Totalitarismo do 3º milênio não usa coturnos nem câmaras de gás

O totalitarismo do terceiro milênio não usa câmaras de gás, mas a informação que não pensa a si mesma.

Por Luiz Gonzaga Beluzzo

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Na domingueira, enquanto o modesto escriba destas mal traçadas linhas preparava o espírito para mais uma jornada das gloriosas camisas verdes do Palestra, as camisas amarelas juntaram-se nas praças e avenidas do Brasil-sil-sil para ouvir as ameaças digitalizadas de Jair Bolsonaro. Um ensaio do ensino a distância para os alunos do nível básico.

O candidato ofereceu aos aglomerados de seguidores um vídeo encharcado da retórica que os mobiliza: as promessas de violência contra os adversários. Exílio ou Morte!, exclamou o capitão reformado do Exército brasileiro. Imagino que o grito do capitão pretendesse simular a proclamação de D. Pedro I às margens do Ipiranga.

Meses antes, um filho dele, o deputado federal Eduardo Bolsonaro, prometeu levar às enxovias os ministros do Supremo Tribunal Federal, se, porventura, ousassem impugnar a candidatura do pai.

Para encarcerar os juízes do Supremo não seria necessário empenhar na patriótica e saneadora missão oficiais de alta patente. Bastavam um cabo e um soldado raso, certamente não tão rasos quanto os propósitos do deputado Eduardo.

Entre tantas e díspares sensações, as ansiedades que sempre me acometem nos dias de jogo do Palestra cederam lugar às angustiadas apreensões diante do cenário eleitoral. Entre o amor do verde e os ressentimentos nervosos dos amarelos, o espírito e a memória pediram ajuda de uma fábula de Fedro: As Rãs Que Pediram Um Rei.

A tradução é de 1941, da lavra de Nicolau Firmino, conhecido filólogo e latinista português. “As rãs, divagando pelas livres lagoas, pediram a Júpiter um rei com grande gritaria, rei que reprimisse pela força os costumes dissolutos. O pai dos deuses riu-se e deu-lhes um pequeno madeiro, que atirado subitamente às águas aterrou a raça medrosa com o movimento e com o barulho.

Como este madeiro jazesse por muito tempo mergulhado no limo, uma rã, por acaso, levanta tacitamente a cabeça para fora da lagoa e, examinado o rei, chama todas as rãs. Aquelas, deposto o temor, aproximam-se nadando ao desafio e a turba insolente salta para cima do madeiro.

Como o tivessem infamado com toda a espécie de insultos, enviaram a Júpiter rãs pedindo outro rei, porque era inútil o que tinha sido dado. Então, Júpiter enviou-lhes uma cobra-d’água, que começou a agarrá-las e comê-las uma a uma com dente cruel.

As rãs fracas, sem arte, impotentes, em vão fogem à morte, o medo fecha-lhes a voz. Por isso, secretamente dão recados a Mercúrio para Júpiter, a fim de que socorra as aflitas. Então o deus, em resposta, diz: “Porque não quisestes suportar o vosso bom rei, aguentai o mau”.

Na Terra Brasilis, a coisa anda mal, porque os homens-massa são insistentemente convocados pelos senhores do dinheiro, da informação e do poder a colocar seus sentimentos (e, digamos, impulsos) pessoais acima das regras da convivência civilizada.

Essa prática de sempre teve seus efeitos potencializados pela utilização das engrenagens tecnológicas das redes sociais, espaços utilizados para a opressão arbitrária e desatinada de um indivíduo sobre o outro.

A violência desabrida termina por solapar a vida civilizada, lançando a sociedade no desamparo e na violência sem quartel. A “solução final” imaginada pelos totalitários é a confirmação do destino que aguarda os virtuosos individualistas e antissociais: a infâmia e a barbárie.

A experiência histórica demonstra cabalmente que o totalitarismo não tem limites. Os tiranos de todas as eras e ocasiões concentraram em seus egos avantajados os desvarios das forças sociais que odiavam as Liberdades e Diversidades. Odiavam os Outros.

Nesses momentos de exaltação, os indivíduos que se proclamam “livres e excelentes” procuram desesperadamente o aprisionamento nas cadeias de manipulação e de controle. Adaptados, conformados, até mesmo confortados e felizes, são incapazes de compreender que sua individualidade é uma maçaroca sufocada nas aluviões de massas, vagalhões coletivos que promovem o aniquilamento pessoal.

Os inumanos agentes do novo totalitarismo são os funcionários da estupidez que pretendem decidir e controlar o destino do outro. O totalitarismo do terceiro milênio não usa coturnos nem câmaras de gás. Usa a informação que não pensa a si mesma.

A frase preferida do candidato Jair Bolsonaro expõe a natureza e a qualidade dos significados que informam suas relações com os eleitores: “Vamos acabar com tudo isso aí”