trabalhista Israelense) e a OLP. As questões nunca foram abertas para todos os palestinos e discutidas amplamente entre governo e povo. O acordo em si foi um fracasso, pois não foram acordadas medidas práticas e necessárias que levariam a paz, apenas pontos vagos e amplos; mas foi simbólico, por ser a primeira vez que líderes dos dois Estados estabeleciam um diálogo, e por esse motivo manteve o otimismo mundial.

Vinte e cinco anos mais tarde, não há mais perspectivas de avanço pelo acordo. Não há mais negociações e o conflito chegou a taxas altíssimas de violência em Gaza e na Cisjordânia.

Entre os pontos, Israel se comprometeu a reconhecer a OLP como a representante legítima do povo palestino. Em troca, a organização reconhecia Israel e seu direito de existir, além de renunciar a táticas chamadas de terroristas. A negociação já começava desigual: para Israel se reconhecia seu direito como Estado, enquanto que para o povo palestino não foi criada uma entidade nacional com fronteiras definitivas, mas apenas uma representação.

As questões territoriais, o status de Jerusalém e a questão dos refugiados palestinos não foram pontos negociados, mas deixados para futuras conversas.

O acordo previa que Israel deveria se retirar de Gaza e que no ano seguinte a maior parte da Cisjordânia deveria estar sob controle da Palestina. Sabe-se que até hoje Israel controla Gaza, tanto quem entra e sai do território quanto o comércio e a água na região. Na Cisjordânia, foi construído um muro, e os assentamentos israelenses persistem.

Outro ponto que ficou acordado era de que, após cinco anos (portanto em 1997), deveria ser firmado um acordo definitivo solucionando os assuntos mais complexos, como as colônias, os refugiados palestinos, as fronteiras definitivas e Jerusalém. Oslo substitui completamente o vocabulário palestino referente a libertação, ao fim do colonialismo, a resistência e a luta contra o racismo.

Oslo colocou-se, nesse cenário, como a linguagem “oficial” da paz, deslegitimando, assim, qualquer linguagem que lhe fizesse oposição, designando seus críticos como inimigos da paz.

“O necessário seria um acordo que não legitime a violência que vem ocorrendo”, argumentou Susana Mangana, professora de Estudos Árabes de Islâmicos no departamento de Humanidades da Universidade Católica do Uruguai e analista política internacional da Rádio Sarandí. “Oslo não foi um acordo de paz legítimo, mas uma pacificação funcional sem medidas concretas para resolver os problemas existentes”, declarou.

Os judeus contra as medidas de Israel

Yuri Haasz, mestre em Ciências Sociais pela Universidade de Chicago e em Relações Internacionais pela ICU do Japão, com foco em Estudos de Paz e Resolução de Conflitos, contou sobre a sua experiência como judeu, israelense e, atualmente, como ativista anti-israel.

Haasz já trabalhou na Human Rights Watch e hoje é um dos milhares de ativistas judeus contra o sionismo israelense. “As pessoas se perguntam como eu, que sou um judeu nascido e criado em Israel, posso ser a favor do BDS (Boicote, Desinvestimento e Sanções) e não fazer questão de um Estado judaico”, disse. Ele conta que o grande desafio para os habitantes judeus de Israel é conseguir ver além da narrativa hegemônica estabelecida na região pelo governo, que segundo ele, “sequestra o que de fato ocorreu na Palestina”.

“Muitas pessoas se suicidaram quando tentaram sair da narrativa na qual foram criadas”, conta. “A maioria da população judaica absorve a narrativa de seu Estado””.

Haasz cita uma frase de Nelson Mandela, histórico líder sul-africano pela luta contra o racismo e o apartheid: “só homens livres chegam em acordos”. Os palestinos ainda não são livres, portanto jamais poderiam chegar em um acordo justo. Foi o caso de Oslo: “uma imposição, não um acordo”.

Olhar além de Oslo

“Após os acordos de Oslo, os assentamentos israelenses aumentaram exponencialmente, assim como os palestinos que trabalham para israelenses”, disse Ramzy Baroud, jornalista árabe-estadunidense e ex-editor do Middle East Eye e Al Jazeera online. Para ele, o que foi firmado na Noruega separou os palestinos entre “pró-paz e contra-paz”, em “bons árabes e maus árabes”.

“Oslo está vivo se entendermos o que esse acordo de fato queria: separar os palestinos e condenar o Hamas, que não concordou com o que foi assinado em Oslo”, declarou Baroud.

O atual editor do Palestine Chronicle conta que a Palestina ganhou certo financiamento com o acordo de Oslo, que não valeu a pena e apenas serviu para que as classes mais altas de palestinos enriquecessem. Segundo ele, não se deve falar de uma união da Palestina, que seria dada por uma conciliação entre Fatah e Hamas, mas de “reconhecer todas as instituições e soberania dos diferentes discursos que formam a Palestina”.

“Devemos entender o que aconteceu em Oslo para ir além disso; superar esse acordo para finalmente entender a narrativa Palestina”, concluiu Baroud.