Bolsonaro contra o comunismo. Que comunismo?

A bandeira mais evocada nos discursos de Bolsonaro e nas falas de seus apoiadores é a da luta contra o comunismo e contra os comunistas que ameaçam o Brasil. Mas, de que comunismo eles falam? Afinal, nenhuma força eleitoral no país defende a coletivização dos meios de produção, ponto central de um programa comunista tradicional. Que comunismo é esse então?

Por Emílio Chernavsky*

Bolsonaro - Foto: Fernando Frazão/Agencia Brasil

Na verdade, Bolsonaro identifica o “comunismo” nas ideias em defesa de uma sociedade menos desigual e nas políticas públicas desenhadas para alcançar esse objetivo. Para ele, está presente nas transferências de renda aos grupos e indivíduos mais vulneráveis beneficiados pela Previdência Social e por programas como o Bolsa Família, que garantem uma renda mínima de sobrevivência para todos. Está na provisão universal gratuita (ou fortemente subsidiada) de serviços como educação, saúde e segurança, transporte e habitação, que cria uma esfera de consumo em que o acesso é menos desigual do que seria se dependesse apenas da renda e riqueza de cada indivíduo. Na tributação progressiva, pela qual quem tem mais renda e riqueza paga proporcionalmente mais imposto. Na legislação trabalhista, que considera que a relação patrão-empregado em geral não ocorre entre iguais e o lado mais fraco, que é quem precisa entrar na relação para sobreviver, deve ter garantias mínimas.

O “comunismo” aparece também nas políticas que combatem a discriminação contra mulheres, negros e homossexuais, e naquelas que protegem interesses coletivos, como o meio-ambiente, contra a ação daqueles que se beneficiam individualmente com sua destruição. Está também na Constituição Federal, que completou 30 anos dois dias antes do primeiro turno da eleição e contém os princípios que norteiam muitas dessas políticas.

Bolsonaro e seu grupo rejeitam essas políticas, mas sabem que um discurso abertamente contrário ao combate às desigualdades, que celebra a riqueza de alguns poucos em meio à pobreza da maioria, e que defende o tratamento diferenciado a grupos ou pessoas, dificilmente seria bem recebido fora de círculos conservadores restritos.

É para superar essa limitação e atingir públicos mais amplos que eles passaram a evocar o “comunismo”, tratado como inimigo externo poderoso com propósitos malignos caricaturais ao qual são associadas, de forma estereotipada e desvinculada de seu objetivo último, aquelas políticas . Sob o manto unificador da luta contra esse inimigo inventado que só existe em seus discursos, promovem um ataque inconfessável a seu inimigo real: as ideias e políticas contra a desigualdade, centrais na construção de uma sociedade mais justa.

*Emilio Chernavsky é doutor em economia pela USP