Argentina e Venezuela: os motivos do colapso econômico

Após assumir o poder com a promessa de retomar o crescimento da Argentina, o governo de Mauricio Macri se encontra assolado em uma crise cambial sem precedentes e enfrentou nesta semana a 4ª greve geral do seu mandato. Mas a imprensa hegemônica insiste em focar apenas na Venezuela, que também passa por um colapso econômico grave.

Maurício Macri - Sputnik

Se nos últimos meses o noticiário foi inundado com os efeitos devastadores do caos político e econômico que vive a Venezuela, tendo como estopim a onda migratória de venezuelanos que se espalharam pelos países vizinhos do continente em busca de melhores condições de vida, a brusca aceleração da crise argentina provocou uma curiosa e inglória situação na região: os venezuelanos que chegaram à Argentina nos últimos meses em busca de refúgio, encontraram um país em pleno caos econômico, com o disparo da inflação, abrupta desvalorização da moeda e um desemprego em alta.

A Argentina vive uma das mais graves crises da sua história recente e enfrenta uma profunda desconfiança tanto dos investidores, quanto da própria população, gerando uma profunda instabilidade no país.

O caso argentino: herança maldita ou maldição do liberalismo?

Assolada por uma grave crise cambial, a Argentina vivenciou nesta semana a quarta greve geral do governo Macri, que parou serviços e transportes em todo o país, afetando mais de 15 milhões de pessoas. O cenário é realmente desalentador para a população argentina, como destaca o economista argentino e professor da UFRJ, Eduardo Crespo.

"Nesse momento há uma crise econômica em andamento muito pesada, com a desvalorização do peso muito grande. Só para dar uma ideia, o peso passou de um patamar de 20 pesos por dólar para 40 […] é uma situação muito complicada com uma queda do salário real, que deve estar em volta de 10%", afirma o especialista, acrescentando que a grande desvalorização do peso tem uma repercussão inflacionária grande, com uma aceleração da inflação projetada para o ano perto de 40-50%.

"Durante todo o ano de 2016 e 2017 houve um fortíssimo momento de endividamento público em dólares com uma administração muito ruim do Banco Central. O jeito que o Banco Central estava gerindo a política monetária, a fixação da taxa de juros, até as intervenções cambiais foram todas muito erradas, e com o endividamento público crescente. Quando os investidores começaram a ter dúvidas sobre a capacidade de pagamento da Argentina, já estava com um déficit de conta corrente muito grande, com juros que estavam crescendo a taxas altas, dava pra ver que era uma situação insustentável", acrescentou Eduardo Crespo.

Já o professor de Relações Internacionais da UERJ e pesquisador do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI), Paulo Velasco, atribuiu a crise econômica argentina em grande parte a um acúmulo de problemas do governo anterior, mas que somados a uma não eficiência das medidas de ajuste fiscal, provocaram uma desestabilização do país.

"Há uma série de problemas que vêm do governo anterior que a gente não pode atribuir em hipótese alguma ao Macri. Mas o Macri foi eleito como o salvador da pátria, como o homem de negócios que seria capaz de encontrar a fórmula mágica que tiraria a Argentina do buraco, buraco em que ela está metida desde 2000 e 2001, não é uma coisa de agora. No início parecia que ia dar certo […] mas do ponto de vista econômico, os remédios amargos que o Macri adotou e vem adotando não estão surtindo efeito. Amargos inclusive junto à sociedade", observou.

Eduardo Crespo citou o Brasil como exemplo na maneira com que a Argentinou buscou encontrar uma estabilização e um ajuste fiscal, impondo uma série de reformas impopulares, como a flexibilização dos direitos trabalhistas, e a reforma previdenciária, que, provocaram o desagrado da sociedade.

"Como resposta a essas medidas impopulares que ele [Macri] adotou, esperava-se que pelo menos houvesse a contrapartida macroeconômica, a estabilidade, e isso não veio. Daí ele teve que recorrer ao que de uma maneira é um atestado quase que de morte, que é recorrer ao FMI, porque você de alguma maneira renuncia em alguma medida à gestão soberana da política macro-econômica em troca daquela garantia de recursos, tendo que seguir à risca as receitas monetaristas do FMI", acrescentou o especialista.

A agonia venezuelana

É inegável a atual de situação de agonia que vive a economia e a política venezuelana. Com uma expectativa de inflação que pode chegar a 1.000.000% até o final do ano, a crise do país já ultrapassa fronteiras com uma forte onda migratória de pessoas que saem da Venezuela em busca de melhores condições de vida nos países vizinhos. Apesar dos esforços feitos pelo governo de Nicolás maduro para estabilizar a economia.

O professor Paulo Velasco identifica que uma coisa que une Brasil, Argentina e Venezuela, tanto no sucesso econômico do início do século, quanto na deterioração dos indicadores, é o cenário internacional, sobretudo em relação ao preço das commodities.

"Temos que reconhecer que as políticas que deram certo na Venezuela por um tempo, pensando no ápice do governo de Hugo Chávez, um sucesso extraordinário, com um impacto social importante em relação à redução da pobreza, da fome, elas viram caudatárias especialmente num cenário de boom das commodities", argumenta o especialista.

De acordo com Velasco, o fracasso de Chávez foi a dificuldade de alcançar uma diversificação da estrutura econômica e produtiva da Venezuela. O especialista frisa, no entanto, que os problemas associados ao fato da Venezuela não conseguir sair da posição de ser uma economia rentista, dependente da venda de petróleo, não podem ser considerados sob um ponto de vista ideológico, tendo em vista que outros governos de centro e centro-direita que governaram o país durante décadas também vivenciaram o mesmo fracasso.

"Seja Chávez, sejam aqueles de uma linha ideológica completamente distinta que o antecederam, esbarravam na impossibilidade de conseguir diversificar a economia do país", afirma.