Sem categoria

Saramago, o comunista que revelou ao Nobel um ideal de democracia

O primeiro e, até agora, único Nobel português da Literatura, nasceu na Azinhaga, no concelho da Golegã, em 16 de Novembro de 1922. Ainda menino foi para Lisboa com a sua família e desde cedo se envolveu com movimentos antifascistas. Em 1948/49 participou ativamente da candidatura de Norton de Matos à presidência da República.

José Saramago - Divulgação

Alguns anos mais tarde (1969), se tornou militante do PCP (Partido Comunista Português) e integrou a organização dos intelectuais de Lisboa. Depois do 25 de Abril [episódio conhecido como Revolução dos Cravos], integrou a Célula dos Escritores do Setor Intelectual de Lisboa e, juntamente com outros intelectuais comunistas, participou das jornadas de trabalho da Festa do Avante! [a tradicional festa do jornal do PCP].

Em 1975, data em que foi afastado do cargo de diretor-adjunto do grupo, na sequência do golpe contra-revolucionário de 25 de Novembro, publicou o livro de poemas O Ano de 1993.

Dois anos mais tarde, lançou o romance Manual de Pintura e Caligrafia e em 1978 o volume de contos Objecto Quase. A partir de então, a sua obra cresce, consolida-se, ganha admiradores e torna-se também alvo de censura.

Em 1992, o escritor que lutava para ensinar a dizer não às injustiças e desigualdades, se vê afastado da candidatura ao prêmio literário europeu graças ao veto do subsecretário de Estado da Cultura de Cavaco Silva, Sousa Lara. A obra em questão era O Evangelho segundo Jesus Cristo e, por conta disso, Saramago optou por ir viver definitivamente em Lanzarote, no Arquipélago de Canárias, na Espanha.

Felizmente, o episódio não impediu que, em 1998, o país se levantasse em alegria, como afirmou Eduardo Prado Coelho [“É possível, como se viu nesta semana, que um país se levante em alegria porque alguém ganhou um prêmio de literatura”]. Saramago tinha ganho o Nobel da Literatura, o Nobel tinha-se rendido à visão humanista do escritor.

Entretanto, a sua obra saltou para outros domínios artísticos. O compositor Azio Carghi produziu a ópera Blimunda, a partir do Memorial do Convento, o diretor Fernando Meireles levou ao cinema o Ensaio sobre a Cegueira e obras como, por exemplo, a História do Cerco de Lisboa, foram interpretadas no teatro.

“A missão do escritor […] é não se calar”

No dia em que regressou a Lisboa, após a atribuição do prêmio, José Saramago foi recebido com uma homenagem do partido que escolheu para seu até ao fim da vida, no Centro de Trabalho Vitória, em Lisboa. Findada a cerimônia, seguiu em direção à Praça do Comércio, num gesto de solidariedade para com os que lutavam contra mais um pacote anti-laboral disparado pelo governo de Cavaco Silva.

Passados dez anos da atribuição do Prêmio Nobel da Literatura, e sem ter condições de participar da homenagem que lhe foi rendida na Festa do Avante! por motivos de saúde, enviou uma mensagem aos realizadores do evento, que, “com o seu trabalho voluntário, e não pedindo nada em troca, constroem a Festa”; aqueles para os quais “a Festa é indispensável” e que “são também indispensáveis à Festa”.

A atribuição do Nobel levou José Saramago a participar de conferências, seminários, fóruns, e outras iniciativas, a nível nacional e internacional, sobretudo na Espanha e na América do Sul. A reflexão sobre a sua obra, as desigualdades, o conceito de democracia e a atuação das “instituições” europeias foram alguns dos muitos temas sobre os quais manifestou sua opinião. Afinal de contas, admitiu, “a missão do escritor, se existe alguma, é não se calar”. 

José Saramago morreu no dia 18 de junho de 2010. Na intervenção proferida na cerimônia fúnebre, o secretário-geral do PCP, Jerónimo de Sousa, reconheceu: “Podia ter sido só um escritor maior da literatura portuguesa. Foi mais do que isso. Foi um homem que acreditou nos homens, mesmo quando os questionava, que deu expressão concreta à afirmação de Bento de Jesus Caraça da aquisição da cultura como um fator de conquista da liberdade”.