Desafios geopolíticos da integração na América do Sul

No Mini-Auditório do Instituto de Ciências Sociais da UnB, reuniram-se alunos e professores para assistir um Ciclo de Debates organizado pelo Departamento de Estudos Latino Americanos do Instituto, intitulado "América do Sul: desafios geopolíticos da integração".  

Debate sobre América Latina UnB

Convidados o professor Dr. Miguel Ángel Barrios, da Universidade Nacional de Santiago del Estero, da Argentina, o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, ex secretário geral do Itamaraty durante os governos de Luiz Inácio Lula da Silva, e o professor Dr. Helvécio Damis de Oliveira da Universidade Federal de Uberlândia, de Minas Gerais. A coordenação dos debates ficou a cargo do Professor Pedro Henrique Cícero (UFU/ELA-UnB) e das professoras Flávia Barros (DDAL/ELA-UnB) e Lilia Tavolaro (DDAL/ELA-UnB).

O primeiro a falar foi o professor argentino Miguel Ángel Barrios, da Universidade de Santiago del Estero, sobre o tema "América do Sul na Geopolítica Mundial". Argumentou o professor que vivemos neste início do século 21 uma situação em que o conceito clássico de Estado-Nação vai dando lugar a um novo tipo de Estado Continental Industrial, na verdade um grande espaço continental com capacidade de integração no atual sistema mundial. Coexistem com este estado de novo tipo as tradicionais elites financeiras globais. Exigências novas, entretanto, se colocam diante desta nova realidade onde a soberania de cada um dos componentes logrem construir espaços culturais para impulsionar a economia na era 4,0. Outra exigência seria a constituição de um exército Sul Americano que se colocasse a tarefa de defesa das riquezas do continente. Já no século passado, em 1910, explicou o professor, Manuel Ugarte (que foi um escritor argentino, escritor e membro do Partido Socialista) cunhara a categoria política de "Pátria Grande" com objetivos parecidos. Depois tivemos as ideias de Bolívar, que foi um líder militar e político venezuelano que libertou o que atualmente são as repúblicas da Venezuela, Bolívia, Colômbia Equador, Peru e Panamá como estados soberanos independentes do Império Espanhol.

Segundo o professor argentino, estamos agora numa era da segunda independência, retomando o grito de José Martí, "Nuestra América". Em 1974 a UNESCO proclamou a filosofia de Nuestra América, como a busca incessante da identidade de uma práxis libertadora. Isto quer dizer que nos coloca os latino-americanos em um espaço — da mesma forma que "Pátria Grande" de José Martí. E qual seria a novidade entre os conceitos de "Pátria Grande" e "Nuestra América"? Pergunta o professor Miguel Barrios: na verdade repõe Bolívar nas novas condições do século XX. Trata-se de um sentimento de união hispano-americano com a inclusão da variante lusitana na América Latina que é o Brasil — e este fenômeno havia ocorrido pela primeira vez — porque o Brasil não estava incluído no anterior unionismo hispano-americano.

O segundo palestrante foi o professor Helvécio Damis de Oliveira, que falou sobre o tema "A educação como articuladora da Integração da América do Sul", sua tese de doutorado. Constatou o professor Helvécio que não existe em português, nenhuma biografia de Simón Bolívar, o chamado Libertador, figura importante do processo de integração latino-americano. A educação, explica o professor, é fundamental neste processo integracionista, mas não há como percorrê-lo sem a vontade política dos diversos países do continente. O professor Helvécio lembrou em sua exposição as contribuições essenciais para esta concepção de integração formuladas pelo pensador Dermeval Saviani, da Unicamp, com seu livro "Escola e Democracia". Helvécio resgatou neste ponto o fato de que o Mercosul ainda não promoveu nem o reconhecimento da titulação entre os países do Bloco — que está consagrado no artigo 48 da Integração — sendo que os títulos de universidades europeias e norte-americanas já são reconhecidos no Brasil.

E, finalmente, falou o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães que dissertou sobre o tema "A ordem global: situação e cenários na América do Sul". Em sua exposição, Samuel fez um relato de como estávamos na América do Sul na década de 1990 logo após a derrota dos soviéticos da URSS. Naquela ocasião, segundo o embaixador, aquele acontecimento foi considerado uma das grandes vitórias do capitalismo. Na América do Sul surgiram vários governos neoliberais, como o governo Carlos Menem, na Argentina, que estabeleceu relações carnais com os EUA e o FMI, Sanches de Louzada, na Bolívia, que ficou conhecido por aplicar em seu país uma "teoria de choque" neoliberal — desenvolvida principalmente pelo economista Jeffrey Sachs do FMI — e Jorge Luis Batlle, no Uruguai, que aplicaram programas de governo neoliberais em toda a linha. No Brasil Fernando Collor e depois Fernando Henrique Cardoso, no Paraguai Nicanor Duarte, e Alberto Fujimori, no Peru, aplicaram programas de redução do Estado. Governos que foram todos fracassados.

Depois dessa onda neoliberal, vários governos foram eleitos pelas urnas em processos eleitorais como no Brasil — Luiz Inácio Lula da Silva assumiu a presidência em 2003, Néstor Kirchner, na Argentina, Tabaré Vázquez no Uruguai e depois José Mujica, o presidente Fernando Lugo, no Paraguai, Evo Morales, na Bolívia, Rafael Correa no Equador e Hugo Chávez, na Venezuela. Estes Governos protagonizaram políticas sociais, políticas de erradicação da fome e políticas de recuperação de estado e de certa soberania na política externa.

Nesse período avançou o processo de integração da America do Sul, e o BNDES se transformou num importante instrumento de crédito para empresas brasileiras dedicadas à construção civil na área de infraestrutura. Este conjunto de países adotou uma política externa de não-intervenção nos assuntos internos dos países vizinhos, a criação da UNASUL que poderia se contrapor ao papel histórico da OEA que sempre foi um instrumento de intervencionismo dos Estados Unidos. Constituiu-se o Conselho de Defesa da America do Sul.

Visto todo esse avanço progressista e independente na América do Sul, concluiu o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, os Estados Unidos não ficaram dormindo e passaram a mobilizar seus recursos para impedir o avanço ainda maior no continente. Em 1994, o Chile assinou acordos bilaterais com os EUA. O México também entrou para o NAFTA, que abrigavam o Canadá e os EUA num acordo de "livre comércio". Na Venezuela aplicou-se um golpe de Estado que logo em seguida se revelou fracassado e — mais importante do que todas estas iniciativas — tentou-se coordenar a implantação do ALCA, Área de Livre Comércio das Américas, com o Brasil e os EUA como co-presidentes.

Houve então um grande acontecimento durante a reunião da Quarta Cúpula de Las Américas de Mar Del Plata, em 2005, onde os presidentes Lula, Kirchner e Hugo Chavez, se colocaram contra a implantação da ALCA diante da presença do presidente dos Estados Unidos da América. Esta derrota da estratégia americana fez com que os EUA adotassem novas formas de intervenção política e econômica. Foi então que os sistemas de informação americanos passaram a adotar medidas de apoio jurídico e policial a setores da Justiça brasileira. No caso, segundo o embaixador Samuel Pinheiro, foi acionado o Juiz Sérgio Moro, da Justiça do Paraná, encarregado da operação para bombardear Lula. No caso da Petrobras foi indicado Pedro Parente para dirigir a Estatal do Petróleo. Na esfera econômica, foi indicado o banqueiro Henrique Meirelles, e assim por diante.

A ideia da nova filosofia intervencionista era de que as empresas privadas são a solução para todos os problemas, No caso da Petrobras, os Estados Unidos sempre foram contra as empresas estatais. Desde o final da década de 40 colocaram-se contra a campanha do "Petróleo é Nosso". Acreditavam que as empresas privadas americanas eram melhores que empresas estatais. Na política externa houve uma viragem de orientação para apoiar as políticas norte americanas em geral, e no continente dificultar a integração sul americana e o MERCOSUL.

Com as eleições de outubro estamos diante de uma nova encruzilhada. Ou seguimos esse caminho traçado pelo governo Temer em sua "Ponte para o Futuro", ou recuperamos o projeto que estava em andamento nos governos anteriores de Lula e Dilma, reforçando novamente a ideia integradora do MERCOSUL, retomando as políticas de fortalecimento dos BRICS, as relações Sul–Sul, com os países africanos, e os países asiáticos. Segundo o embaixador esforços de aproximação com os países vizinhos da Argentina, Uruguai, Paraguai, Bolívia, Venezuela, Equador teriam que ser desenvolvidos, para novamente retomar o esforço de integração Latino Americano.

Por fim, manifestou-se o embaixador da República Pluri nacional da Bolívia, Jerjes Justiniano Talavera, saudando o debate realizado como muito positivo na atual quadra da situação mundial. O embaixador aproveitou a ocasião para reafirmar alguns princípios que estão sendo implementados em seu país, como o de que as riquezas naturais devem permanecer no país, utilizando estes recursos para desenvolver a economia própria dos bolivianos, inclusive sua economia privada. Desta maneira a Bolívia tem demonstrado um crescimento constante de seu PIB, multiplicando o seu valor por 4 vezes desde a eleição do presidente Evo Morales, em 2006.