A vanguarda do atraso

O título acima foi extraído de um discurso do então deputado federal por Pernambuco, Fernando Lyra, (1938/2013), um dos líderes da chamada “bancada dos autênticos”, que enfrentava a ditadura em um Congresso manietado.

Por Ricardo Leitão*

Bolsonaro - HEULER ANDREY VIA GETTY IMAGES

Referia-se Lyra às forças mais reacionárias no conjunto das que se opunham à “abertura lenta, segura e gradual” proposta pelo general-presidente Ernesto Geisel e ameaçavam romper a frágil tessitura da reconstrução democrática.

A vanguarda do atraso está agora de volta às ruas, ressurgida do fogo de monturo do arbítrio, com a passagem de Jair Bolsonaro para o segundo turno. Do ponto de vista moral ele desperta o que há de pior na conservadora sociedade brasileira: a intolerância, o preconceito, a defesa da violência, a misoginia, a homofobia, a xenofobia, o nacionalismo tosco.

Mas também reaviva questões que, com a campanha chegando ao final, ainda não têm respostas: quem financia Bolsonaro? De onde vêm os recursos que, há mais de dois anos, lubrificam sua mobilização em praticamente todos os estados?

País em desenvolvimento, como se diz, convivem no Brasil capitalismos de diferentes níveis. Há o financeiro, ombreado aos padrões internacionais que apostou e perdeu suas fichas na candidatura do milionário Henrique Meirelles. No outro extremo há o capitalismo atrelado ao agronegócio subdesenvolvido, em alguns estados tão rudimentar que ainda é flagrado escravizando trabalhadores em derrubadas ilegais de matas.

Estes capitalismos de base rural financiam a chamada “bancada do boi” no Congresso, formada pelo impressionante número de aproximadamente 300 parlamentares, entre deputados federais e senadores. Não tardaram em manifestar apoio a Jair Bolsonaro, quando ficou evidente sua passagem para o segundo turno da eleição presidencial.

Mais politica do que financeira, vem em seguida a sustentação da famosa “bancada da bala” – policiais, ex-militares como Bolsonaro, empresários, empenhados na revogação da legislação do desarmamento. Com a ideia já se comprometeu o capitão da reserva do Exército.

Por fim, completa o trio a “bancada da Bíblia”. São os líderes de denominações religiosas extremamente conservadoras, que reproduzem para milhões de seguidores a pregação moralista de Jair Bolsonaro. Em meio aos sermões movimentam diariamente milhões de reais, em espécie, absolutamente livres de fiscalização oficial.

A esse sólido lastro das primeiras horas logo se juntaram os atentos e ágeis rapazes do capitalismo financeiro. Não por acaso, o movimento positivo da Bolsa de Valores de São Paulo cresce à medida que aumenta a vantagem de Bolsonaro nas pesquisas. Sinal de que bons negócios vêm por aí.

Dirão que tudo está sendo feito às claras; de acordo com as regras eleitorais; que pessoas e instituições são livres para fazer e expressar suas escolhas. No entanto, é inevitável outra questão: em troca do que tamanho apoio está sendo dado e alardeado?

A “bancada do boi” quer a revogação das leis que impedem o avanço sobre reservas ambientais e de povos indígenas, para plantar capim e extrair madeira – no que têm os votos dos representantes das poluidoras empresas de mineração. A “bancada da bala” pretende que a população se arme como achar melhor, sem qualquer restrição legal, comprando milhões de armas das indústrias que financiam seus mandatos. E a “bancada da Bíblia” reivindica distância da fiscalização sobre sua piedosa e lucrativa rotina de exorcizar pobres almas.

Com tão altos objetivos Jair Bolsonaro já se comprometeu. Trata-se assim de grande equívoco pensar que ele não terá base parlamentar para governar, se eleito. A base será esta, a da vanguarda do atraso, a ela somando-se a histeria do antipetismo e o oportunismo repugnante do centrão.

Domingo, 28, votação do segundo turno, será o primeiro dia dos próximos dois meses e quatro anos. Que Brasil nos espera? Que Brasil aguarda nossos filhos e netos? O bolsonarismo dilacera o País. A vanguarda do atraso ameaça a democracia. É dever político, o maior de todos, derrotar Jair Bolsonaro.