A ordem é exterminar a esquerda com vocação de poder, denuncia Correa

Lula está preso, Cristina Kirchner sofre perseguição judicial e espetacularização da imprensa argentina e Rafael Correa – que partiu para a Bélgica após deixar a presidência do Equador – tem uma ordem de extradição batendo à porta. Para o ex-presidente equatoriano, está claro que o projeto é “exterminar a esquerda” na América Latina. O método desta vez é a lawfare, ou seja, a guerra jurídica contra os líderes progressistas.

Por Mariana Serafini

Rafael Correa - Alejandro Ernesto/EPA

Após deixar a presidência do Equador, Rafael Correa voltou a viver na Bélgica com a esposa Anne Malherbe, onde por muitos anos foi professor universitário. De seu apartamento de 4 cômodos na pequena cidade de Lovaina la Nueva, o ex-presidente trabalha em seu novo livro sobre a situação política latino-americana e observa com uma lupa o avanço da guerra jurídica sobre o continente.

O método “Lava Jato” de acusações com provas inconsistentes, “delações premiadas” e espetacularização dos processos jurídicos feita pela mídia hegemônica não acontece só no Brasil. Na Argentina e no Equador a fórmula é a mesma, e a tendência é que se estenda para outros países onde o campo progressista tem ampla aceitação popular.


Rafael Correa em seu apartamento na Bélgica, com seu gato Dobi, que o acompanha nas noites de pesquisa para o novo livro 


Rafael Correa tem uma ordem de prisão contra ele no Equador e não pretende voltar ao país até que a situação se resolva. É acusado pelo sequestro de um parlamentar equatoriano na Colômbia em 2012, que ficou detido por algumas horas no país vizinho. A responsabilidade cai sobre o ex-presidente porque ao exercer o mais alto cargo da República, ele é o comandante máximo das Forças Armadas. Uma ação inconsistente, mas que serve de munição para a imprensa hegemônica atacar o legado de dez anos de governo que reduziu a desigualdade e promoveu a inclusão social no país através do projeto chamado Revolução Cidadã.

Para Correa está claro que se trata de um plano executado pelas oligarquias locais, mas orquestrado pelo interesse norte-americano para manter o controle da região. “Pode estar seguro de que a CIA atua com as embaixadas. A decisão é exterminar a esquerda. Não vão permitir que se repita outra época de ouro na América Latina: 90 milhões de pessoas saíram da pobreza. Agora já regressaram novamente 20 milhões. Estão dispostos a tudo. A ordem é exterminar a esquerda com vocação de poder. Não a esquerda tonta, do ‘tudo ou nada’. Mas a esquerda de Lula, Cristina, Chávez, Correa, que planejamos o sistema. Vão tratar de exterminar fisicamente também. Não se enganem, não é exagero”.

O Brasil no xadrez continental

Correa se diz um “otimista por natureza” e espera que Jair Bolsonaro (PSL) não vença as eleições no Brasil, o país com a maior economia e maior espaço territorial do continente. Acredita que os 20 milhões de brasileiros que não votaram possam mudar o resultado do quadro político no próximo dia 28.

Entretanto, se o candidato do PSL chegar ao Planalto, o ex-presidente equatoriano diz que pode haver uma reação continental em busca do “humanismo” e, desta forma, uma nova onda progressista, como aconteceu na década passada. “Se Bolsonaro ganhar, como quando George W. Bush venceu nos Estados Unidos, pode despertar os governos progressistas da América Latina. Será tão elementar seu governo que pode provocar uma reação favorável para retomar a via do humanismo”.

Ainda assim, um governo de Bolsonaro seria mais desastroso para o Brasil que Donald Trump tem sido para os Estados Unidos. Na visão de Correa, o extremista brasileiro pode ser comparado a Rogerio Duterte, líder conservador e autoritário das Filipinas que impulsiona a ferro e fogo uma “guerra às drogas” no país. “Nem Trump fala a favor da ditadura, da tortura, da desaparição de 39 mil pessoas”, denuncia.

Erros da esquerda e o crescimento das igrejas neopentecostais

O ex-presidente equatoriano não vê com bons olhos o foco da esquerda em pautas transversais como a legalização do aborto ou o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Não por moralismo, mas por acreditar que, infelizmente, o “continente mais desigual do planeta” ainda precisa se concentrar em questões que ele considera mais urgentes, como a pobreza, a fome e a segurança pública. Para ele, quando a esquerda se concentra em agendas que não estão ligadas diretamente à vida da população comum, acaba perdendo espaço e este foi ocupado pelas igrejas neopentecostais.

“Para mim, a questão social no continente mais desigual do planeta é a primeira questão moral. Antes de começarmos a discutir estas coisas que estão na fronteira do debate (aborto, por exemplo), discutamos coisas evidentes como a desigualdade de direitos. Além disso, é evidente a insatisfação das pessoas com temas que a esquerda nunca fala por purismo, como a segurança pública. Por que a esquerda não enfrentou mais claramente este problema? É uma falta de habilidade política. No Equador enfrentamos e temos o sistema de segurança integrado mais avançado da América Latina”, afirma.

Quando a população não encontrou nas propostas da esquerda uma resposta para suas angústias sociais, buscou em outra fonte e quem ocupou este espaço foram as igrejas evangélicas, acredita Correa. “Quando as pessoas se assustam com certas posturas buscam outra coisa e quando veem que não há perspectivas de mudança, se deixam convencer de que as coisas são assim e encontram refúgio nas igrejas”.

Apesar do cenário nebuloso, Correa é um otimista e acredita ser possível mudar a situação do continente em curto prazo. “Sem demora, começaremos a recuperar o muito que retrocedemos”.