Atropelando as leis, Hitler subiu ao poder e se tornou ditador

A ameaça da extrema direita, nestes dias que antecedem a votação do segundo turno da eleição presidencial, que ocorrerá neste domingo (28), tem despertado inúmeras reflexões sobre o significado do fascismo e da violência política que o acompanha, e está presente nesta reta final da eleição praticada por partidários de Jair Bolsonaro (PSL).

Por José Carlos Ruy

Hitler no parlamento alemão - Arquivo / DW

Esta comparação poderia ser feita, mais propriamente, com o nazismo de Adolf Hitler, que é o fascismo radicalizado e piorado que se serve da violência extrema contra adversários políticos e age também contra aqueles que considera seres humanos de segunda categoria, sendo alvos de sua raiva e intolerância.

Além da raiva e da violência desumanas contra nordestinos, pobres, trabalhadores, mulheres, negros, índios, homossexuais e outros que divergem de suas ideias, há vários pontos que assemelham estes radicais de direita ao nazismo, e precisam ser examinados pelos democratas.
As informações abaixo lembradas são conhecidas. Elas estão em estudos importantes sobre o nazismo, como Ascensão e queda do Terceiro Reich, de William L. Shirer (Rio de Janeiro, 1964), O Terceiro Reich no Poder, de Richard J. Evans (São Paulo, 2011); informações que podem ser encontradas numa prosaica pesquisa na enciclopédia eletrônica Wikipedia.

Ao contrário do que se poderia pensar, na Alemanha do início da década de 1930, a subida ao poder de Adolf Hitler e do Partido Nazista não resultou de um golpe de Estado.

Nas décadas de1920 e 1930 a Alemanha viveu uma profunda crise política, social e econômica, e o altíssimo desemprego era fonte de empobrecimento entre o povo. Para contornar a crise, setores patronais, intelectuais, burocratas do Estado e amplas camadas da classe média – que rejeitavam os avanços democráticos e temiam uma revolução comunista – passaram a apoiar a extrema direita, representada pelo Partido Nazista, na vã esperança de submetê-los à lei quando chegassem ao poder.

Esta ilusão foi quebrada logo nos primeiros meses depois da ascensão de Hitler ao governo, embora aqueles mesmos setores continuassem apoiando o nazismo mesmo na aventura guerreira que provocou tanto sofrimento na Europa e, ao fim, a derrota e destruição da própria Alemanha.
Foi na eleição de 1932 que Hitler conquistou as credenciais que o levaram ao poder.

Seu partido teve um começo eleitoral quase obscuro, alcançando apenas 12 cadeiras no parlamento (o Reichstag), na eleição de 1928. Mas em apenas dois anos, impulsionados pelas consequências da crise de 1929, que fez crescer o desemprego na Alemanha, os nazistas deram um salto eleitoral e passaram a figurar entre os grandes partidos – na eleição de 1930 conquistaram 107 cadeiras no parlamento, onde se tornaram o segundo maior partido. E cresceram ainda mais na eleição de julho de 1932, quando elegeram 230 deputados e se tornaram o maior partido no Reichstag. Apesar disso, o Partido Nazista não alcançou a maioria parlamentar que lhe permitisse governar o país.

A condição de maior partido no Reichtag, animada por intrigas em torno do octogenário presidente Pavel Hindenburg, resultou na nomeação de Hitler como chanceler. Intrigas nas quais o antigo chanceler, Franz von Papen, teve papel central. Hitler foi nomeado para dirigir uma aliança com o fascista DNVP (Partido Popular Nacional Alemão). A ideia conservadora era criar um governo autoritário que tivesse condições de controlar Hitler e os nazistas.

A posse do novo governo, em 30 de Janeiro de 1933, foi chamada de Machtergreifung (“tomada do poder”). Os nazistas imaginaram que que ali se iniciava o domínio incontestável e usaram de toda sua habilidade para manipular eventos a fim de comemorar o fato. Richard Evans descreve como, naquela noite, as milícias nazistas desfilaram com tochas diante da janela da Chancelaria, para impressionar o presidente Hindenburg. Os que desfilavam faziam rodízio – passavam pela janela e voltavam a desfilar, para sugerir um número muito maior de manifestantes.

Os nazistas demonstravam ali a arte de manipular para manter o poder. Começavam também os sucessivos golpes cometidos por eles para afastar os demais partidos do governo e exercê-lo sozinhos, de maneira autoritária e ditatorial.

O próximo golpe na longa série de atentados nazistas para impor-se ao parlamento e ao governo foi o incêndio do Reichstag, que ocorreu menos de um mês depois, em 27 de fevereiro de 1933.  Causou enorme comoção na Alemanha, e foi falsamente atribuído ao comunista holandês Marinus van der Lubbe, diagnosticado com retardo mental, que foi encontrado no local gritando palavras de ordem pela revolução e por isso foi preso e condenado pelo ato terrorista praticado pelos nazistas.

Isso serviu de pretesto para acusar os comunistas alemães pelo atentado e apenas naquele dia mais de 5 mil foram presos em toda a Alemanha, e muitos foram assassinados. Em seguida, o Partido Comunista Alemão foi banido do parlamento. A repressão atingiu também anarquistas, socialistas e democratas; muitos foram presos e enviados para o campo de concentração de Dachau, uma prática repressiva desumana que os nazistas começaram a aplicar logo depois da tomada do poder.

Calcados na reação provocada, e explorando o medo que setores da elite tinham, de que aquele seria uma senha para o começo de uma revolução comunista, os nazistas logo tomaram providências para eliminar os demais partidos e consolidar seu domínio. Os social-democratas (SPD) foram expulsos do parlamento poucos meses depois, em junho. Entre junho e julho foi a vez dos Nacionalistas (DNVP), que participavam do governo na ilusão de controlar Hitler e os nazistas.

Afastaram também o Partido Popular (DVP) e o Partido do Estado (DStP); mesmo o Partido do Centro Católico foi obrigado a se dissolver em 5 de julho de 1933. De tal maneira que já em 14 de Julho de 1933 (menos de meio ano após a chegada dos nazistas ao poder) a Alemanha tornou-se um regime de partido único.

Além dos golpes contra a democracia partidária- mesmo conservadora, outros foram desferidos contra a ordem institucional, levados a efeito pelo parlamento que os nazistas controlavam, por ter o maior número de deputados e pela intimidação dos adversários. Menos de quatro meses depois da chegada de Hitler ao poder, em 24 de maio de 1933 o Reichstag abriu mão de sua função legislativa, que foi atribuída a Hitler.

A morte de Hindenburg, em 2 de Agosto de 1934, foi o pretexto para o golpe final, que concentrou em Hitler todos os poderes da República – ele fundiu em sua pessoa os cargos de Reichspräsident e Reichskanzler, sob o título de Führer und Reichskanzler, e tornou-se o chefe das forças armadas, a quem os militares passaram a jurar fidelidade.

A ascensão de Hitler ao governo e a sucessão de ações antidemocráticas, embora com base na lei e em decisões do parlamento, precisa ser vista com muito cuidado pelos brasileiros. Os nazistas e todos os antidemocratas que se parecem com eles não têm nenhum escrúpulo em golpear as leis, as instituições, a democracia – a única ação que respeitam é aquela para consolidar seu domínio e desmantelar qualquer organização pública capaz de se contrapor a isso – partidos, sindicatos, organizações da sociedade civil, etc.

Por isso, neste domingo (28) não há ouro caminho a não ser escolher para a presidência da República o candidato que defende a democracia e já demonstrou ser um democrata – Fernando Haddad, da coalizão O Brasil Feliz de Novo.